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TRABALHO: CÓDIGO DE ÉTICA E OUVIDORIA

Ao proceder um levantamento sobre práticas que auxiliem na regulação, prevenção e coibição da violência relacionada ao trabalho, encontramos na literatura sistematizações sugerindo o que pode ser feito no caso do assédio moral. Sendo esse uma forma de violência relacionada ao trabalho, entendemos ser possível que as ações sugeridas possam ser implementadas nos demais casos de violência relacionada ao trabalho.

Soboll (2017) afirma que, para iniciar uma intervenção em assédio moral, a primeira etapa é o diagnóstico. Entretanto, esclarece não se tratar de verificar os riscos de incidência, mas de empreender um mapeamento da empresa e do local de ação. Um diagnóstico mais específico é significativo quando parte de uma política

mais ampla, que seria o ideal, na qual podem ser usados indicadores como a organização do trabalho16, índices de absenteísmo, atestados e licenças médicas (principalmente relacionadas à saúde mental), solicitações de mudança de setor, demandas sindicais e judiciais, queixas junto à ouvidoria, pesquisa de clima, produtividade e ausências por setor. Os caminhos para ação sobre o assédio moral perpassam a compreensão da organização do trabalho.

Tolfo, Nunes e Fabro (2015), por seu turno, efetuaram um estudo no qual demonstram o que há de produções sobre prevenção e intervenção em relação ao assédio. Naquele constataram haver uma pequena quantidade de propostas apontando para o diagnóstico organizacional como caminho para prevenir e coibir o assédio. Dessa maneira, consideram que não há grande interesse em identificar condições e situações organizacionais que possibilitem ou incitem práticas de assédio moral. Por outro lado, os autores destacam a relevância de se implementar uma mudança na cultura organizacional.

Disso podemos depreender que o diagnóstico, a prevenção e a intervenção, quando necessárias, são indispensáveis para o bem-estar no trabalho (TOLFO, NUNES, FABRO, 2015), evitando assim práticas violentas. Dito isso, explicita-se a seguir, em linhas gerais, duas ferramentas, uma de prevenção ou regulamentação, como chamada por Soboll (2017), que é o Código de Ética (CE); e outra de intervenção ou gerenciamento (SOBOLL, 2017), que são as ouvidorias. Tais instrumentos foram escolhidos para análise, visto ambos fazerem parte do arcabouço utilizado pelas instituições pesquisadas, a fim de coibir as práticas violentas e o assédio moral relacionado ao trabalho. Destacamos ainda que o banco, no qual tivemos o maior número de voluntários para entrevista, conta inclusive com cursos autoinstrucionais aos quais os trabalhadores que quiserem poderão ter acesso, que explanam especificamente sobre o tema do assédio moral e sexual, definições, consequências, prevenção e combate.

Mas de que trata um código de ética? Um código de ética, também chamado de código de conduta, objetiva divulgar fundamentos norteadores para um determinado grupo de pessoas, para que estas pautem suas ações. Complementarmente, tais fundamentos serão o expediente utilizado para avaliação _________________________________________________________________________ 16

A organização do trabalho, conforme Dejours e Abdoucheli (1990, p. 125) compreende a “divisão do trabalho” e a “divisão de homens”. Resumidamente, a divisão do trabalho está relacionada à tarefa em si, ritmo, intensidade, prescrições. A divisão de homens, por sua vez, traduz-se pelas relações interpessoais como a interação entre as pessoas, hierarquia, controle, poder.

e julgamento da conformidade ou não das ações do grupo em questão, frente à sociedade (AMENDOLA, 2014). Em outras palavras, o CE é um conjunto de normas e regulamentos que regem o funcionamento de determinada empresa ou categoria profissional, legitimando o comportamento desta. Amendola (2014) explicita que, no caso de o código ser voltado para determinada categoria profissional, esse é chamado de Código Deontológico17. Tal denominação ocorre vista a existência de diversos tipos de código de ética.

Em complementação, o Instituto Ethos (2000) explana que o CE pode ser útil no auxílio dos trabalhadores em ocasiões de tomada de providências relevantes ou mesmo difíceis, fornecendo diretrizes e orientações para agir de modo a evitar interpretações subjetivas em relação aos preceitos éticos e morais. O código é a expressão das expectativas da empresa, com relação ao comportamento das pessoas, devendo levar em conta as relações externas e internas que a empresa mantém. Citamos como exemplo o que é preconizado no CE do Banco do Brasil:

O Código de Ética do Banco do Brasil apresenta os compromissos e diretrizes da Empresa em relação ao seu público de relacionamento. As Normas de Conduta apresentam deveres e comportamentos esperados no ambiente de trabalho, facilitando a aplicação dos compromissos assumidos no Código de Ética (BANCO DO BRASIL, 2017, p.9)

Visto o anteriormente exposto, acerca da singularidade de cada empresa, assim como de suas relações, é quase impossível que o CE de uma empresa seja utilizado por outra, exceto para servir de referência. Isso fica claro ao compararmos os preceitos do CE do Banco do Brasil, com o do Itaú Unibanco que segue, esse aparentemente muito mais rígido do que aquele. De certa forma causando estranheza, tendo em conta que o banco público é muito mais burocrático em seus processos, enquanto o privado tende a ser mais flexível. Por outro lado, tal postura pode ser facilmente compreendida se pensarmos na questão demissional. Em um banco privado, essa questão é muito mais rápida e fácil, por conseguinte, normas rígidas implicam que a qualquer deslize o trabalhador pode ser desligado, diferentemente do que em um banco público. Portanto, há diferenças de posicionamento, no mínimo:

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Deontologia é o termo formado por deontos, originário do grego, que significa dever, juntamente com o logos, estudo. Sendo assim, a deontologia é um estudo dos deveres de determinada categoria profissional, a moral daquela categoria, o elenco de obrigações que ele tem para com os outros (SEGRE, 2002).

O Código de Ética Itaú Unibanco é – e deve ser – um documento de consulta constante tanto para administradores quanto para colaboradores da nossa organização. Ele tem, antes de tudo, um caráter educativo, além do disciplinar, que nos permite adotar posturas adequadas e coerentes com nossas diretrizes. Aqui deixamos muito claro quais são as condutas julgadas certas e, portanto, necessárias, como também aquelas consideradas erradas e, portanto, inaceitáveis (Itaú Unibanco, 2016, p. 3).

Então, se o CE possui finalidade de regular o comportamento das pessoas, ele por si só se constitui em um primeiro passo naquela direção, porém não é possível fazê-lo sem uma mudança na cultura organizacional (CHERMAN, TOMEI, 2005). Logo, somente a divulgação do código de conduta não é garantia de implementação (GUIMARÃES DA SILVA, SIMEONE GOMES, 2008). Intervenções são necessárias em todas as esferas de relacionamento. Isso implica dizer que ações concretas devem ser tomadas, em todos os âmbitos, para a modelagem do comportamento das pessoas (Instituto Ethos, 2000). Cabe por fim destacar, conforme achados de Cherman e Tomei (2005), que os valores expressos nos CE somente são efetivos, caso tenham sido concebidos em conjunto com os trabalhadores ou tenham sido difundidos através de sólidos programas de ética que tenham como princípio apoiar a discussão franca em relação aos dilemas éticos e que abarquem os diversos níveis organizacionais, propiciando, dessa maneira, a incorporação dos valores na cultura organizacional da empresa.

No tocante às ouvidorias, essas têm origem na Suécia, em 1809, onde criou- se o chamado Ombudsman (significando representante do povo), o qual recebia e encaminhava queixas dos cidadãos concernentes aos serviços públicos. Ele acolhia críticas e sugestões do povo, agindo no interesse desse junto ao Parlamento. Em nosso país, por sua vez, elas surgem com a administração colonial. O primeiro Ouvidor-Geral é nomeado no século XVI, para como representante do rei e da justiça, garantir o cumprimento das leis. Em 1822, com a declaração da independência, o cargo é extinto, sendo recriado em 1986, já como ouvidoria pública e tendo evoluído rapidamente a partir de 1988, com a promulgação da Constituição Federal (BRASIL, [200-]).

Pessoa (2008) e Iasbeck (2010) afirmam que a ouvidoria é um canal de comunicação. É definida como sendo um serviço prestado pelas organizações para o seu público, partindo do pressuposto de que os usuários de serviços ocasionalmente ficam insatisfeitos, necessitando “[...] reclamar, criticar, pedir reparação, sugerir novas formas de prestação de serviço (IASBECK, 2010, p. 16)”,

ou sentirem-se tão satisfeitos, ao ponto de elogiar, consistindo daí sua natureza comunicacional. O autor ainda destaca que nem todas as organizações conscientizaram-se ainda da importância desse serviço, porém elas têm aumentado progressivamente sua atuação, principalmente no serviço público. Isso por conta do decreto 9.492/2018, que instituiu o Sistema de Ouvidoria do Poder Executivo Federal (SISOuv), tendo como órgão central a Ouvidoria-Geral da União e demais ouvidorias federais e setoriais (BRASIL, [200-]).

Iasbeck (2010) esclarece ser função basilar das ouvidorias a troca mútua de informações entre público e empresa, gerindo “[...] intenções, interesses, motivações, conflitos e demais afetos [...] (p.17)”. Não se restringindo às trocas de informação, mas, sobretudo mediando assuntos problemáticos e duvidosos, bem como situações de conflito, que ameacem o bom relacionamento entre a empresa e seu público. Por esse motivo devendo atender às demandas surgidas, analisando-as em acordo com os preceitos éticos e legais, sem perder o enfoque humanista, uma vez que são os problemas das pessoas que estão em jogo. É preciso destacar, porém, que para poder atender plenamente aos objetivos da ouvidoria, o ouvidor (profissional responsável por atuar na instituição ouvidoria), deve ter autonomia para atuação.

Diante do exposto até o momento, a impressão que temos acerca das ouvidorias é de que sua função é a mediação entre empresa e consumidor, mas não se restringe a isso. Elas também podem e têm a função de mediação e resolução de conflitos internos, entre trabalhadores, seja de igual ou diferentes níveis hierárquicos. Tomando como exemplo a ouvidoria interna do Serviço Federal de Processamento de Dados (SERPRO), podemos perceber que de acordo com o que é prescrito, ela é voltada exclusivamente para resolução dos problemas dos trabalhadores, fazendo os encaminhamentos, bem como formalizando a devolutiva para aqueles que a demandam. Dito isso, temos que sua ouvidoria interna tem a incumbência de:

[...] ser um canal de comunicação entre empregadas/empregados e empresa, promovendo o diálogo, contribuindo com a transparência das ações corporativas e aprimoramento das práticas, procedimentos e processos administrativos. Assim, recebe reclamações, elogios e sugestões de empregadas e empregados, trata as manifestações junto às áreas responsáveis e dá o devido retorno às/aos demandantes (BOGAZ, 2014).

Considerando sua já citada tarefa, as ouvidorias internas têm por objeto questões de relacionamento e conflitos nas relações de trabalho. Por isso mesmo, alguns bancos as instituem no sentido de solucionar demandas dos trabalhadores. Nesses casos, para Perissé (2017), elas atuam sobre os excessos, “[...] seja uma violência física, psicológica, ou atos extremos como o assédio moral (p. 78), auxiliando assim, na eliminação dos conflitos. Destaca ainda que a institucionalização desse tipo de canal de escuta do sofrimento do trabalhador atesta a existência de imoderações e a necessidade de combatê-las.

Concordamos com Perissé (2017), quando afirma que as relações entre trabalhadores, subordinados e/ou superiores hierárquicos são transpassadas por discrepâncias muitas vezes de difícil compreensão, principalmente pela subjetividade que implica cada situação, complexificando a identificação de violências. Sendo assim, o trabalho da ouvidoria, que requer objetividade, precisa lidar com as sutilezas e mal-ditos das subjetividades, pois a escuta das partes demonstra duas versões: “[...] uma parte sente e escuta de um jeito, a outra parte percebe e relata de outro (p. 83)”. Advindo daí uma de suas dificuldades.

De outro lado, Soboll (2017) defende que, para haver efetividade nesse canal, a ouvidoria precisa ser revestida de autonomia e como meio de apoio na resolução das dificuldades concernentes às questões trabalhistas. Não assumindo um caráter inquisidor, mas com suficiente autoridade para fazer cumprir a disciplina em casos mais graves, nos quais outras intervenções não foram efetivas. No entanto, um estudo de Perissé (2017) na ouvidoria da Petrobras demonstrou que apesar de contribuir para a solução de conflitos, aquela pouco pode interceder nas causas destes. Por outro lado, Soboll (2017) acredita que a ouvidoria se constitui como instância não só de gerenciamento, mas também de prevenção, apoio e intervenção, a fim de evitar os conflitos, caso esteja revestida da citada autonomia.

Por fim, Perissé (2017) relata que a ouvidoria da Petrobras, por exemplo, tem quatro pilares para auxiliar nas questões de assédio moral: a dimensão de treinamento e educação (que inclui a capacitação e conscientização dos trabalhadores de todos os níveis hierárquicos, incluindo informações sobre o canal de denúncia e detalhamento do processo, e métodos de prevenção), dimensão de avaliação preliminar (análise preliminar, levantamento de informações para direcionamento correto), dimensão de acompanhamento (a ouvidoria acompanha desde a denúncia, até o encerramento, efetuando intervenções se julgar necessário)

e dimensão de visibilidade do problema (a fim de evitar que as questões se encerrem, são confeccionados relatórios sobre as denúncias a fim de dar visibilidade aos problemas junto à alta administração). Entendemos em relação ao apresentado que se trata de um aparato complexo a fim de dar conta de um fenômeno também complexo, qual seja do assédio moral no trabalho ou das violências a ele relacionadas.

Para concluir, concordamos com Soboll (2017), quando afirma que não basta apenas efetuar a escuta, mas há de se fazer o registro pormenorizado de todos os atendimentos/relatos, de maneira que os implicados não possam ser identificados, exceto pelos envolvidos no atendimento. O registro tem a finalidade de acompanhamento, mas também pode servir de subsídio para o gerenciamento de casos, pois tão importante quanto o atendimento é diagnóstico realizado a partir das informações apreendidas. Disso depreendemos que, para o bom funcionamento das estratégias de combate à violência relacionada ao trabalho, são essenciais as reflexões, as discussões e a disseminação dos dados coletados. Não é possível que tais ocorrências sejam tratadas como tabu, pois, se assim o forem, exclui-se a possibilidade de prevenção. Na academia, como será possível constatar na sessão seguinte, o tema é amplamente discutido e estudado, entretanto, é preciso agora que tais discussões possam ser levadas ao âmbito das organizações.