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A FESTA DO FINAL DE SEMANA NO PARQUE BARIGÜI

CAPÍTULO 4 O SIGNIFICADO DOS ESPAÇOS PÚBLICOS PARA EXPERIÊNCIAS

4.3 A FESTA DO FINAL DE SEMANA NO PARQUE BARIGÜI

Domingo, temperatura elevada, sol brilhando, animais despertando, o verde do Parque reluzindo. São 8h e percebo uma movimentação diferente. Vozes, sorrisos, música e motores de carro, se misturam aos ruídos da natureza. Um intenso movimento de carros e ônibus vindos de todas as partes da cidade trazem os freqüentadores de final de semana. A estimativa é que nos finais de semana cinqüenta mil pessoas transitam pelo parque.83

Estes usuários diferem-se dos habituais freqüentadores porque experienciam o Parque com outras finalidades. Chegam cedo para aproveitar o dia, reservar quadras de esporte e churrasqueiras, preparar o almoço, o pic-nic, ou simplesmente para aproveitar o sempre inédito e festejado "sol curitibano". Esta agitação parece estar associada à idéia de festa, a qual nos permite afirmar que as manifestações de lazer e divertimento estão presentes, bem como a constituição de redes de sociabilidade através dos arranjos sociais resultantes desse encontro.

Desta forma, o cenário começa a ser montado, com famílias, grupos de amigos, casais de namorados, crianças, jovens, idosos, vendedores ambulantes, cachorros, bicicletas, cadeiras de praia, patinetes, patins, skates, bolas, redes, pipas, entre outros equipamentos de lazer, indicando que as brincadeiras vão começar.

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"Sombra e água fresca" parece ser palavra de ordem nesta festa do final de semana no Parque. Práticas físico-esportivas misturam-se a brincadeiras na grama, descanso, leituras, contemplação. Pela expressão de alegria que compõe estas vivências, tais práticas parecem significativas para a vida desses usuários, fator motivador de uma infinidade de criação e reinvenção de novas práticas lúdicas durante todo o dia. Portanto, o domingo é marcado por um certo clima de exaltação, o qual torna o espaço do Parque instrumento para um ritual de inversão de algumas normas sociais que organizam o mundo do trabalho, pois permite um certo descompromisso com o tempo, uma certa desaceleração, assim como a vivência da essência lúdica, suscitando transformações desses sujeitos em seres um pouco mais "brincantes".

Este clima de festa também oportuniza um espaço de inter-relações entre crianças, jovens, adultos e idosos, os quais podem estabelecer parcerias na invenção e na prática conjunta dos jogos e brincadeiras, resultando em uma intensa apropriação do espaço público através de experiências coletivas junto à natureza.Vejamos alguns destes aspectos nas falas dos entrevistados:

"Isso aqui é o coração de Curitiba, todo mundo gosta e valoriza este parque. Encontro muita gente conhecida aqui nos finais de semana." (Paulo, 50 anos, proprietário de uma lotérica).

"É o lugar escolhido pelos curitibanos, e realmente concentra muita gente nos finais de semana, tem esse fenômeno de pessoas que vem de todos os pontos da cidade e que freqüentam aqui. É uma espécie de termômetro da cidade. Todo mundo que gosta de lazer no parque vem no Barigui." (Antonio Carlos, 28 anos, vendedor).

"Acho interessante chegar aqui no parque e ver todo mundo usufruindo desse espaço democraticamente em clima de festa, é um espaço público que é usado realmente, tem uma função, e o morador de Curitiba sabe aproveitar este espaço, é a nossa praia." (Mário, 35 anos, professor universitário).

"Trazemos de tudo para o parque. Cachorro, bicicleta, bola, comida, cadeira de praia, rede, sogro, sogra, amigos das crianças. Olha só quanta coisa. A criançada adora ficar solta pelo parque. Eu me sinto meio no jardim da minha casa, sabe. Acho bom porque passamos um domingo tranqüilo, os adultos

descansam e a criançada se diverte muito, inventam o tempo todo brincadeiras, ficam soltas e livres, andam pela trilha, sobem em árvores, rolam na grama. Sabe, eles curtem mesmo a natureza, até o cachorro fica feliz quando a gente vem aqui." (Sonia, 29 anos dona de casa).

Além do sentimento de pertencimento presente nessas falas, percebe-se também que os usuários buscam a natureza como espaço de "celebração", através de diferentes formas de interação e vivências.

Diante do que dizem alguns usuários do Parque, parece inegável que esta festa do final de semana envolve uma certa dimensão da sacralidade, pela forma com se manifesta e pela riqueza de virtualidades que a mesma encerra. Vejamos seus depoimentos:

"Eu gosto de vir ao parque no domingo em horários que tem pouca gente, bem cedinho. Para usufruir mais do ambiente, gosto de fazer meditações, de caminhar pensando, orando e agradecendo. Então para mim é importante não ter muito movimento. Não que eu não goste de pessoas, eu gosto! Mas nas horas que eu pratico esse meu lazer, eu gosto de ficar mais absorto [...] eu acho que isso aqui é o nosso paraíso, e eu sinto essa transformação quando vou chegando, inclusive a ânsia de chegar aqui, porque eu começo a trabalhar às seis e meia da manhã, e inclusive ontem, sábado eu adiantei meu serviço para poder vir hoje, agora meu serviço está tomando muito tempo e eu tenho pouco tempo para dedicar aqui, mas para não perder essa maniai, eu me sacrifico assim trabalhando mais cedo, vou mais cedo para o serviço para adiantar minhas tarefas para que eu possa fazer esta caminhada, vir aqui e respirar esse ar um pouco mais puro. É meio uma questão que associa o espiritual e a saúde, eu acho isso aqui importante para os dois." (Paulo, 50 anos, proprietário de uma lotérica).

"Venho aqui no parque domingo andar de bicicleta, jogar bola e brincar um pouco com meus filhos porque é o único tempo que tenho, durante a semana trabalho muito. Pra eles é bom também porque saem de dentro do apartamento e têm espaço livre para correr, brincar. Prefiro vir aqui do que levá-los aos shoppings. Parece que eles ficam mais tranqüilos, mais calmos. Eu também me sinto mais calmo, menos acelerado, mais aberto. A minha vida diária é muito tumultuada, trabalho muito, e tenho que estar sempre de olho no relógio e no calendário para dar conta de meu serviço, é sempre uma correria, então gosto desta tranqüilidade. Aqui o tempo pára, todo muno fica mais tranqüilo e quando alguém se altera parece que não combina com o lugar. Acho legal, as pessoas passeando, olhando os animais, sentados na grama, sorrindo, muito diferente do mundo lá fora, né?" (José, 46 anos, funcionário público).

"Domingo quando amanhece o dia com sol e quando posso já começo a chamar a gurizada para o parque, gosto de vir aqui com minha família. Moramos longe, mas vale a pena para aproveitar esta natureza, este sol. Geralmente tento chegar cedo para reservar a churrasqueira porque esta aqui está na sombra, com muitas árvores ao redor, as crianças ficam andando de

bicicleta, jogado bola na grama, e a gente pode ficar de olho nelas daqui mesmo tomando uma cervejinha, assando uma carne e batendo papo, também tem um lugarzinho para colocar uma rede e tirar uma soneca depois do almoço ali naquela sombra. Costumamos passar o dia aqui. Não custa muito caro e meus filhos ficam soltos, eu descanso. Só voltamos no final da tarde, porque trabalho á noite no domingo." (Mário, 50 anos, motorista de táxi).

A relação com a natureza é sem dúvida um aspecto importante desse ritual, a qual passa a ter sentido diferenciado no momento em que propicia uma maior integração dos sujeitos entre si. Esta integração, conduzindo as pessoas a uma maior predisposição à "comunhão" com o espaço natural, abre caminhos para a recuperação de um estado de ser e de estar no mundo, por meio de um verdadeiro processo coletivo de vivenciar os ambientes naturais, quase como se fosse uma regra. Talvez, essas questões favorecem um processo de (re)significação da natureza.

Estes aspectos permitem pensar que vivências dessa natureza em parques públicos, as quais promovem o encontro com o outro para celebrar um "domingo de sol", podem possibilitar a quebra da monotonia do dia-a-dia do trabalho. A festa e o divertimento demonstram a existência de um movimento dialético que articula o essencial com o banal, a essência e a aparência, o efêmero e o permanente, o cansaço e a disposição, a festa e o sagrado, demonstrando que em alguns espaços públicos das cidades ainda é possível nos depararmos com o que Le Goff (1997) chama de "criatividade urbana".

Nesta direção, Carlos (2001, p.305) aponta que "a vida urbana supõe encontros, confrontações das diferenças, conhecimentos e reconhecimentos recíprocos (aí compreendidos os afrontamentos ideológicos e políticos), modos de viver, modelos que coexistem na cidade", mas ao mesmo tempo, esta situação cria a "intensidade da vida urbana, as possibilidades dos encontros, das reuniões, produzindo uma urbanidade, reavivando o uso".

Estes aspectos nos permitem considerar que o uso dos espaços, mesmo permeado de restrições, carrega consigo o sentido da atividade humana, a qual se dá por meio dos modos diversificados de experienciá-lo. Carlos (2001, p.355), aprofundando-se esta discussão, salienta que:

Diante das restrições, diante das normas e leis impeditivas ao uso, o cidadão que vive na metrópole inventa modos de uso que fogem às limitações e coações impostas pelo processo de reprodução do espaço. Por isso, o espaço é também aquele da invenção. Estas invenções ocorrem nos interstícios da vida cotidiana, permitem a construção da identidade não só do indivíduo com o outro, mas do cidadão com os lugares da cidade. Por outro lado, o plano da invenção é aquele da possibilidade de se insurgir contra os poderes estabelecidos.

Essa reflexão oferece caminhos para compreendermos que, embora estejamos limitados pela pobreza, pelas péssimas condições de vida urbana, pelos conflitos, dificuldades e diferenças, os sujeitos em certa medida podem escolher. Assim, eles escolhem entre jogar futebol no campo, andar de bicicleta, sentar à sombra de uma árvore, repousar sobre uma rede, contemplar a natureza, brincar com seus filhos, paquerar, beber, ler, comer, conversar, namorar, entre outras coisas. O que parece claro e extremamente positivo é que há espaços para decisões. Como todas as escolhas, essas também operam com alternativas limitadas, mas, aqui, o importante é que os sujeitos podem eleger a que lhes é mais agradável.

Portanto, pode-se considerar que os momentos de lazer vivenciados nos finais de semana se inscrevem neste espaço de opção, onde é legitimo buscar a festa e o divertimento no interior do Parque.