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3 PESQUISA INTER(IN)VENÇÃO: FERRAMENTAS TEÓRICO-

3.2 Ferramentas teórico-metodológicas na pesquisaCOM o graffiti

Nesse campo de reflexões, pesquisar na escola com os jovens nos possibilita problematizar o caráter participativo da intervenção, considerando um movimento de rompimento da ideia da neutralidade entre pesquisador e objeto, pois coloca em evidência o compartilhamento de saberes entre todos os sujeitos participantes quando se trabalha COM as juventudes. Assim, o pesquisar COM possibilita que novas análises e ferramentas sejam criadas no campo micropolítico (MIRANDA et al, 2016). “Trata-se, assim, de problematizar os processos que mobilizam nossa subjetivação, especialmente dentro das relações de poder e instituições da qual somos partícipes” (MIRANDA et al., 2018, p. 312).

A representação, tranquilidade e recusa de positivação definitivamente não compõe essa pesquisa. Requerer uma desnaturalização dos fatos, discursos e práticas se mostram mais fecundos para produzir análises considerando um olhar de espionagem aos efeitos ético e político (PRADO FILHO, 2012). Trata-se assim de produzir tensionamentos acerca dos preconceitos e as naturalizações sobre as práticas do graffiti feito pelos jovens, as práticas tuteladas, e com isso ampliar uma discussão ética-estética-política de como cerceiam o cotidiano escolar intra e extramuros.

É nesse campo semiótico, ou seja, na escola, que tentamos produzir análises não fechadas, mas múltiplas, inacabadas e plurais. Com a cartografia é possível refletir não somente como o plano comum é atravessado pelos jogos de poder, mas também é uma forma de problematizar as pretensões que podem desembocar esta pesquisa-intervenção. Os dispositivos nos ajudam a analisar o que mobiliza a pesquisa, as vozes que ecoam e são tensionadas, as forças que produzem forças instituídas e instituintes. Cartografar é desnaturalizar a pretensa de neutralidade do pesquisador e interferir no que é tido natural, é apostar nas linhas de fuga que a pesquisa desestabiliza e potencializa o devir minoritário nos processos de subjetivação (ESCÓSSIA; TEDESCO, 2015).

Compreendendo o percurso de investigação da pesquisa no contexto escolar, mapeamos produções de graffiti em uma escola pública de ensino médio da cidade de Fortaleza. Os sujeitos copartícipes desta pesquisa foram grafiteiros profissionais e estudantes de uma disciplina de graffiti. Os dispositivos teórico-metodológicos que serão operacionalizados são; observação-participante, diário de campo, entrevistas com manejo cartográfico e um grupo de discussão.

3.2.1 Observação participante e acompanhamento de processos nos vários cenários da pesquisaCOM

Para conhecer o território da pesquisa foi realizada observação participante para conhecer os aspectos do cotidiano dos jovens, o contexto escolar e suas tramas, e por fim a produção de enunciados. Esse processo se iniciou no Fórum de Escolas no Grande Bom Jardim, depois pela inserção nas atividades de graffiti com coletivos de Crew’s e, finalizando no acompanhamento da disciplina eletiva de graffiti na escola de ensino médio. Ao longo de mais 10 meses habitei esses espaços, conversando informalmente, traçando contingências e laçando amizades, as quais me permitiram experienciar à produção de histórias. Priorizou-se neste percurso rejeitar o processo de representação do objeto ou do campo de pesquisa, pois, a cartografia rompe com essa ação de pesquisa. O cartógrafo ao habitar um território acompanha os processos e é pela experiência que torna a pesquisa um dispositivo inventivo da realidade social, produzindo novas problematizações e um conhecimento devir fruto de um rizoma que pulsa (BARROS; KASTRUP, 2015).

Figura 3 - Atividade de graffiti no Bairro Granja Portugal

Fonte: Arquivo pessoal (2019).

O debate de habitar um território existencial pela cartografia nos convoca a problematizar uma participação em campo que não é totalizada por uma ‘observação e participação’ enquanto práticas que são adicionadas uma a outra. Estas são ao mesmo tempo ação de conviver, conhecer, ocupar e habitar um território, o qual produz sentidos e modos de expressão significados no plano da experiência (ALVAREZ; PASSOS, 2015). No interstício de observar e participar me encontro produzindo graffitiCOM, aprendendo o ofício entre pares de interlocutores que tencionam em suas práticas interesses e relações de poder.

3.2.2 Diário de Campo

Os diários de campo nesta pesquisa assumiram lugar de centralidade na construção e contação de uma narrativa cartográfica dos processos que acompanhamos e produziram deslocamentos nesta escrita, principalmente no que nos referimos ao mapeamento do campo. O diário se configurou enquanto um lugar de dispositivo propício de registrar as criações e recriações da subjetividade e sua relação com o território. Outro conceito que perpassa a PI consiste na análise de implicações como um processo que atravessa o pesquisador e os sujeitos na mesma demanda (RIBEIRO et al., 2016; MIRANDA et al., 2018).

Assim, foi utilizado o diário de bordo, permitindo que os diálogos informais, as figuras, o cenário e o não dito fossem implicados a partir do pesquisador no contato com o território habitado e os sujeitos envolvidos, sobretudo, auxiliando na produção de informação de análise, e com isso, o diário ganhou um aspecto criativo e inacabado na pesquisa com

potentes possibilidades de registros da realidade que escapa a outros instrumentos mais tradicionais (ROCHA; AGUIAR, 2007; MEDRADO; SPINK; MÉLLO, 2014). Os diários que compuseram as análises desta pesquisa não assumem um papel descritivo da cena experienciada, mas configuraram um lugar de questionamentos dos processos que foram acontecendo durante a cartografia.

3.2.3 Entrevistas com manejo cartográfico

A entrevista sob manejo cartográfico como é operada pela cartografia não tem interesse em buscar a representação das coisas, é dispositivo de intervenção e pesquisa ao mesmo tempo e, não se separa do acompanhamento de processos. Isso quer dizer que todo o movimento de pesquisa é também processos pelo qual a entrevista deriva. Aqui o interesse não se limita a descrição dos acontecimentos e vivências, estes que são também atravessados na entrevista, mas é importante que ao entrevistar o cartógrafo reconheça o potencial de ethos imbuído nesse processo. Assim, a entrevista de manejo cartográfico é atitude de pesquisa que visa conhecer o plano da experiência e o coletivo de forças (TEDESCO et al., 2014).

As entrevistas17 foram realizadas com interlocutores que estão inseridos nos cotidianos dos territórios que explícitamos anteriormente. A partir disso, foram convidados a participação de 3 sujeitos inseridos em diversos espaços em que estive acompanhando e os quais conheci e em alguma medida apresentei nossos encontros por meio de trechos de diário de campo, tais espaços como o Centro Cultural Bom Jardim, coletivo de grafiteiros e a disciplina de graffiti. As entrevistas com manejo cartográfico permitiram conhecer trajetórias individuais e coletivas, experiências e outros elementos que abordaram a relação juventudes- graffiti-escola.

A realização das entrevistas se tornou uma demanda importante para pensar como o graffiti nesses espaços tem sido articulado e pensado por esses sujeitos. Essa demanda de entrevistar partiu de algumas atividades coletivas e de perceber o engajamento de alguns mais conectados com as questões educacionais/escolares e, por isso, recorrer a entrevista seria justamente mapear outros pontos ramificados de estratégias, operações, tensões e afrontamentos do graffiti no cotidiano deles e de outros jovens. Com isso, a escolha dos entrevistados também seguiu meu desenho cartográfico da pesquisa no que tange ter acompanhado-os em seus segmentos no graffiti.

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A primeira entrevistada foi a jovem Ana, professora da disciplina de graffiti na escola localizada na periferia de Fortaleza. Grafiteira, além de artista de arte urbana em vários segmentos estéticos, tais como lambe-lambe, estêncil e bomb. Ana é estudante de Licenciatura em Artes Visuais no Instituto Federal do Ceará e moradora no Bairro Conjunto Ceará. Trabalhou dos 15 anos aos 22 anos na área de design gráfico, porém no presente momento é colaboradora no Centro Cultural do Bom Jardim na função de Instrutora de Educação e Arte para Educação Social realizando trabalhos na área de artes visuais com foco nas artes urbanas periféricas.

O segundo entrevistado foi o jovem Jorge, integrante de coletivo de grafiteiros chamado Crew NK. Estudante de Artes Visuais, morador do Bairro Siqueira, também estudante de Licenciatura de Artes Visuais do Instituto Federal do Ceará. Jorge está inserido a mais de 6 anos na prática do graffiti, tendo iniciado sua participação a partir da inserção como pichador e por acompanhar outros familiares que eram pichadores. Tem trabalhado desde então profissionalmente com o graffiti, além de realizar atividades em diversos contextos escolares e educacionais na cidade de Fortaleza.

O terceiro entrevistado foi o Ikaro, integrante de coletivo de grafiteiros que trabalham primordialmente temáticas vinculadas ao combate do racismo. É sociólogo e servidor público da prefeitura de Fortaleza. Trabalha na assessoria parlamentar e no Projeto Artista Presente na Escola do Governo do Estado do Ceará. Residente da periferia de Fortaleza, atua como grafiteiro desde o início dos anos 2000 em que tem participado e ministrado diversas oficinas de graffiti e outros movimentos sociais sobre racismo.

As entrevistas tiveram média de 1 hora de duração. A entrevista com Ana aconteceu na sede do CCBJ, já as outras duas, Jorge e Ikaro aconteceu no Laboratório de Psicologia em Subjetividade e Sociedade (LAPSUS) no Departamento de Psicologia da UFC. As entrevistas foram gravadas em áudio e transcritas.

3.2.4 Grupo de discussão com jovens inventores na escola

O grupo teve uma funcionalidade operante na pesquisa de analisar o atravessamento da micropolítica do campo institucional, logo, o acompanhamento semanal das aulas de graffiti ajudou a pensar pistas que foram discutidas com o grupo de jovens estudantes, além de outros assuntos que surgiram durante o grupo. Entendemos a relação dos jovens com o graffiti para além da criação estética, mas a implicação no e com o cotidiano, do observado e do não-dito, a fim de investigar como estas inter(in)venções produzem olhares, discursos, saberes, tensões e subjetividades.

A realização de grupo de discussão com os jovens aconteceu durante umas das aulas de graffiti e contou com a participação de 20 estudantes matriculados na disciplina. O grupo de discussão possibilitou ser ouvido as interpretações da disciplina e discutido como os jovens concebiam suas experiências com a prática do graffiti produzido na escola, o desenvolvimento da disciplina eletiva e outros desdobramentos implicados na temática. A duração do grupo de discussão foi de duas aulas, cada uma contendo 50 minutos18. O momento foi gravado por áudio com expressa autorização dos alunos e assinatura dos termos de assentimentos por eles e termos de consentimento livre e esclarecido por seus responsáveis.

3.2.5 Aspectos institucionais do Comitê de Ética em Pesquisa

A presente pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética de Pesquisa da Universidade Federal do Ceará para avaliação conforme a orientação ética da Resolução n° 466/12, que consiste em diretrizes e normas que regulam as pesquisas com os seres humanos (Ministério da Saúde, 2012), Resolução nº 510 de 2016 que trata sobre as pesquisas desenvolvidas na grande área das ciências humanas e sociais e a Resolução no nº 016 do Conselho Federal de Psicologia (CFP, 2000), bem como no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990). Número do CAAE: 08880119.9.0000.5054. Número do Parecer de aprovação: 3.298.274. Mantendo a garantia de sigilo e assistência amparada pelo pesquisador com os sujeitos da pesquisa pelo que preconiza o Conselho Nacional de Saúde (BRASIL, 2016). Segue em anexo o parecer consubstanciado.

3.3 Notas para uma análise do discurso: a analítica de saber-poder no cotidiano da