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A pesquisa-intervenção que NOS move é a que fica: notas metodológicas

3 PESQUISA INTER(IN)VENÇÃO: FERRAMENTAS TEÓRICO-

3.1 A pesquisa-intervenção que NOS move é a que fica: notas metodológicas

Redigir o presente texto metodológico tem atravessado a construção do problema de pesquisa, planejamento e condução de processos investigativos. Transformar um tema em uma questão de pesquisa é um dilema que todx pesquisadxrx15 tem que enfrentar ao se propor reinventar nesse campo semiótico de insustentáveis levezas. São com certezas e incertezas, dúvidas e questionamentos, convicções, arranjos teóricos e planejamentos metodológicos que se constrói uma pesquisa. Como aponta Rodrigues (2012), pesquisar é se implicar com que nos mobiliza, evitando produzir análises fechadas ou que determinem enquadramentos, por isso, pesquisa e inquietação estão articulados a fim de insurgir novos desdobramentos e diferenças.

Assim, o ato de pesquisar se performatiza em ação de especular, inventar, conhecer e mobilizar. O desafio de um pesquisador não se concretiza separadamente nos procedimentos de coleta, análise e discussão dos resultados, pelo contrário, todo o processo é constituído de efeitos e que não devem ser lidos como representação, pois não estão dados, e sim, construídos de forma participativa entre os sujeitos que compõem o território habitado (BARRO & BARROS, 2014). Questionar a pesquisa e suas aberturas é um exercício político que deve ser corriqueiro na prática do pesquisador, por exemplo, que novas tensões a pesquisa produzirá? Que forças compõem e viabilizam o percurso da pesquisa? O que é pesquisar?

Como aponta Appadurai (2006) se pesquisar é conhecer algo novo e indagar-se é aprender algo que não se sabe ainda, assim pesquisar é também uma operação própria da condição humana, embora seja reconhecida evidentemente por uma sistemática processual técnica e científica. Pesquisar também é uma ferramenta democrática de conhecer e investigar a própria realidade. Com isso, questões que atravessam o cotidiano e a vida de alguém muitas vezes se reduzem a práticas duras privilegiadas de experimentos científicos, o que faz com

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Pesquisadxrx, neste termo faço um trocadilho possibilitando que o interlocutor/sujeito possa ser livre de qualquer binarismo ou heteronormatividade, uma vez que Torre et al (2017) afirma que no campo científico, sobretudo das pesquisas participativas críticas, há uma prática segregadora de pesquisa produzida por um saber colonizado, a qual marginalizou as questões de raça, classe, sexo, gênero, entre outros marcadores devido o imperialismo científico colonial. Contudo, atualmente é preciso destacar o potencial descolonizador que tem se efetivado nos debates científicos a partir de reflexões e teorias feministas.

que não seja reconhecido o direito a pesquisa como uma possibilidade de se fazer democratizar o acesso ao saber, a visibilidade, a democracia e a cidadania como direito humano.

Problematizando o campo da pesquisa tentaremos refletir o percurso metodológico que se move na pesquisa em tela. Apontamos uma reflexão sobre o caminho metodológico que não se reduz a descrição de passos, pelo contrário, se coloca como uma bricolagem de conceitos e traçados de pesquisa não totalizante. Desse modo, a presente pesquisa possui uma abordagem qualitativa, entendendo que o objeto de estudo têm implicações na subjetividade e nos fenômenos individuais e sociais. O dispositivo teórico-metodológico proposto consiste no desenvolvimento de uma Pesquisa-Intervenção (PI). A PI de influência da Análise Institucional Francesa legitima um lugar de investigação que envolve o sujeito e o coletivo enquanto produtores do conhecimento e agentes transformadores do espaço social, de tal forma possibilitando novas compreensões e análises de demandas existentes e emergentes na realidade (ROCHA; AGUIAR, 2007).

A pesquisa-intervenção se insere no campo das chamadas pesquisas participativas desenvolvidas no âmbito das ciências humanas e sociais. Destaca-se a PI como enfoque teórico-metodológicos ativos de produção do conhecimento dos fenômenos sociais e que possui um forte compromisso ético de posicionar o pesquisador e os pesquisados como sujeitos coautores em um processo participativo, além dessa relação ser geradora de enfrentamento dos problemas sociais e da construção coletiva de soluções possíveis (ROCHA; AGUIAR, 2007).

As pesquisas participativas no Brasil na década de 70 do século passado, embora tenham sofrido forte influência da psicossociologia de Kurt Lewin, que trouxera desde a década de 40 nos EUA princípios da democracia e o questionamento da neutralidade para o campo da pesquisa em Psicologia Social, aos poucos foram se distanciando da matriz do psicólogo americano. Enquanto que esta acabou se identificando com questões relacionadas ao clima organizacional ou gestão, as pesquisas participativas relacionadas a Pesquisa-ação tomaram um rumo mais político. No contexto de enfrentamento à ditadura militar, a pesquisa- ação no movimento Latino Americano foi embasada também na Educação Popular de Paulo Freire, Teoria da Libertação de Martin-Baró e de movimentos de cultura popular emergentes no hemisfério sul. Assim, esse engajamento tem tentado romper com algumas injustiças sociais e possibilitado produzir transformação social por meio da coparticipação de comunidades copesquisadoras (ROCHA; AGUIAR, 2003; TORRE et al, 2017). Estes autores

também têm sido referência no campo da pesquisa ação participativa crítica (CPAR) nos Estados Unidos (TORRE et al, 2017).

Além de inspiração na Análise Institucional, ancora-se esta pesquisa na cartografia como método da PI. Entende-se como cartografia um traçado de percurso que se constrói durante a pesquisa e na habitação do território. Não há como estabelecer metas pré-definidas e estáticas enquanto uma pesquisa cartográfica, pois, o processo de pesquisar produz uma não separação entre conhecer e pesquisar. É no plano da experiência que o trabalho do cartógrafo se desenvolve, isto acontece por que o primado de pesquisar está no COMO?, ao invés de O QUE?, a partir dessa inserção é que a cartografia passar a ser um método interventivo em que o conhecer produz transformações (PASSOS; BARROS, 2015).

A cartografia se mantém como um processo de pesquisa em que conhecer e fazer estão em aliança e devir. Com isso, conhecer é uma ação importante quando se produz uma cartografia, isto porque é acompanhando os processos que compomos experiências que possibilitam criar um plano coletivo de forças onde sujeitos, objeto, teoria e prática estão conectadas num mesmo plano comum de produção inventiva da experiência (KASTRUP, 2012) e, por isso, inventar é intervir no mundo, é transformar a realidade afetando os planos de forças que coabitam a produção de subjetividades (PASSOS; BARROS, 2015).

O método da cartografia renuncia e se opõe às formas de enunciar o objeto pelo caráter da representação. Muito pelo contrário, cartografar é acompanhar processos, os quais são compostos por forças e tensões que movem um território existencial, ou seja, as subjetividades. Isso não quer dizer que a cartografia seja subjetivista. É preciso rigor em sua operação, e por isso necessita se articular com dispositivos que movem o olhar do cartógrafo e sua atenção flutuante imersa no plano da experiência. Assim, pesquisar, inventar e intervir são operadores que se constituem como ato político da pesquisa e são indissolúveis do ponto de vista teórico-prático, isto é, posicionam-se como um método de pesquisa-intervenção e que atuam nas ressonâncias emergentes de um mesmo processo (KASTRUP, 2008).

Com isso, apoia-se a cartografia com um olhar analítico as produções de analisadores, um conceito importante para entendermos a dinâmica do processo investigativo de uma pesquisa, ou seja, são eles que denunciam as tensões e forças que compõem as relações. Segundo Rossi & Passos (2014) os analisadores se tornam uma ferramenta para o trabalho do pesquisador, possibilitando condições de análise e intervenção, ambos indissociável. O analisador emerge no campo e no processo investigativo como um fenômeno, acontecimento, cotidiano, objeto, pessoas, temas, e situações. “Ele pode ser tomado tanto como o evento que denuncia, quanto aquele portador da potência da mudança” (PASSOS; ROSSI, 2014, p. 173).

Assim, em nossa pesquisa, no acompanhamento dos processos e dos cotidianos da pesquisa, os analisadores foram se mostrando importantes para questionar as naturalidades e os movimentos de tensão presentes nos espaços de investigação.

Segundo Rossi & Passos (2014) os analisadores se tornam uma ferramenta importante para o trabalho do pesquisador, possibilitando condições de análise e intervenção, ambos indissociáveis. O analisador emerge no campo e no processo investigativo como um fenômeno, acontecimento, cotidiano, objeto, pessoas, temas, e situações. “Ele pode ser tomado tanto como o evento que denuncia, quanto aquele portador da potência da mudança” (PASSOS; ROSSI, 2014, p. 173). Assim, no acompanhamento dos processos e dos cotidianos da pesquisa, os analisadores foram se mostrando importantes para questionar as naturalidades e os movimentos de tensão presentes nos espaços que produzem o graffiti conforme tabela abaixo.

Tabela 10 - Descrição de analisadores centrais da pesquisa

Analisadores Contexto/Cotidiano

Graffiti enquanto manifestação cultural dos jovens de periferia

Prática operacionalizada com jovens em atividades agenciadas por instituições e

grupos em diversos contextos. Movimento de coletivos de grafiteiros

conectados com questões educacionais/escola

Articulações e trabalho de grafiteiros feitos nas escolas e ruas da periferia de Fortaleza. Disciplina Eletiva de Graffiti Disciplina curricular de ensino médio em

tempo integral em Fortaleza.

Fonte: Elaborado pelo autor.

Outra ferramenta importante na construção da presente pesquisa é o conceito de análise de implicação.16 Trata-se de uma ferramenta potente, pois produz e transforma o processo de pesquisa e as análises da pesquisa, e faz tencionar as relações de poder que perpassam o campo por uma produção de conhecimento interventivo. Além de que o caráter de implicação não se resume a uma prática subjetivista de analisar o cotidiano, pelo contrário possibilita redefinir nossas escritas, e subsidiar novas leituras de mundo e de nossas próprias experiências (ROMAGNOLI, 2014).

Ao questionarmos a naturalidade das coisas, os movimentos cristalizados, os discursos de verdade, a relação pesquisador-pesquisando e sujeito-objeto, produzimos uma tessitura na produção de um conhecimento que amplia o ato de fazer pesquisar. Podemos através de

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O conceito de análise de implicação é originário da psicossociologia de Lourau e Lapassade que fizeram parte do Movimento Institucionalista Francês através da Análise Institucional. Estes sociólogos tinham base marxista. Como também passou a ser discutida por autores da filosofia da diferença.

reflexões e experimentações narrar em nossas escritas a potência transformadora que ao conhecer a realidade investigada já incide em uma transformação. A análise de implicação conduz o pesquisador na dinamicidade das contradições e, que em atravessamento com os analisadores permite modificar os rumos da pesquisa, produzindo análises consolidadas ao passo que decompõem universalidades, abrindo espaço para uma polifonia de efeitos (PAULON, 2005). É com esse olhar que a escrita desta dissertação é toda atravessada pelas condições de pesquisa, pelos tensionamentos e experiências de acompanhar as produções de graffiti na periferia de Fortaleza.

Dessa forma, a PI se apresenta como estratégica para a presente investigação, além de propiciar um exercício micropolítico, este como um campo de problematização do cotidiano do território habitado (ROCHA; AGUIAR, 2007). Assim, a proposta de investigação analítica na cartografia se configura como pertinente para analisar o território habitado e os discursos e subjetividades produzidas no plano da experiência e acontecimentos. É do trabalho da cartografia acompanhar os processos que constituem a realidade, com isso cabe ao cartógrafo estar atento aos planos de forças que coabitam e tensionam a atenção do pesquisador no território e movimentam o coletivo (KASTRUP, 2015).