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No capítulo introdutório, mais especificamente na metodologia, em que relato meu primeiro contato com o Zé Geraldo, este último comenta brevemente sobre a participação dos festeiros na festa de Nossa Senhora do Rosário. Os festeiros,que são os Reis e Rainhas da festa, são aqueles que assumem a coroa durante um ano, e são responsáveis financeiramente pela realização dessa tradição, normalmente por devoção, agradecimento ou pagamento de promessas destinadas à Nossa Senhora do Rosário.

Sobre a festa, descrevo um trecho do livro Conceição do Mato Dentro, Fonte da Saudade, de Joaquim Ribeiro Costa.

“É a tradição, que deve ser mantida, de acordo aliás com o “compromisso” da Irmandade: “Haverá um Rei e uma Rainha, príncipes e toda a corte, todos pretos da Guiné, Angola e Moçambique”. Só que não há mais representantes puros ou mesmo mais próximos dessas raças. (...) Nela é que são escolhidos tanto o rei e a rainha, como também o imperador do Divino, não importando a forma da escolha, mas apenas a possibilidade de cada um em receber o encargo e dele se desempenhar de acordo como o desejo popular.” (COSTA, Joaquim Ribeiro, 1975, p. 147).

O autor folclorista retrata uma mudança ocorrida na tradição, em que reis e rainhas da festa do rosário, que antes deveriam ser apenas negros, agora podem ser qualquer pessoa da comunidade. Antigamente os estatutos traziam a importância dos reis congos, mas com o passar do tempo passou a existir o festeiro, que assume as responsabilidades pela festa por um ano, diferente do rei congo, que ainda é cargo vitalício em muitos grupos congadeiros de Minas Gerais. É interessante perceber que o festeiro, no caso específico de Conceição do Mato Dentro, normalmente convida algumas guardas de congado de outros locais para participar da festa do Rosário desta cidade. Desta forma, é comum presenciar algumas guardas que participam da festa

com seus próprios reis congos, que possuem função e significado religioso dentro do seu grupo, e que não se confundem com o rei festeiro, sendo que este último desempenha funções relacionadas à execução da festa.

Um outro livro, sobre Conceição do Mato Dentro, também retrata o surgimento do festeiro dentro da tradição da festa de Nossa Senhora do Rosário desta cidade:

“A irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, depois de enfrentar muitas dificuldades, foi-se desarticulando e, hoje, a comunidade assumiu a promoção da festa do Rosário, no dia 1o de janeiro, seguindo a tradição da irmandade, com missas, procissões, congado, reisado e outras danças típicas.

No entanto, foram introduzidas alterações, como, por exemplo, a participação dos brancos, que já podem ser rei ou rainha e cooperam ativamente na festa. O critério de escolha dos soberanos também se modificou, em vez de eleitos pelos irmãos, os nomes dos festeiros são sorteados a partir de uma lista de conceicionenses, no dia 1o de janeiro, para que organizem a festa do ano seguinte, tendo ao seu encargo todas as despesas. A fim de arrecadar fundos, as pessoas que não se interessam em ser festeiros podem retirar seu nome da lista, antes do sorteio, contribuindo apenas financeiramente.” (DIAS, Maria Vitória et al, 1994, p. 49).

Considero, a partir dos relatos lidos, que a presença de reis e rainhas negros, descendentes daqueles que, nos tempos da escravidão, eram provenientes de Angola, Guiné e Moçambique foi sendo substituída pela presença de reis e rainhas brancos, normalmente externos ao universo do rosário, mas que se tornam necessários para o custeio da festa, de que também participavam. É claro que esses membros da comunidade talvez não fossem membros da marujada, mas deve se lembrar que a marujada é um elemento de extrema importância para a festa de Nossa Senhora do Rosário, mas a festa também dialoga com diferentes grupos sociais.

Porém, alguns festeiros, que nem sempre são membros da comunidade, interferem na festa de forma nociva pois, ao não saberem dos costumes que regem essa manifestação cultural tradicional, desvirtuam o significado da festa, passando a se preocupar com o status e com as vestimentas “pomposas”, como foi retratado no primeiro encontro com o mestre da marujada, descrito no capítulo introdutório, mais especificamente no item “metodologia”.

“Sobre a escolha dos festeiros, afirmou que antigamente existia uma lista com

os moradores da cidade que poderiam ser os festeiros. Quem queria ter seu nome retirado da lista dava uma contribuição financeira para ter seu nome retirado. Além disso, o congado tinha influência na escolha do festeiro. Afirmou que hoje em dia alguns festeiros estão preocupados apenas em fazer uma festa bem pomposa, com belas vestimentas e adereços, se esquecendo do verdadeiro sentido do reinado.”

O mestre da marujada Zé Geraldo também fala sobre a relação entre os festeiros e a tradição da festa de Nossa Senhora do Rosário, dando maior ênfase à festa ocorrida em janeiro de 2013:

Filipe: E os festeiros? Como é que funciona? O último agora era pessoa da comunidade mesmo, não era?

Zé: Ficou uma festa mais tradicional. Ficou na parte só de negros. O Rei se preocupou também, de colocar no Reinado, só gente negra. Todo mundo achou que ia ser uma festa baixa, mas ficou uma festa a altura. Porque, quando ele se propôs a pegar essa festa, ficou em dúvida.

Filipe: Ele ficou em dúvida?

Zé: É, e a população também. Mas ele foi com garra mesmo. Acho que foi assim, teve muita festa boa, mas por ele ser uma pessoa um pouquinho abaixo da sociedade,

Filipe: Mais humilde né?

Zé: É, mais humilde, é isso. Ele fez a festa mais firme, vamos falar assim, dentro do padrão, dentro do padrão que a gente trabalha.

Filipe: Sei, muitas vezes é gente que tem mais dinheiro, né? Zé: É.

Filipe: As vezes o festeiro.

Zé: Ou a festeira, a Rainha. No caso dele não foi, foi a população junto com ele.

Filipe: E deu certo, beleza, do mesmo jeito?

Zé: Foi uma festa assim, que tá precisando fazer. Entendeu? Que tem muita gente que tem medo de pegar essa festa, no caso da situação financeira. Tanto do grupo daqui, quanto dos grupos que vem de fora. Não são um nem dois grupos, são vários grupos. Transporte, local de ficar, despesa. Tem a área do doce, tem que se preocupar com a área do doce, que é o tradicional da festa. Se não tiver o doce não tem festa. Então, ele fez à altura, e, pra mim, foi uma festa de pobre mas ficou uma festa de rico. Entendeu? Com um rei rico.

Zé: Não, costuma ultrapassar. Que se torna um carnaval. Então a festa do Rosário não pode ser um carnaval. Que é do padrão desde a África mesmo. Afro- brasileiro. Através dos negreiros, dos navios, o nosso negro, continua dando aquela sequência, e muitas vezes quer passar e não pode. Não pode passar daquela sequência não. Então dessa vez foi dentro do padrão. Do estandarte até no rei somente, entendeu? Como se diz, a bandeira grande, que nós considera como bandeira grande, é do Rosário, até no rei mais a rainha, foram dentro do padrão.

Filipe: Esse ano, é gente também da... Zé: Dá prosseguimento, bom.

Filipe: Esse ano, já sabe quem que é?

Zé: Já, já tem os festeiros. O rei aqui perto de casa, aqui na bandeirinha. A rainha, atrás do Matozinhos. Já é uma rainha negra, entendeu? A rainha negra. Vai ser uma festa assim, um pouquinho mais alta do que essa que foi feita. Porque tem mais contato com mais pessoas. O outro já não tinha. Isso influi muito também, a influência da pessoa. Influi muito, porquê você tem amizade com um, outro que tinha do passado já não tinha. Então vai crescendo. Aí dá aquela soma e fica maior a festa, mais luxuosa. E não pode ser luxuosa. É como se diz. É pé no chão. É gostoso, é gostoso essa parte aí. 65

Tendo como referência o relato acima, concluo não ser possível afirmar que a introdução do festeiro na festa de Nossa Senhora do Rosário tenha, no passado, sido consentida pelos marujeiros. Apesar de, como eu disse anteriormente, ter sido representativa a vontade da comunidade, que é composta por diversos grupos sociais que compõem a festa de Nossa Senhora do Rosário, a fala do mestre da marujada nos leva a crer que há uma preferência por reis e rainhas de origem negra. Além disso, ele estabelece uma relação entre a presença do festeiro negro, mais humilde, e mais identificado com os sentidos históricos e culturais dos rituais, com a perpetuação da tradição.

Desta forma percebe-se uma relação entre a tradição nostálgica e a ideia do rei festeiro, evidenciando a tradição de tempos remotos.

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Entrevista realizada em 23/04/2013 com o Zé Geraldo, mestre da Marujada de Conceição do Mato Dentro, para esta pesquisa.

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