• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO IV: Transformação de campesinato de uso comum

Foto 1: Festa de São Benedito na Tribuna em Peptal Velho

Fonte: ARAUJO, Mundinha. Breve memória das comunidades de Alcântara. São Luís: SIOGE, 1990

O empenho em realizar a festa não se restringia ao esforço pessoal de seu Zé Caroço. Era extensivo à sua família bem como a de outros. Conforme ressalta, a sua “mulher gostava, do santo, fazia e tinha os filhos pra ajudar, filha, parente, ai era muita gente que vinha pra ajudar”. As palavras de Seu Zé Caroço deixa entrever a importância da

festa de São Benedito não só como fator de acionamento das redes de reciprocidade, mas como importante elemento de coesão social e definidor de um pertencimento coletivo.

Os preparativos da festa começavam meses antes da data prevista, com a distribuição das chamadas cartas de jóias6e a escolha dos denominados mordomos7, etapas de responsabilidade apenas do festeiro8. As atividades coletivas iniciavam-se mais ou

menos com um mês de antecedência. Entre tantas, podem ser elencadas: o preparativo de licores, na qual normalmente os homens coletavam os frutos e as mulheres preparavam a bebida, o preparo do azeite de coco babaçu para ser usado na preparação de distintos alimentos a serem servidos durante a festa. Pilar o arroz, cortar lenha e fazer carvão, são registradas como atividades coletivas que envolviam homens, mulheres e crianças.

[...] quando ia fazer uma festa, era festa de São Benedito, tambor, mastro e festa dançante, mas antes dessa festa tinha um mês ou mais de preparação, tinha o dia que a gente ia socar arroz no pilão, em mão de pilão, então se juntava muitas mulheres, homens e crianças para socar arroz, as vezes nós socava no pilão três paneiro de arroz, isso era uma animação, era foguete, era gente bebendo, era gente brincando, era gente socando arroz e era aquela animação, vamos cortar lenha pra fazer a caieira do festejo do santo, aí ajuntava 15, 20, até 30 homens, mulheres e tudo aí ia pra roça, nós ia cortar e os homens ia botar e tinha mulheres que as vezes ia, então fazia caieira, no dia de rachar lenha, começava de manha cedo umas 8 hs, era 15, 20 mulher racha lenha, rachava lenha no mato, na roça, onde achasse, aí nós amarrava os fixe de lenha com corda ou com cipó, com embira e botava a lenha na cabeça e vinha cantando, cantando proa, cantando proa, todo tempo cantando, era aquela animação (Dona Leandra, 2004).

Os últimos preparativos são a limpeza do povoado, feita pelos homens, enquanto as mulheres dedicavam-se ao chamado “fazimento de bolo”. Tais atividades eram feitas um dia antes do início da festa, no dia cinco de setembro.

O marco de início da festa no antigo Peptal era denominado levantamento do

mastro, dia seis de setembro, seguido de ladainha e de uma noite de Tambor de Crioula. Como sublinha seu Zé Caroço, “era tambor a noite todinha, cachaça panhando, era bebida, senhora era muita coisa! Café com bolo, chocolate, tudo saia, depois da ladainha”. Os

6 Carta de Jóia é uma carta que a pessoa responsável pela realização da festa entrega num envelope pedindo a

colaboração para realização da mesma. A contribuição é feita em gêneros alimentícios (arroz, farinha ou animais como porco e galinha) ou em dinheiro. Nesse caso, a pessoa que doa coloca a quantia no mesmo envelope em que recebeu a carta. Em ambos os casos a contribuição é chamada de jóia.

outros dias eram marcados por muita comida e festa dançante ao som da chamada radiola9

em um espaço reservado para esse fim, denominado localmente de tribuna10.

No dia sete de setembro acontecia a festa dançante ao longo do dia, interrompida por volta das cinco da tarde para a saída da procissão e a realização da ladainha. De acordo com seu Zé Caroço, figura central na organização da festa de São Benedito, “saia a procissão da tribuna e dava a volta no povoado todo, no povoado, tocando tambor. Aí uns ia garrado com o tambor, e outros batendo”.

Com a chegada da procissão na chamada tribuna, a cerimônia religiosa era encerrada com uma ladainha, também chamada por eles de reza. Somente após a realização dessas etapas, preparava-se a “mesa dos Mordomos”, descrita por Seu Zé Caroço como a expressão da fartura:

[...] era cada prato de comida! tinha um boi, eu matei um boi de 300 quilos só pra dar a carne pros mordomos. Cada quatro quilos, cinco quilos, conforme o tanto que ele desse.

Essa grande disponibilidade de alimentos, traduzida na quantidade de carne servida, lembra o sistema de Potlach11 ressaltado por Mauss (1984), no qual a generosidade daquele que oferece - nesse caso, grande quantidade de alimento - reforça não só sua posição, mas também o seu prestígio social junto àqueles que participam da festa e esperam dele o cumprimento dessa expectativa.

Em seguida, para animar a festa, realizavam algumas atividades denominadas por eles de brincadeiras, a mais comum era o leilão de comidas, carne ou frango assado, torta, entre outros. Mas, normalmente, quem arrematava era o próprio Zé Caroço:

[...] aí eu pra ficar com aquele bem, aí eu dizia eu dou tanto, aí pronto, aí ninguém vendia mais nada [...] aí tinha muita gente que vinha aqui gritar o valor, era uma brincadeira, uma animação.

9 Radiola é o termo utilizado para designar a aparelhagem de som utilizada nas festas. Normalmente contém

muitas caixas de som empilhadas que são denominados paredões.

10 Espaço reservado e construído especificamente para realização de festas. É similar ao que chamaríamos de

clube. Nesse mesmo espaço é colocado o altar do Santo.

11 Por enquanto faço apenas alusão ao sistema Potlach, as comparações que pretendo fazer com esse sistema

Após as chamadas brincadeiras começava o baile12 com radiola, que se estendia

por toda à noite até o amanhecer.

No dia seguinte, realizavam o chamado lava-pratos que compreendia algumas atividades que marcavam o encerramento da festa, é o dia chamado de lava pratos. A

radiola tocava ininterruptamente, a fartura de comida e bebida repetiam-se e encerravam-se as atividades do denominado lava-pratos com um banho no rio Peptal, que cortava o povoado. Segundo seu Zé Caroço, “tinha um pessoal de Alcântara que vinha banhar, banhava no rio, ficava o dia todo na festa, ia banhar no rio, mudar a roupa e voltava de novo pra festa”.

A realização do chamado derrubamento do mastro marcava definitivamente o fim da festa, mas normalmente não acontecia na seqüência dos dias festivos, passavam-se muitos dias, até um mês para a derrubada, como conta Seu Zé Caroço:

[...] tinha uns que passava mês e mês, ai ia derrubar com muitos dias, nós deixava fazer outro bailinho, outra festinha [...] os que vivia por ai assim, de influência, marcava e derrubava o mastro.

A festa de São Benedito é narrada como uma grande festa, com muita comida, bebida e dinheiro:

[...] lata de mingau, a lata de mingau ficava inteirinha, pro outro dia de manhã, aí dava pra quem queria, porque não tinha nem fome pra comer, ai tinha o botequim, botequim, fazia o dinheirão [...] eu tirava assim na mão do armazenista, mandava chamar ele pra fazer conta, um maço de dinheiro, assim, um maço de côfo como se a gente fosse tirar caieira, tudo amarrado em cruz. (Seu Zé Caroço)

Toda essa abundância justificava-se pela afluência de um grande número de pessoas. A festa de São Benedito era muito freqüentada:

[...] olha lá era muita gente nessa festa, fazia era medo, a casa era lá em cima, e tinha um caminho pra ir pro rio, aí a gente olhava de longe, e vinha cheio de gente, aí vinha de todo lado, do Manivá, de todo lado, Cajueiro, era lá pra cá. Tinha muita gente do Marudá, do Pedro Marinho, tudo vinha (Seu Zé Caroço).

No antigo Peptal era realizada também a festa de Santa Tereza que, embora não tivesse a mesma importância daquela feita em louvor a São Benedito, possuía seu valor na localidade. Envolvia um grande número de pessoas em torno de sua organização, mas não

acionava as redes de solidariedade entre os festeiros, porque Dona Maria tinha suas razões para organizá-la quase que sozinha.

A festa em louvor a Santa Tereza está associada com a doação de uma imagem da santa de uma madrinha a seu afilhado. Quando a madrinha do filho de Dona Maria estava doente e próxima do falecimento, não tendo nada para deixar de lembrança para seu afilhado, ofereceu para ele, uma Santa, a imagem de Santa Tereza que, segundo ela era pra

ele zelar até quando ele pudesse. Alterezo, filho de Dona Maria, tinha mais ou menos dez anos e seu aniversário era dia quinze de outubro, dia de Santa Tereza, e ela comenta: “aí eu fiquei esses anos zelando pela Santa e toda vez no aniversário dele eu fazia esse festejinho pra ele”.

Dona Maria narra o nascimento do filho evidenciando a religiosidade e a devoção:

[...] ele nasceu no dia da Santa, seis horas da madrugada, no dia da Santa mesmo. Aí eles iam mudar o nome dele e mamãe disse: pode não mudar, pode não mudar, porque ele nasceu no dia da Santa, na certa é porque queria que o nome dele fosse o nome da Santa e se fosse mulher botava Maria Tereza, botava outro nome, mas é homem, o nome dele é Alterezo, Alterezo de Jesus, se souber chamar bem, se não souber, bota um apelidozinho, aí mesmo botaram um apelido nele e botaram Jejú, com esse Jejú ele morreu.

Dona Maria deixa claro que a festa não era realizada por promessa, “não era promessa não, não [...] era pra cuidar e zelar pela santa”. O zelo pela imagem da Santa, como procura ressaltar, retratava também o respeito pela madrinha do filho, demonstrando a importância das relações de compadrio.