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O FEMININO DIANTE DA JURISDIÇÃO PENAL: AUTONOMIA OU SILENCIAMENTO?

4.1- Restrições da Lei Maria da Penha à Escolha da Mulher pela Judicialização Penal nas Infrações de Lesão Corporal Leve.

A Lei Maria da Penha ao mesmo tempo em que traz a previsão de institutos que rompem com uma concepção conservadora do Direito, a exemplo da previsão da jurisdição hibrida que determinam em um plano abstrato o julgamento por um mesmo julgador das demandas decorrentes da violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher, também preserva essa mesma vertente.

Como decorrência da incorporação do expansionismo do campo penal notamos que a autonomia da mulher em optar pela intervenção ou não da jurisdição criminal foi limitada pela Lei Maria da Penha, reforçando a tradição legal de substituição do protagonismo dos litigantes pelos membros campo jurídico.

Essa limitação será aqui observada a partir do tratamento legal dado aos crimes de lesão corporal de natureza leve29 quando atingem

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A infração de lesão corporal de natureza leve é descrita no art. 129 do código penal da seguinte forma “Ofender a integridade corporal ou a saúde de outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano”. A lesão será entendida como leve desde que ausentes condições que a qualificam, tornando a punição mais grave. Seguem os parágrafos do art. 129 que descrevem as qualificadoras que retiram a classificação de leve do crime de lesão corporal:

“ § 1º - Se resulta:

I - incapacidade para as ocupações habituais, por mais de 30 (trinta) dias; II - perigo de vida;

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mulheres em situação de violência doméstica e familiar. A partir da vigência da Lei Maria da Penha nos casos de lesão corporal de natureza leve a investigação e o processo criminal podem ter início independente e mesmo contra a vontade da mulher.

Tratamento diverso é dado pela lei 9.099/1995, que com seu viés despenalizador, permite que a pessoa que sofreu a lesão leve, que é classificado como infração de menor potencial ofensivo, opte por acionar ou não a jurisdição penal, podendo inclusive desistir (retratar-se) após a movimentação do aparato criminal.

Com o afastamento da lei 9.099/1995 pela Lei Maria da Penha nas situações de violência doméstica e familiar, em que ocorra a lesão corporal de natureza leve, a mulher não poderá mais opinar acerca do início e prosseguimento do processo penal.

Esse entendimento foi consolidado no ano de 2012 com o julgamento pelo STF da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4424 quando essa corte, dissipando as divergências, firmou que nos casos de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher a lesão corporal de natureza leve é crime de ação pública incondicionada.

IV - aceleração de parto:

Pena - reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 2º - Se resulta:

I - incapacidade permanente para o trabalho; II - enfermidade incurável;

III - perda ou inutilização de membro, sentido ou função; IV - deformidade permanente;

V - aborto.

Pena - reclusão, de 2 (dois) a 8 (oito) anos.

§ 3º - Se resulta morte e as circunstâncias evidenciam que o agente não quis o resultado, nem assumiu o

risco de produzi-lo:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) a 12 (doze) anos.

§ 9º Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com

quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos”.

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Isso quer dizer que quem moverá a ação penal é o Ministério Público independente de qualquer manifestação da vítima. Na sistemática da lei 9.099/1995 a lesão corporal de natureza leve é crime de ação pública condicionada à representação, ou seja, o Ministério Público só pode agir na aplicação do sistema penal se a vítima lhes autorizar, podendo esta, inclusive, desistir dessa representação.

Antes da decisão do STF, ao analisar posições de membros do campo jurídico a partir de artigos científicos e decisões judiciais30, identifiquei uma divergência no que diz respeito ao crime de lesão corporal leve quando a vítima é mulher em situação de violência doméstica e intrafamiliar. Para uma corrente a Lei Maria da Penha ao afastar a lei 9.099/1995 objetivou apenas a inaplicabilidade dos institutos despenalizadores não alterando a ação penal nos crimes de lesão corporal de natureza leve.

Já para seus opositores o repúdio a lei 9.099/1995 abrangeu todos os seus dispositivos, inclusive o que determina que a lesão leve é crime de ação pública condicionada à representação. Para esta corrente ao afastar a norma que previa ser a lesão leve crime de ação pública condicionada á representação, restou-lhe a classificação de pública incondicionada.

Antes do julgamento do STF que definiu os contornos jurídicos do tema, o Superior Tribunal de Justiça - STJ tinha entendimento no sentido de que a lesão leve nos casos de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher continuava sendo de ação pública condicionada à representação. Isso significa que a mulher teria espaço para optar acerca da intervenção da instância penal. Após a decisão do STF, diante de seu efeito vinculante, o STJ passou a decidir que a natureza da ação penal é pública incondicionada fazendo sempre referência ao julgado da Corte Maior.

Em pesquisa anterior (SILVA: 2009/2010) identifiquei que as manifestações do campo jurídico antes da decisão do STF, quando o debate

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era acalorado, centravam seus argumentos mais nas regras que norteiam a técnica que nas consequências efetivas de sua aplicação, reforçando mais uma vez o caráter conservador do Direito, distanciando-se da lição de Bobbio (2007) segundo o qual tão importante quanto conhecer um instituto jurídico é saber para que o mesmo serve.

No presente estudo reingressamos31 ao debate incorporando a analise da decisão do STF que determinou a natureza de pública incondicionada da infração de lesão leve nos casos de violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher. Esta decisão embora também centrada nas discussões das regras jurídica conseguiu tangenciar a função do instituto.

O voto de todos os Ministros do STF no julgamento da ADI 4424 esposaram preocupação com a repercussão da adoção de um ou outro entendimento. O entorno das consequências da ação penal ser pública incondicionada ou condicionada à representação teve como centro a maior ou menor proteção da mulher diante da violência doméstica e intrafamiliar conforme os excertos dos votos citados a seguir a título de exemplo. Neste sentido foi voto da Ministra Rosa Weber32 para quem o condicionamento da

31 No estudo atual, incorporamos as fontes que constituíram parte do corpus da pesquisa O Que Queres Tu Mulher? Manifestações de Gênero no Debate de Constitucionalidade da Lei Maria da Penha (SILVA: 2009) que foram retomadas sob um novo olhar. Essas fontes foram coletadas no período que seguiu a entrada em vigor da Lei Maria da Penha, entre os anos de 2006 a 2008, fértil em debates sobre a legitimidade e constitucionalidade da Lei, o que fundamenta sua relevância e reutilização. Na pesquisa pretérita foi observado que o afastamento da lei 9.099/1995 era usado como um dos argumentos que sustentavam o debate de inconstitucionalidade da Lei Maria da Penha. No presente estudo voltamos a essa discussão para analisar a natureza jurídica do crime de lesão leve nos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, que tem como pano de fundo a não aplicação da lei 9.099/1995. Como a petição inicial da ADI 4424 fez parte do material anteriormente selecionado, inclui para atualizar e fortalecer o corpus da presente pesquisa os votos dados pelos membros do STF no julgamento que decidiu a matéria e acórdãos dos STJ posterior à essa decisão do STF. A ideia de retomar o material usado em estudo anterior surgiu ao assisti a defesa da dissertação Lar [in] dócil Lar: A memória e o silêncio da violência no contexto das relações conjugais no Programa de Pós-Graduação em Memória: Linguagem e Sociedade da UESB, em que o trabalho apresentado por Ivana Patrícia Almeida da Silva foi construído a partir do corpus formado pela orientadora na elaboração de tese (CUNHA: 2007). Nas falas dos membros da banca (Dra. Acácia Batista Dias, Dra. Maria da Conceição Fonseca Silva e Dra. Tânia Rocha de Andrade Cunha) chamou minha atenção a importância dos diversos olhares e de olhares diversos sob o mesmo corpus de pesquisa, abrindo caminho para o dialogo entre a presente tese e minha dissertação não apenas a partir de seus resultados mas também de sua base de empírica. 32 Notícia do STF, 09 de fevereiro de 2012. Disponível em: www.stf.jus.br

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ação penal á representação implicaria privar a vítima de proteção satisfatória à saúde e à segurança.

Já para Ministro Joaquim Barbosa, para quem a Constituição reconhece a situação de vulnerabilidade de alguns grupos sociais, “quando o legislador, em benefício desses grupos, edita uma lei que acaba se revelando ineficiente, é dever do Supremo, levando em consideração dados sociais, rever as políticas no sentido da proteção” 33. De acordo com a argumentação do Ministro Joaquim Barbosa a lesão corporal como crime de ação pública incondicionada acaba por reforçar a proteção da mulher em situação de violência doméstica ou familiar.

Na alusão à segurança e proteção, esposada no conjunto dos votos dos ministros do STF, podemos perceber a relação apontada por Sanchez (2011) e Silva Sánchez (2011) entre a exortação da insegurança/proteção e a expansão do campo penal. Sob o argumento de maior segurança e proteção da mulher o STF alargou o campo penal, na medida em que o crime de ação pública incondicionada coloca o processo criminal como uma via necessária e independente da vontade da mulher. Isto sinaliza, conjuntamente com a interpretação apresentada no capitulo anterior acerca dos juizados de violência contra a mulher, que a cultura do expansionismo também é cristalizada no e pelo Poder Judiciário.

As bases dessa cristalização são observadas na sociedade. Neste sentido pesquisa do DataSenado (2013: 7) “revelou que a maioria das mulheres já admite a possibilidade de que qualquer pessoa que tenha conhecimento de uma agressão física, possa denunciar o fato às autoridades”. Interessante notar que no ano de 2011 apenas 41% das mulheres admitiam a denúncia feita por qualquer pessoa; já no ano de 2013 houve um crescimento de 19 pontos percentuais, sendo a opinião de 60% das entrevistas, ao passo que 94% das entrevistadas acham que o agressor deve

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ser processado contra a vontade da vítima e 88% denunciariam agressão caso presenciasse a ocorrência.

Bauman (2003/2009) faz referência a um sistema de retroalimentação entre insegurança/medo e alargamento do campo penal, afirmando que o sentimento de medo e insegurança cria a demanda de leis criminais e a existência destas fomenta aqueloutros. Essa lógica apresenta um caminho para interpretação do aumento significativo, entre 2011 e 2013, da adesão das mulheres à assertiva de que qualquer pessoa poderia denunciar a violência contra a mulher. Enquanto Bauman (2003/2011) faz referência à interseção sociedade/Legislativo na consolidação do expansionismo penal, a presente pesquisa sinaliza para a inclusão do Judiciário na mesma lógica.

A pesquisa DataSenado (2011) a qual aponta que apenas 41% das mulheres admitiam a denúncia feita por qualquer pessoa, foi anterior à decisão do STF (2012) que firmou o entendimento de que a lesão leve nos casos de violência doméstica e familiar é crime de ação pública incondicionada.

Já a pesquisa seguinte (DATASENADO: 2013), em que 60% das mulheres admite a denuncia feita por qualquer pessoa, data de um ano após o referido julgamento, o que poderia ter gerado influência na significativa adesão à assertiva esposada, sobretudo, diante da repercussão do julgado nos meios de comunicação. Assim, a decisão do STF poderia ter influenciado para a não naturalização desta espécie de violência ao mesmo tempo em que reforçou a legitimidade da intervenção do campo penal.

Os dados do DataSenado (2011/2013) indicam para o rompimento da naturalização da violência doméstica e intrafamiliar contra a mulher. Por outro lado, também sinalizam para a internalização pela população da cultura do expansionismo penal. A vigência e divulgação da Lei Maria pode ter fomentado a sensação de aumento da violência diante da exposição de casos de violência tendo reflexos na sensação de insegurança e medo, descrita por Bauman (2003/2009) como um dos fomentadores do maior rigor penal.

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Isto é sinalizado pelo DataSenado (2013) ao constatar que a maioria das mulheres acha que a violência doméstica aumentou (63%), enquanto ao revés disto, foi apurado que a proporção daquelas que já foram vítimas de agressões está relativamente estável desde 2009. Esse dado se aproxima da afirmação de Silva Sánchez (2011) de que a vivência subjetiva dos riscos é claramente superior à própria existência objetiva dos mesmos, impulsionando as demandas pela intervenção do campo penal.

Diferente da pesquisa do DataSenado (2013) que entrevistou apenas mulheres, pesquisa do IPEA (2013) que alocou ao universo pesquisado homens e mulheres também aponta para o referendo social à cultura do expansionismo do campo penal. Para o IPEA (2013) há algo aparentemente paradoxal na anuência, parcial ou total, de 91% dos entrevistados à afirmativa de que “homem que bate na esposa tem que ir para a cadeia” com as seguintes tendências: a) de 89% em concordar que “roupa suja se lava em casa”; b) de 82% que “em briga de marido e mulher não se mete a colher” e c) de 63% em concordar, total ou parcialmente, que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre membros da família”.

O traço comum sinalizado pelas pesquisas do DataSenado (2011/2013) e IPEA (2013) é a incorporação social do expansionismo do campo penal, o que também é notado em setores do movimento feminista e nos Poderes do Estado coforme abordado no capitulo antecedente. O IPEA (2013:3) constatou que a tendência a concordar com a punição severa para a violência contra doméstica e familiar contra a mulher transcendeu as fronteiras sociais, com pouca variação segundo região, sexo, raça, idade, religião, renda ou educação, indicando tratar-se efetivamente de uma cultura. Assim, a relação sinalizada (cristalizada) no STF entre insegurança/proteção e o expansionismo do campo penal também é percebida na sociedade não sendo exclusividade dos poderes instituídos.

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Embora tenha prevalecido entre os votos dos Ministros que a lesão corporal leve, como crime de ação pública incondicionada, reforça a proteção da mulher nos casos de aplicação da Lei Maria da Penha, o Ministro Gilmar Mendes, embora votando com a maioria, manifestou ter dificuldade em saber se a melhor forma de proteger a mulher é a ação penal pública condicionada à representação ou a ação incondicionada. O Ministro ressaltou que a ação penal incondicionada poderá ser um elemento de tensão e desagregação familiar na medida em que é retirada da mulher a possibilidade de desistência da intervenção das instâncias penais.

Cunha (2007:163) diz que uma das razões para a mulher violentada permanecer com o companheiro agressor é que muitas famílias costumam pressionar suas filhas para não denunciar, alegando a importância da manutenção do casamento e a preocupação com os filhos. Essa lógica que naturaliza e invisibiliza a violência conjugal foi por um período da nossa história reforçada pelo campo jurídico por meio do dispositivo legal que determinava a indissolubilidade da sociedade conjugal, reafirmando o dogma católico “até que a morte os separe”.

Embora atualmente o campo jurídico permita e até venha facilitando o divórcio, as representações de preservação do casamento ainda persistem. Neste sentido, um dos entrevistados do campo jurídico ao ser provocado a falar sobre a decisão do STF no que diz respeito a lesão corporal de natureza leve sopesa, assim como o Ministro Gilmar Mendes, a importância da proteção da família. Eis suas considerações:

(...) Mas, eu acredito que a outra faceta é mais significativa do que esta, que é a faceta da dissolução da unidade familiar, né, o próprio fundamento da Lei Maria da Penha, elencado tanto no anteprojeto de lei com toda discussão, é o dispositivo da Constituição que trata da proteção à família. No momento em que se traz uma situação em que o terceiro possa fazer essa

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comunicação à polícia ou às autoridade competentes, judiciais, ou Ministério Público, que seja, sem o consentimento da vítima, sem que a vítima possa opinar, né, porque é esse o sentido de tornar pública incondicionada é ela saber se ela aceita aquela violência como forma de preservar sua intimidade e a sua vida, no contexto em que se encontra, ou se é necessário vir ter uma repressão pra aquele indivíduo. (...). Então, quando se coloca de maneira impositiva que é pública incondicionada, então, realmente, tá deixando a porta aberta pra que uma eventual ação penal movida sem o consentimento da mulher, que pode resultar numa prisão daquele indivíduo, isso muitas vezes, fulmina a família. É uma situação que acaba com o próprio objeto de proteção da lei. Essa é a minha visão. (...) ”.

Essas representações de preservação da família restringem a cidadania plena da mulher em situação de violência doméstica e familiar, uma vez que seus direitos ficam subjulgados ao da entidade familiar que é um locus sócio jurídico marcado pelo patriarcalismo. Neste sentido Aleixo e Beltrão (2013) identificaram no referido julgamento do STF que:

A noção de cidadania feminina evocada pelos ministros para postular a constitucionalidade da LMP34 envolve a igualdade das mulheres ao mesmo tempo em que as coloca como “mães”, responsáveis pelo cuidado e pela família, de modo que se pode inferir que a cidadania feminina privilegiada, para os ministros, é aquela vivida no âmbito doméstico. Parece não existir o “ser mulher” sem que este esteja ajustado ao “ser mãe”, de modo que

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as representações das mulheres em contexto de violência doméstica na decisão do STF sobre a qual se debruça é uma representação eminentemente maternal que de alguma forma suprime a possibilidade de vê-la como cidadã.

O único voto contrário a lesão leve ser crime de ação pública incondicionada foi o do Ministro Cezar Peluso35, o qual acentuou que é preciso respeitar o direito das mulheres que optam por não representar criminalmente, contra seu marido ou companheiro, quando sofrem algum tipo de agressão. Para o Ministro essa opção representa o núcleo substancial da dignidade da pessoa humana, que é a responsabilidade do Ser Humano pelo seu destino.

Esse argumento sob o ponto de vista da relação entre os aspectos técnicos e sua função de intervenção social, como destacado por Bobbio (2007), Santos (2011) e Herkenhoff (1996), aponta para uma mudança de analise da questão.

Os votos vencedores inseriram o debate da opção da mulher pela jurisdição criminal em um contexto centrado na proteção da vítima (exortação da insegurança/proteção) e na preservação da família. Nesta lógica as preocupações com a família e a tríade insegurança/medo/proteção suplantam e invisibilizam as discussões acerca da autonomia da mulher em decidir sobre seu próprio destino.

Essa capacidade da mulher de decidir sobre seu próprio destino é tratada nos estudos de gênero e pelos movimentos feministas sob a rubrica de empoderamento. Debert e Gregori (2008:181) esclarecem seu conteúdo:

“Termo derivado do inglês empowerment, usado sobretudo pela militância de movimentos sociais para

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indicar a transformação do público alvo de sua ação em sujeitos de direitos e indivíduos capazes de reverter a situação de opressão e submissão de que são vitimas.”

Para Léon (2001) empoderamento é a condição em que o sujeito se converte em agente ativo como resultado de uma ação que varia de acordo com a situação concreta e com cada individuo, devendo conectar-se com as relações de poder e o contexto sócio político.

Tanto a noção de empoderamento que relaciona a condição do sujeito empoderado com o poder e o contexto político (Léon (2001) bem como a de sujeito de direitos e indivíduo que transcende a subalternidade (DEBERT e GREGORI: 2008), traz implícita a advertência de que “El empoderamiento incluye tanto el cambio individual como la acción colectiva” (LÉON: 2001, p.97).

A possibilidade ou não da mulher, em situação de violência doméstica e intrafamiliar, optar pela jurisdição criminal envolve tanto o foro intimo de decisão sobre sua própria vida (esfera individual), como toca simultaneamente as políticas de igualdade entre mulheres e homens (esfera coletiva), suscitando discussões em torno dessas duas vertentes indissociáveis da noção de empoderamento.

No campo acadêmico e na seara dos movimentos feministas a interpretação da desistência é marcada por vozes dissonantes. A recusa da mulher em acionar a esfera criminal é interpretada como de autonomia, no sentido de empoderamento (BRANDÃO: 2006. IZUMINO: 2004 e KARAM: 2007) ou como um ato de submissão à violência de gênero (JONG, SADALA E TANAKA: 2006). As duas posições enfocam o centro do conceito de empoderamento, qual seja o exercício do poder e constituição de sujeitos de direitos.

O STF, em lugar de centrar o debate sobre a natureza da ação penal no crime de lesão leve em torno das discussões acerca da autonomia da

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mulher, deslocou a linha argumentativa para as consequências da

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