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Vista nossa intenção nessa tese de fazer a compreensão do material produzido a partir de um olhar das Clínicas do Trabalho, mais especificamente da Psicodinâmica do Trabalho, e a fim de atingir os objetivos previamente citados, propusemos realizar um estudo qualitativo, com a utilização de entrevistas semiestruturadas, utilizando dois instrumentos quantitativos em complementação.

4.4.1 Entrevistas e grupo

A partir do aceite em participar da pesquisa, procedemos à entrevista individual. Inicialmente os trabalhadores responderam o “Questionário sociodemográfico e laboral” (Apêndice A), o qual teve o intuito de conhecer um pouco sobre o perfil dos participantes, além dos instrumentos que serão detalhados no item seguinte. Em seguida passamos à entrevista propriamente dita, tendo por base um roteiro previamente definido (Apêndice B), com perguntas orientadoras, porém não fechadas, o que permitiu aos trabalhadores falar mais livremente sobre questões do seu trabalho.

A técnica de entrevistas semiestruturadas foi utilizada, a fim de aprofundar nosso conhecimento quanto à percepção dos trabalhadores acerca da violência fomentada pelos modos de gestão contemporâneos, bem como a existência e efetividade das ferramentas de prevenção e coibição daquela. Para Bottega (2015, p. 77), “A entrevista privilegia a visão sobre o sofrimento e adoecimento em relação ao trabalho e o que pode ser feito para seu enfrentamento”. São questões relacionadas ao dia a dia dos trabalhadores, questões pessoais e da organização do trabalho, não tem foco individualizante ou da história de vida daqueles.

O emprego desse tipo de entrevistas é interessante por permitir maior flexibilidade, uma vez que, apesar de existirem tópicos a serem abordados, esses se desenvolvem a partir da interação pesquisador/entrevistado (BONI, QUARESMA, 2005; BREAKWELL et. al., 2010). Mendes (2007, p. 69) afirma ser a técnica de entrevistas interessante para o levantamento de informações em Clínicas do Trabalho que possibilta a construção de conhecimento acerca do trabalho e das relações nele existentes:

[...] centrada na relação pesquisadores-pesquisados e na fala-escuta-fala dos conteúdos manifestos e latentes, sobre a organização do trabalho, as vivências de prazer-sofrimento, as mediações, e os processos de subjetivação e de saúde-adoecimento.

Além das entrevistas individuais, houve a proposição e aceitação por parte de alguns de bancários de duas agências diferentes, em compor um grupo falando sobre as questões de trabalho. No dia marcado, entretanto, dos quatro trabalhadores que se propuseram a participar, somente dois compareceram. Mesmo assim, seguimos com a ideia do grupo, em respeito, prestigiando os dois participantes e também por considerar a interação, mesmo entre duas pessoas,

interessante e produtiva para a pesquisa. Para proceder a análise proposta em nosso estudo, executamos a escuta clínica do sofrimento enunciado pelos trabalhadores, prática denominada por Mendes e Araujo (2012) de Clínica das Patologias, a qual tem por objetivo resgatar o sentido do trabalho, na medida em que viabiliza ao sujeito reconstruir a história de seu adoecimento e/ou da violência a que foi submetido, munindo aquele com recursos para enfrentar o sofrimento ou a doença, vislumbrando possibilidades para o futuro.

Tal proposição vem ao encontro do que é preconizado por Dejours (2004a), de que o que interessa é a versão dos trabalhadores sobre os fatos, a construção coletiva, consensual, viabilizada pelas discussões em grupo, a objetividade não é o mais importante. Sendo assim, não são propostas modificações ou recomendações no local de trabalho, após a aplicação da metodologia, pois o objetivo é que os próprios trabalhadores pensem e façam intervenções em seu trabalho, a partir da discussão coletiva. Destacamos que a análise dessa construção foi realizada juntamente com a das entrevistas individuais, ou seja, não houve exame das entrevistas em separado, por ter sido em grupo. Os enunciados foram analisados como falas individuais, tendo em vista não percebermos diferenciação naquilo que foi expresso individualmente ou no grupo. Porém, é imperioso ressaltar que as interações promovidas pelo grupo resultam em apoio mútuo. Isso possibilita que os trabalhadores compreendam que eles não estão sozinhos, que suas percepções sejam validadas, além de reforçar os laços de cooperação. Por fim, é notório o efeito terapêutico do grupo.

As entrevistas individuais tiveram duração de 30 minutos até duas horas, o grupo, por sua vez, se extendeu por aproximadamente três horas, excetuando a parte do questionário sociodemográfico e da aplicação dos instrumentos. Em complementação às entrevistas e ao grupo, instrumentos foram utilizados, conforme explicitados na seção que segue. O objetivo da conjugação de ambos visou a viabilizar a escuta clínica do sofrimento enunciado pelos trabalhadores, prática denominada por Mendes e Araujo (2012) de Clínica das Patologias, conforme explicitado anteriormente. A referida clínica possibilita resgatar a capacidade de pensar e compartilhar os constrangimentos vivenciados pelo trabalhador na organização do trabalho, promovendo mudanças no significado e sentido do trabalho, no fazer e na busca do reconhecimento (SANTOS JÚNIOR, MENDES, ARAÚJO, 2009).

4.4.2 Negative Acts Questionnaire Revised (NAQ-r) e Self-Reporting Questionnaire-20 (SRQ-20)

Os instrumentos, Negative acts Questionnaire Revised (NAQ-r) e o Self-

Reporting Questionnaire-20 (SRQ-20), utilizados nessa pesquisa, foram complementares ao processo de investigação. Esse, segundo Bottega (2015), é indicado pela OMS para apoio diagnóstico, sobretudo na atenção básica, com a finalidade de rastreio psiquiátrico. Ou seja, o objetivo de sua aplicação foi a exclusão da incidência de distúrbios mentais menores.

A versão brasileira do SRQ-20 (Anexo A) é composta por 20 questões com respostas do tipo sim/não, que possibilita ser aplicado ou autorrespondido. No caso dos participantes dessa pesquisa, todos autoaplicaram o instrumento. A cada resposta positiva, deve-se somar um (1) ponto ao valor total, sendo o resultado calculado zero (0) para nenhuma probabilidade até 20, que significa extrema probabilidade de ocorrência de transtornos mentais. O ponto de corte com relação às respostas positivas sugerido por trabalho de Gonçalves, Stein e Kapczinski (2008) foi de 7/8 para ambos os sexos. Santos, Araújo e Oliveira (2009) demonstram que as 20 questões do instrumento se encontram distribuídas em quatro grupos de sintomas para análise. São elas: Humor depressivo-ansioso (quatro questões), Sintomas somáticos (seis questões), Decréscimo de energia vital (seis questões) e Pensamentos depressivos (quatro questões), conforme quadro 3.

Quadro 3 - Itens do Self-Reporting Questionnaire (SRQ-20) distribuídos por quatro grupos de sintomas

(continua)

Grupos de Sintomas Questões do SRQ-20

Humor depressivo-ansioso Sente-se Nervoso, tenso ou preocupado? Assusta-se com facilidade?

Sente-se triste ultimamente? Você chora mais que de costume? Sintomas somáticos Tem dores de cabeça frequentes?

Você dorme mal?

Você sente desconforto estomacal? Você tem má digestão?

Você tem falta de apetite? Tem tremores nas mãos? Decréscimo de energia vital Você se cansa com facilidade?

Tem dificuldade de tomar decisão?

Tem dificuldades de ter satisfação em suas tarefas? O seu trabalho traz sofrimento?

(conclusão) Tem dificuldade de pensar claramente?

Pensamentos depressivos Sente-se incapaz de desempenhar papel útil em sua vida? Tem perdido o interesse pelas coisas?

Tem pensado em dar fim à sua vida? Sente-se inútil em sua vida?

Fonte: Santos, Araujo e Oliveira (2009, p. 216)

A aplicação do NAQ-r (Anexo B), por sua vez, conhecido no Brasil como Questionário de Atos Negativos Revisado (QAN), teve a finalidade de averiguar se os trabalhadores haviam sido submetidos a situações de violência relacionadas ao trabalho, principalmente no que diz respeito ao assédio. O Negative acts

Questionnaire (NAQ-r) foi criado na Noruega por Einarsen, Raknes, Matthiesen e

Hellesoy em 1994, sendo amplamente utilizado na Europa (AMAZARRAY, 2010; CHRIST, 2011). No Brasil, o questionário foi traduzido e adaptado (GONÇALVES, MACIEL, 2006).

O NAQ-r ou QAN não faz referência direta ao vocábulo “assédio”; em sua primeira parte, a qual é composta por 29 itens, constituindo-se em descrições de atos negativos, que se referem a comportamentos diretos, como agressão verbal, intimidação, dentre outros; ou indiretos, como isolamento social, pressão, etc (AMAZARRAY, 2010). A escala visa a aferir a exposição do entrevistado, no trabalho, a atos negativos que tenham potencial para assédio moral, nos últimos seis meses. Para isso, utiliza-se uma escala tipo Likert, de cinco pontos, com as seguintes alternativas: 1 = nunca, 2 = de vez em quando, 3 = mensalmente, 4 =

semanalmente ou 5 = diariamente. Em seguida, é apresentada uma definição de

assédio moral no trabalho, com vistas a verificar, caso o entrevistado tenha sido exposto ao assédio, qual é sua percepção sobre o fenômeno, bem como o tempo de duração e características desse. Para tanto, deve responder mais oito questões.

Estudos de Christ (2011) objetivaram investigar as propriedades psicométricas e adaptar o NAQ-r para o Brasil, concluindo tratar-se de um instrumento com propriedades acertadas para avaliação objetiva do assédio moral no trabalho. No entanto, chama a atenção para a necessidade de aliar o questionário a outras técnicas e instrumentos para maior amplitude de informações a respeito das consequências dos atos negativos para os trabalhadores. Por esse motivo, nossa opção foi a de utilizar as entrevistas semiestruturadas, aliadas aos instrumentos citados, a fim de uma melhor compreensão do fenômeno. Também por

considerar que o NAQ-r foi validado para a detecção da ocorrência ou não do assédio e nosso intuito em nossa pesquisa foi de ampliar, focando na violência psicológica relacionada ao trabalho, a qual contempla também o assédio moral.

O SRQ-20 e o NAQ-r foram entregues para serem respondidos logo após a apresentação da pesquisa, esclarecimentos iniciais, assinatura do Termo de Consentimento e preenchimento do questionário sociodemográfico. A utilização dos instrumentos serviu também para auxiliar o início das entrevistas. Ao final de cada entrevista, foi realizada uma breve devolução a qual será formalizada através de documento próprio, no momento da finalização da tese, conforme pactuado com os entrevistados.