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A Igreja Cristã nasceu do judaísmo, sendo, inicialmente, vista como uma seita judaico- cristã, não diferente do partido dos essênios, dos saduceus, dos fariseus e dos zelotes que existiam na Palestina do século I219. Os seus componentes pertenciam a um grupo religioso de minorias, centralizado em torno de Jesus de Nazaré e sua doutrina; romperam, em certos aspectos, com os preceitos da religião judaica, ingressando, voluntariamente, no movimento religioso. Pela fé coletiva, viram em Jesus o salvador prometido no Antigo Testamento, e essa salvação era estendida a todos que professassem a nova fé e se deixassem batizar220.

Segundo Comblin, os seguidores de Jesus de Nazaré, que formaram a igreja primitiva, consideravam-se judeus puros aos quais se acrescentaram os justos das nações. A marca da pureza estava no radicalismo da pobreza. A entrada na seita supunha um processo de adesão e de conversão, confirmada pelo Espírito Santo. Separavam-se dos outros judeus pela abertura para com os gentios e também pela invocação do nome Jesus. E esse nome foi adquirindo tanta importância que pouco a pouco se tornou o eixo ao redor do qual se articulava uma nova entidade social221.

Os Seguidores de Cristo, membros rejeitados pelos judeus e entregues a si mesmos, acabaram formando uma Igreja multitudinária, que se adaptou ao mundo e desenvolveu um sistema de meios objetivos de salvação, dogmas, sacramentos, normas morais e institucionais.

219 FABRIS, R. Jesus de Nazaré história e interpretação, p. 74.

220 Comblin desenvolve o conceito de seita, no sentido sociológico, de Ernst Troeltsch, que tem as seguintes características: 1) É uma associação de elites, de pessoas que buscam uma perfeição em todos os sentidos; 2) forma-se pela livre adesão de convertidos; 3) insiste mais na atividade do sujeito do que os meios objetivos de salvação (luta contra todas as ilusões de salvação sem compromisso pessoal); 4) nega-se a adaptar-se ao mundo, vive em estado de tensão escatológica, aguardando o advento do reino de Deus e, por isso, vive separada da massa da igreja que julga degenerada” (COMBLIN, J. Atos dos Apóstolos vol. I, p. 48).

No tempo de Lucas222, os neocristãos não tinham consciência da abrangência que a nova Igreja iria tomar. Uma geração depois, o cristianismo assumiria uma forma institucionalizada que se guardaria, apesar das vicissitudes, até Constantino223 e, posteriormente, continuou a evoluir por intermédio dos Santos Padres dos séculos IV-V224.

O movimento desenvolvido na colônia alemã de São Leopoldo, século XIX, liderado por Jacobina Mentz, não teve dois mil anos de caminhada como a Igreja Católica Apostólica Romana. Na concepção do historiador Martin Dreher, a religião de Jacobina Mentz Maurer faz parte das muitas tradições religiosas trazidas pelos imigrantes alemães protestantes ao Brasil; a família da líder foi expulsa do território alemão da Turíngia, Alemanha, por não querer renunciar a antiga fé e fechar-se à Ilustração. Os mucker são herdeiros do Pietismo assim como diversas famílias que participaram do movimento eram pietistas. Com eles, veio a Ilustração que já se fazia sentir em 1824 e se acentuou em 1851, com a chegada de 1600 legionários alemães no Rio Grande do Sul. O Reavivamento veio a esse Estado por meio de novas levas de imigrantes, por meio de padres e pastores, tendo sua expressão maior no Catolicismo da Restauração e num Protestantismo da Restauração. Com isso tudo, uma nova forma de pensar era expressa nos jornais e influenciava a política, dando a conformação do Estado na República que iniciaria em 1889. O universo dos mucker era o micro do macro, faziam parte dessas mudanças todas225.

A “igreja de Jacobina” não resistiu muito tempo. Sobre isso, Martin Dreher, supracitado, dá o seguinte parecer: as práticas dos Maurer foram legitimadas por expressivo número de simpatizantes, entre 700 e 1000 pessoas, o que é significativo, considerada a população total da Colônia Alemã de 14.000 pessoas. Mas, a partir de 1873, os mucker foram responsabilizados por uma série de incêndios e assassinatos que os levou ao confronto com o

222 Tradicionalmente, o terceiro evangelista, é considerado também autor do livro dos Atos dos Apóstolos. Mas a crítica moderna, através dos estudos da história das formas, aos poucos, desfaz essa possibilidade. O autor desse livro seria um cristão da segunda geração (RABUSKE, I, J. A Igreja em suas origens: revisitando os atos dos apóstolos. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 42, n. 1, p. 5-18, jan./jun. 2012).

223 Em 313 d.C., Constantino Magno através do edito de Milão, deu liberdade aos cristãos de professarem sua fé e aceitou a religião Cristã no Império Romano. Em 391 do mesmo século, o Cristianismo passou a ser religião oficial e as outras perseguidas.

224 COMBLIN, J. Atos dos Apóstolos vol. I, p. 48.

225 DREHER, M. N. Conversas a partir da margem: dialogando sobre os Mucker. In: SIDEKUM, A.; GRÜTZMANN, I.; ARENDT, I. (Orgs.). Campos múltiplos identidade, cultura e história. São Leopoldo: Nova Harmonia: Oikos, 2008, p. 64.

exército, em junho de 1874. Em três investidas, ocasionaram a morte de muitos adeptos e os principais líderes, bem como a prisão de outros e isso se estendeu até 1898. No julgamento que se seguiu, nenhum mucker foi condenado, tendo acontecido o mesmo com os seus detratores226.

Os apontamentos de Miguel Noé dão uma visão sobre o curandeirismo de João Jorge Maurer: Uma entidade superior, que Noé chama de “Divindade Natural”, diagnosticava as doenças e prescrevia o tratamento. O “Espírito Divino da Natureza” convocava o espírito de Jacobina, fazia-o abandonar o corpo para ministrar-lhe esclarecimentos, que após a reincorporação do espírito, a profetisa externava ao marido. Os produtos ministrados nas beberagens e emplastros receitados eram somente naturais; fazendo os crentes desse tratamento panteístas, pois as pessoas que frequentavam a casa dos Maurer e buscavam tratamento, acreditavam nesse “Espírito Divino da Natureza” para curá-los de suas doenças e, talvez, ouvirem conselhos para os males da alma. Eram simples, ingênuas e, sem dúvidas, pacíficas; acreditavam nisso e eram fiéis às suas igrejas, a saber, a Luterana e a Católica227.

Como líder religiosa, Jacobina mostrava que tinha poder de prever situações e acontecimentos futuros. Por isso fazia profecias sobre o destino das pessoas e sobre o próprio mundo. Essas características evidenciaram-se a partir de 1873, quando há relatos de intensa perseguição de toda a sociedade ao grupo. Na reunião de 4 de maio de 1873, Jacobina disse aos seus seguidores que ela era a messias escolhida por Deus, para anunciar que o fim dos tempos se aproximava, quem a escutasse se salvaria, e que era necessário que os seus seguidores se preparassem para o dia do juízo228.

Para entrar na seita bastava concordar com Maurer, o prosélito deveria ser precavido, não cometer falta, ser forte, não se deixar influenciar pelos outros e não se desviar do caminho. Até 1871, os mucker não usavam a Sagrada Escritura e não se preocupavam em fazer uma congregação de fiéis. As reuniões na casa dos Maurer eram uma atividade paralela

226 DREHER, M. N. Conversas a partir da margem: dialogando sobre os Mucker. In: SIDEKUM, A.; GRÜTZMANN, I.; ARENDT, I. (Orgs.). Campos múltiplos identidade, cultura e história. São Leopoldo: Nova Harmonia: Oikos, 2008, p. 65.

227 DOMINGUES, M. A nova face dos Muckers, p. 72. 228 Ibid., p. 88.

à atividade religiosa da comunidade229. Todos os que a frequentavam, os crentes na Divindade Natural, eram fiéis a sua religião, buscavam os sacramentos e participavam dos rituais estabelecidos juntamente com o colono-padre ou colono-pastor, conforme a denominação religiosa230.