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Na análise dos processos colonizadores e das marcas que deixaram nos territórios das Américas, é sugerida pelos movimentos feministas a abrangência também da categoria gênero, que é entendida como social, cultural e política. Não se trata de respostas às opressões e violências sofridas pelas mulheres desde a colonização, mas uma nova forma de compreender historicamente a inclusão política dessas mulheres em seus meios sociais e na escrita.

Ao retomarmos ao processo histórico dos movimentos feministas, vemos que o movimento das mulheres dos Estados Unidos tinha objetivos diferentes do que conhecemos por

feminismos subalternos decoloniais da América Latina. Esses primeiros movimentos surgiram a fim de, ao teorizarem sobre si mesmos, produzirem rupturas que viriam a desestabilizar as antigas teorias, reivindicando as violências sofridas pelas mulheres em suas relações sociais, buscando espaço no mercado de trabalho e nas decisões políticas e econômicas da época, sobre seus corpos e suas sexualidades. Já o movimento estadunidense era centrado na América do Norte e sofria influências europeias, sendo assim considerado geopoliticamente como fazendo parte das teorias do Norte global, apesar de que neste norte também existe um sul global, do qual participam mulheres que também são excluídas das lógicas hegemônicas.

Os movimentos feministas considerados hegemônicos situavam-se nas áreas urbanas, mas suas pautas eram consideradas universais, segundo Ballestrin (2017). Eram povoados por mulheres brancas, de classe média, que tinham acesso à escola e às universidades e eram conhecedoras dos “letramentos”, o que lhes possibilitava a revolução na sociedade. Produziam teorias elitistas e, embora se afirmassem produzindo práticas que rompiam silenciamentos, produziam também subalternidade, mesmo dentro do movimento feminista.

O feminismo hegemônico não dava conta da complexidade geográfica, étnica e localizada das mulheres subalternas, que estavam buscando a garantia dos direitos básicos, direito à terra e lutas contra as violências e o racismo. Havia, portanto, uma prática colonial para com as mulheres subalternas pelos feminismos eurocêntricos, que as descreviam como “[...] pobre, ignorante, limitada pela tradição e pela família [...]”, eram elas o “outro” enquanto as mulheres feministas eram a regra: “[...] mulheres conscientes, emancipadas, modernas, controladoras de seu corpo e sexualidade” (BALLESTRIN, 2017, p. 1042. A essas mulheres foram atribuídos estereótipos que nada tinham a ver com suas histórias, com suas lutas e com seus lugares. As resistências, os agenciamentos e a busca da emancipação e a autonomia eram silenciados.

Os feminismos subalternos denunciavam que a colonização nem sempre foi feita pelo homem e que as mulheres nem sempre são aliadas, pois outras categorias de subalternidade se cruzam com a categoria gênero, como raça, etnia, classe, lugar, sexo. Assim, não se pode escrever uma única “mulher”, principalmente quando esse modelo é eurocêntrico, branco, heterossexual, classe média. Flores (2015) diz que se o feminismo hegemônico era um grupo que reunia privilégios, que também não são universais, fazia dessas mulheres “salvadoras” das subalternas, sem compreender suas diversidades e a produção das subjetividades políticas.

Os movimentos feministas subalternos surgem, por volta de 1980, embasados na crítica a essa objetificação da mulher subalterna. Há diversidade de culturas, de vidas, de expressões,

não se segue um modelo porque nele não cabe a quantidade de vidas das mulheres. O feminismo que brotava a partir daqui ainda era tímido e teórico, e a modernidade e a colonialidade se esforçava para apagá-lo. O opressor conhecimento ocidental sequer permitia que sobre ele fosse sabido. Tratava-se de um movimento de terceiro mundo, localizado no Sul global, na Ásia, África, Oceania, América Latina e Caribe, reunindo mulheres de cor, negras, indígenas, pobres, trabalhadoras e pouco escolarizadas (BALLESTRIN, 2017).

O encontro do feminismo subalterno com as teorias decoloniais da América-Latina foi um importante marco. Surge o feminismo decolonial que trataria das questões de gênero localizado nas mulheres subalternas e as questões de raça. Trata, portanto, de lutas localizadas geograficamente, historicamente e culturalmente. Flores (2015) indica que o interesse decolonial deve ir por entender que há uma ligação dessas categorias dos povos subalternizados: “[...] nada, desde la economía hasta la discriminación racial, está desconectado” (FLORES, 2015, p. 101).

A mulher foi o primeiro território que o colonizador europeu se propôs a “conquistar” (BALLESTRIN, 2017) quando ele não a percebia como humana igual a ele, mas desprovida de subjetividade, hiperssexualizada e destinada a servir ao homem no que fosse a ele conveniente. Colonialidade de gênero, segundo María Lugones (2014), surge, portanto, da necessidade de nomear a ação de diminuir o/a colonizado/a à animal, quando temos a compreensão das definições de humano e não humano, sendo que o último está a serviço do homem ocidental, certos de que as categorias de gênero e raça devem ser compreendidas simultaneamente. Não se deve pensar gênero sem raça, nem raça sem gênero. A mulher não-branca se tornou o alvo da colonização.

A missão civilizatória acontece em parceria com a catequização cristã das/os colonizadas/os e buscavam construir um imaginário ideológico de conquista e colonização. Os corpos negros estavam relacionados ao pecado e às impurezas. Então, como fala Guimarães (2017), somos uma sociedade não branca, mestiça, múltipla, multirracial e internalizamos a representação do mal como sendo negra a partir das verdades eurocentradas. Essa colonização construiu noções de identidade, relações socias, espiritualidade nas/os colonizados, construindo binarismos e diferenças opressoras que interferem nas compreensões e intervenções nos territórios que foram palco desse projeto de civilização.

Encontramos cosmologias, maneiras singulares e potentes de se organizar socialmente, de lidar com a sua terra e o seu território, com a economia e com a espiritualidade, um ser vivo. Não foram encontrados seres vazios habitando as Américas (LUGONES, 2014), mas mulheres

e nativas/os, em produção, as/os quais possuíam saberes que não deveriam ser facilmente substituídos, mas que seus processos de negociação, de agenciamentos e lutas deveriam ser compreendidos.

Assegura-se a ideia de que não existe um tipo de mulher, nem uma única forma de patriarcado, de opressão as mulheres, pois elas são múltiplas, vivem em condições muito distintas (FLORES, 2015). Houve então o movimento de pensar categorias como branquitude e negritude, masculinidade e feminilidade (GOMES, 2018) e como elas implicam nas relações de trabalho a partir das classes sociais. Compreendendo que raça e gênero não estão apenas para analisar as violências sofridas por mulheres negras, mas para entender como são categorias que estiveram sempre ligadas ao projeto de colonização. Há uma relação das duas categorias nesse processo, uma fala da outra, junto à categoria classe. A forma de compreender uma dessas categorias interfere na compreensão das demais, pois elas formam uma rede de opressões e violências. Se não falarmos de raça, corremos o risco de universalizar essas desigualdades, pobrezas e violências.

Não é possível, pois, pensar que gênero pode ser entendido de maneira unificada, inerente à localização, cultura, história (GOMES, 2018). Não é possível pensar que haja uma maneira universal de ser mulher. E nem tanto, pode-se pensar que só o homem, no sistema patriarcal, pode assumir o papel de colonizador e opressor. Dessa forma, em uma análise decolonial, é necessário se pensar como foi a construção de tais linguagens e relações.

Da mulher branca espera-se a sensibilidade, a dedicação à família, mas o corpo negro, mais especificamente o corpo da mulher negra, é objetificado e se torna território de trabalho incansável, de sexualidade, de agressividade, abuso e violência, nessa concepção de não- humano. Às mulheres negras e aos homens negros, Gomes (2018) fala, é negado o gênero, a subjetividade, favorecendo a morte da/o negra/o sem a culpabilização do agressor: “[...] ‘mulher colonizada’ é uma categoria vazia: nenhuma mulher é colonizada: nenhuma fêmea colonizada é mulher” (LUGONES, 2014, p. 938).

Nesse sentido, é necessário apropriar-se de teorias que compreendam gênero a partir da diversidade de modos de vida de mulheres, pois cada lugar, cultura, tempo histórico, raça, sexo, produz formas de ser complexas e singulares, vulnerabilidades, lutas e maneiras de lidar com as adversidades que também não são universais, mas locais e necessitam ser localizadas. É necessário reconhecer esse “entre-lugares” e as potências ali produzidas, como também as fragilidades que ainda vivenciam, para que então tenha-se movimentos capazes de compreender a diversidade de linguagens produzidas a partir do entrelaçamento de gênero e raça. Há um

grande risco, como nos diz Gomes (2018), de que teorias produzam um “humano universal” quando falam de mulheres e homens sem considerar tais categorias, essencializando sujeitos e experiências: “[...] a raça e o racismo, junto à ideia de que alguns sujeitos possuiriam sexo e outros gênero, como quem opõe natureza e cultura, que criaram a ideia de não-humanos racializados” ( GOMES, 2018, p. 79, grifos da autora).

Essa nova compressão feminista denuncia a visão universal de “mulher” que é representada pela mulher branca, de classe média e heterossexual, representação essa que foi construída a partir das teorias feministas eurocêntricas e que produziam exploração e subordinação para os outros grupos que possuíam diferenças sociais, culturais, raciais. Essa nova época do feminismo, segundo Martín (2014), construído por mulheres negras, lésbicas, e mulheres “de cor”, buscam trazer que a heterossexualidade não pode ser a regra, de que é necessário incluir a categoria raça junto a gênero como categorias de análise, e que as diferenças que as mulheres possuem no movimento e em seus territórios diz respeito a uma potente característica que funciona como resistência a um sistema que classifica e divide.

Lugones (2014) nomeia as opressões sofridas pelas mulheres colonizadas de colonialidade de gênero e a possibilidade de superar essa colonialidade de gênero de feminismos decoloniais. Seria o reconhecimento de que nós não somos o que forma e informa o colonizador sobre nós, mas somos diversas e resistir à colonialidade é, antes de tudo, conhecer umas as outras, conhecer nossas histórias e a, partir daí, recusar o apagamento que estamos condicionadas à fazer quando encontramos discursos que não nos são comuns.

As respostas às resistências se dão a partir do reconhecimento da colonialidade de gênero nas nossas situações de subalternas, mas também das nossas raízes, das nossas relações e das potências que surgem a partir delas, das comunidades. “Não se resiste sozinha à colonialidade de gênero” (LUGONES, 2014, p. 949). A autora destaca fortemente que nos constituímos em relação com outras, com nossas histórias, nossas espiritualidades, culturas saberes, que passam de geração em geração, de mão em mão, construindo modos de vida entre as avós, as mães, as filhas, as amigas: “[...] ser-sendo e ser-sendo-em-relação [...]”.

Ao se permitir esse movimento de acolhimento e observação para as realidades subalternas múltiplas, é necessário pensar a partir dos lugares dessas mulheres, a partir de uma “[...] intersubjetividade historicizada, encarnada” (LUGONES, 2008, p. 940). Não basta uma teoria feminista decolonial se não há uma prática, um deslocamento. Martín (2014) destaca que as experiências das mulheres subalternas a partir do seu lugar, sua raça, sua etnia, sua sexualidade, sua idade, religião, cultura, implicam a construção das suas representações

epistemológicas, na maneira como se compreende os modos de vida das mulheres, seus agenciamentos e como produzem as agendas do movimento.

Conhecer as histórias locais, ler, ouvi-las. Aprender umas sobre as outras sem que seja necessária e nem desejada a dominação. “Tarefa de feminista decolonial inicia-se com ela vendo a diferença colonial e enfaticamente resistindo ao seu próprio hábito epistemológico de apagá-la” (LUGONES, 2008, p. 948). A resistência é reconhecer-se subalterna, coletivamente aprender com as outras, relacionando-se sem desmerecer a história e as memórias desse povo e desse lugar. Os problemas das mulheres que eram individualizados agora eram vistos como locais e comunitários (OYĚWÙMÍ, 2004). Dessa maneira, também “não se resiste sozinha [...]” (p. 949). Comunidades resistem quando transferem seus saberes umas para as outras, boca a boca, de geração em geração. É a (re)construção solidária, afetiva de saberes e amores.

Os chamados “conhecimentos outros” (MARTIN, 2013) eram uma conexão com o local onde se encontravam as vulnerabilidades das “mulheres outras”, que eram racializadas, pobres, migrantes, indígenas, mas que, a partir desse reconhecimento, poderiam usufruir da potencialidade de construir negociações, modos outros de vida, de reivindicação. Usavam a música, a literatura, a arte na construção de uma consciência feminista negra (COLLINS, 2019). Como resultado, obtiam uma consciência fortalecida por entender que as formas de dominação dos pensamentos, das teorias da mulher e da mulher não branca não cessaram. Ainda há violência, perseguições e apagamentos das marcas dessas mulheres. Estereótipos são divulgados e compartilhados de forma velada, pois nem sempre se percebe quando as matamos. Elas precisam validar seus conhecimentos uma vez que eles vão de encontro ao conhecimento universal do homem branco na academia e na cultura. Além disso, muitas vezes não têm permissão de produzir conhecimento sobre suas próprias experiências (COLLINS, 2019). Aprendemos com o feminismo negro, com as nossas ancestrais que as trocas de conhecimento acontecem na troca também de afetos, de respeito, de vida (COLLINS, 2019).

A participação das mulheres nos movimentos feministas subalternos refez a representatividade dos espaços públicos e privados, pois os lares das mulheres foram politizados. Estes passaram a ser seus lugares de confiança, onde elas podiam se reunir e onde aconteciam as reuniões, as mobilizações e o fortalecimento dos vínculos capazes de refazer teorias, compreensões e intervenções em suas vidas. Ao participar de movimentos, as mulheres subalternas politizavam seus espaços privados, promoviam encontros e planejavam suas lutas. Politizando suas ações de agenciamento em suas casas, famílias e nos espaços que frequentam,

as mulheres subalternas passaram a provar que as resistências e revoluções também acontecem nos lugares que não eram considerados públicos (MARTÍN, 2014).

Construir espaços epistêmicos para o reconhecimento de diversas culturas, possibilitando a valorização de “conhecimentos outros”, de vozes folclorizadas, faz parte do projeto de movimentos feministas que criam conexões com o local e, a partir dele, a compreensão de que a economia capitalista, o racismo e os sistemas patriarcais estão conectados e localizados na colonialidade global. É importante observar que existem diversas e localizadas formas de resistência haja vista existirem formas de opressão e violências que também são singulares, localizáveis. Não há um patriarcado universal, nem um modelo de luta da mulher contra ele. Localizamo-nos na casa da diferença, cada um com suas características particulares, por isso precisamos de uma educação cosmopolita, que considera as nossas vivências em um mundo plural e diverso (MARTÍN, 2013).

O feminismo decolonial propõe-se à construção de epistemologias que são construídas nas periferias, nas margens e nas fronteiras, a partir de suas experiências em diferentes localizações e com diferentes cruzamentos de categoriais sociais e buscando superar a ideia de que as diferenças significam desigualdade. A localização da/o subalterna/o produz nela/e compressões epistemológicas e produções de resistência (MARTÍN, 2013). Esse movimento representa um acolhimento das diferenças. Cada categoria social que antes reivindicava suas lutas particulares pode estar unida, compreendendo que as opressões e violências estão conectadas e se cruzam e, assim, cruzando suas subalternidades, haverá maior força e complexidade. Freire (2014) escreve que cada dedo tem sua diferença, mas que todos eles fazem parte da mesma mão.

Os grupos subalternizados não representam passividade e nem estão calados diante das opressões da colonialidade e da modernidade e, portanto, há fala, mesmo que não seja ouvida ou valorizada quando somos epistemologicamente silenciadas, pois as pessoas brancas, ocidentalizadas, tornam-se especialistas em nossas culturas e em nossas vidas (KILOMBA, 2019). Desvalorizam o que escrevemos sobre nossa vida e nossos lugares, pois dizem que falamos de forma muito pessoal e subjetiva e que isso nunca seria considerado, pois não contemplaria a muitos. Nós nunca fomos/somos contemplados por eles/as.

Para matar a colonialidade é necessário primeiro compreendermos nosso lugar subalterno, entendermos a nossa própria marginalidade e só então partirmos para a construção de novos sujeitos: “É o entendimento e o estudo da própria marginalidade que criam a possibilidade de devir como um novo sujeito” (KILOMBA, 2019). Dessa forma, passaremos

desse imaginário de que devemos alcançar a modernidade europeia para a nossa realidade, recusando o controle ocidental às nossas relações sociais e às reproduções das discriminações, reconhecendo e reparando os efeitos do colonialismo através do abandono dos privilégios que significam violência à outras/os (GUIMARÃES, 2017).

Sabendo que as teorias nunca são imparciais, ao contrário, estão sempre posicionadas em algum lugar, compreendemos que o/a subalterno/a, a partir de sua localização, vê o que não deveria ser visto e fala sobre o que queriam esconder. Na margem, desenvolvem-se novas visões e novas narrativas, pois se enxerga a vida a partir de um lugar de duplo acesso, de onde é possível avistar de fora para dentro e de dentro para fora. Não é apenas um lugar de perda, mas de inúmeras e diferentes possibilidades (KILOMBA, 2019).

Não queremos ocultar os sofrimentos e fragilidades dos lugares subalternizados, visto que reconhecemos as marcas da colonização em nossos modos de vida, mas reconhecemos também este lugar como espaço que produz saberes, vidas e histórias. Essas histórias existem muito antes da escrita e nos ensinam, nos guiam, nos fortalecem e, principalmente, nos unem. É necessária a escuta das sabedorias das nossas mulheres ancestrais para que nos ajudem a reconhecer nossos lugares e, a partir deles, no encontro com outras, possamos nos reconciliar, certas de que nossas ações estão apoiadas nas lutas que já foram travadas por elas outrora (FREIRE, 2014), pois o caminho não foi aberto por nós, somos flores de um plantio feito por outras mulheres, que não devem ser apagadas.

Na prática decolonial da escrita sobre si mesma e sua subalternidade, Conceição Evaristo (2005) traz o conceito de escrevivência como possibilidade da construção de um texto em que caiba a expressão das nossas existências, da “autoinserção no mundo” através do ato de escrever. A escrita é, para a autora, movimento vivo, leva suas experiências de vida a romper com os silenciamentos da modernidade e a imprimir saberes outros, abandonando a leitura passiva e se propondo a desmistificar a universalidade da produção científica a partir da inscrição das suas experiências e das experiências do seu povo.

6 “E ALGUÉM DIZ: ‘QUER A SOMBRINHA? QUER O GUARDA-CHUVA?’ E EU DIGO: NÃO. EU QUERO É CHUVA”.

Neste capítulo, faremos as discussões dos dados produzidos com a participante da pesquisa. Conversaremos com autoras e autores que escrevem a literatura pertinente às temáticas trabalhadas, como também com as feministas subalternas e decoloniais para costurarmos os resultados.

Iniciaremos com o relato da história de vida de Dona Odete, descrevendo fatos que ela nos trouxe sobre sua infância, suas relações familiares, sua história com a agricultura e caprinocultura, bem como com a escola e as associações. Relatamos brevemente os históricos de migração de Dona Odete e sua família e também com seu primeiro esposo, apresentando-a com a intenção de facilitar a compreensão das narrativas e discussões escritas nas categorias de análise que seguem o texto.

Foram produzidas três categorias para trazer a análise dos encontros com Dona Odete: 1) O caminho até a Escola: nesta sessão são abordadas discussões sobre a escola nas comunidades rurais e sua evolução, as lacunas que a educação rural no Brasil apresenta, bem como as discussões críticas apresentadas pela literatura a respeito da temática, intercalando com os relatos de Dona Odete sobre seu histórico escolar e todas as interferências nesse processo de escolarização, que são singulares, mas que podem ser localizadas nos histórico de marginalização do acesso à educação no campo.

2) A roça, o capril e os coletivos traz as discussões a respeito da intimidade que Dona Odete tem com a roça e com o trabalho desde muito nova, sua inserção nas associações e a construção de sua identidade coletiva a partir delas, bem como o acesso (ou não) às políticas sociais. 3) Ser mulher rural, como terceira categoria construída para análise, é espaço para discussão das interfaces construídas sobre quem somos enquanto mulheres rurais, a partir das relações familiares, de trabalho, sociais e com a igreja, tratando sobre divisões de trabalho, submissão e contra língua.

A partir dessas categorias tratamos de considerar a diversidade dos modos de vida das mulheres rurais, visto que o rural produz modos de vida singulares para essas mulheres. O rural que produz não é fixo, é construído a partir da temporalidade e da história e agencia a vida de mulheres em manifestações plurais e coletivas dos problemas e das potencialidades de ser

mulher rural, a partir do contato cotidiano com a natureza, com as atividades do campo, como também os discursos endurecidos sobre “ser mulher”, que passam de geração em geração (MACIAZEKI-GOMES; NOGUEIRA; TONELI, 2016).

Vale destacar que os nomes utilizados nessa escrita são todos fictícios, escolhidos pela pesquisadora para a preservação da identidade da interlocutora e das pessoas que ela cita em suas narrativas. Do mesmo modo, não citamos os nomes das associações às quais ela pertence e ocultamos os nomes das suas localidades.

Durante o texto, cito também os diários de campo que foram construídos a partir dos encontros com Dona Odete. Eles serão anunciados para melhor identificação e fornecerão as