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CAPÍTULO III: CINEMA E HEGEMONIA

3.5 Filmes escolhidos

Com base na pesquisa bibliográfica e nos verbetes do BFI, foi possível classificar a presença da Primeira Guerra no cinema de ficção britânico e alemão entre 1919 e 1933 em três categorias: i. filmes de guerra, incluindo cenas de batalha; ii. filmes em que o conflito aparece

27 Lista de todos os verbetes sobre filmes dos anos 1920: http://www.screenonline.org.uk/film/id/663573/chrono.html. Data de acesso: 07 ago. 2018.

28 Também importante para observar como os países em questão representam sua própria história cinematográfica foi a visita aos seus respectivos museus do cinema. A Alemanha tem dois grandes museus dedicados à sétima arte, um em Berlim, a Kinemathek, e outro em Frankfurt/Wiesbaden, o Deutsches Filmmuseum/Deutsches Filminstitut. Ambos dão muita atenção para o seu período mudo, particularmente os filmes expressionistas. Não há correspondente para esses museus no Reino Unido. O London Film Museum é comercial, pequeno e quase totalmente dedicado a James Bond. O British Film Institute, por outro lado, apesar de não funcionar como museu, tem cinematecas em várias cidades do país e qualquer um pode utilizar gratuitamente sem limite de tempo.

como pano de fundo para dramas; iii. aqueles em que a guerra nunca é mencionada, porém “assombra” o filme por intermédio de metáforas e alusões cuidadosas. Embora ambos os países tenham exemplos de filmes dos três tipos, eles não são representados igualmente em cada um, e diferentes períodos viram a produção de um ou outro tipo ser mais comum.

Como regra geral, filmes de ficção em que o combate aparece diretamente se tornaram raros na primeira metade da década de 1920, com as audiências demonstrando fatiga do tema (SMITHER, 2015). O nível ao qual cada país o evitou não foi, porém, o mesmo. Como já apontado no capítulo um, na Alemanha a representação direta da guerra era um tabu, dando espaço para filmes nos quais o trauma da guerra aparece metaforicamente (KAES, 2009).

É claro que nem todos os filmes produzidos entre 1918 e 1933 na Alemanha podem ser caracterizados como filmes de shell shock; quase toda a produção cinematográfica de Weimar consistia de filmes formulaicos (KAES, 2009, p. 6). A convicção da época, porém, era de que os mercados estrangeiros só poderiam ser conquistados por “realizações artísticas” (KRACAUER, 2004, p. 65); assim, os estúdios alemães financiavam um pequeno número de obras artisticamente ambiciosas (muitas vezes com grande risco financeiro) para serem exportadas como obras-primas alemãs. Apesar de não serem a maioria dos filmes produzidos, eles representam a maioria dos filmes sobreviventes e disponíveis, não só por terem sido conservados como obras de arte, como também por terem sido exibidos no mundo todo29. Por conta de sua importância já no período em que foram produzidos, assim como por fazerem parte de um movimento amplo, em que diversos outros filmes similares podem ser citados com temas similares, os filmes de shell shock alemães revelam muito sobre a sociedade de Weimar.

O capítulo quatro tratará de três filmes alemães que se encaixam nesta categoria: Das

Cabinet des Dr. Caligari [O Gabinete do Dr. Caligari] (WIENE, 1920), Nosferatu (MURNAU,

1922) e as duas partes do filme Die Nibelungen [Os Nibelungos]: Siegfried (LANG, 1924a) e

Kriemhilds Rache [A Vingança de Kriemhild] (LANG, 1924b). Caligari foi escolhido por sua

articulação do trauma em relação à psiquiatria e à autoridade que colocou jovens homens para matar no nome de outros, encarnada na figura de dois personagens masculinos. Nosferatu foi selecionado por sua alusão ao trauma da morte em massa, assim como por possibilitar um contraste com a obra original britânica (Drácula, de Bram Stoker), cujas alterações,

29 Em 2008, por exemplo, uma versão completa de Metropolis (LANG, 1927), com 30 minutos a mais de filme há muito tempo perdidos, emergiu em Buenos Aires.

particularmente nos papéis de gênero dos dois protagonistas, são significativas. Die Nibelungen será analisado por sua importância como a primeira filmagem do mito fundador alemão, cujo enaltecimento do sacrifício de homens em nome da honra foi usado como justificativa para a Primeira Guerra e se tornou um símbolo do passado mítico e heroico alemão apropriado pelos nazistas.

O capítulo cinco tratará desse mesmo período no Reino Unido, onde filmes dos três tipos foram feitos. Logo após o armistício, alguns filmes em que a guerra aparece diretamente foram produzidos, porém com um foco na reação do fronte doméstico e com um tom similar ao de propaganda durante o conflito. O filme selecionado foi Comradeship [Camaradagem] (ELVEY, 1919), que inclusive começou sua produção como um filme de propaganda, e que articula um argumento que se tornou comum sobre a Guerra como um catalisador de mudanças sociais e individuais, particularmente na construção de um homem ideal da classe dominante. Filmes posteriores passaram a focar ainda mais nos efeitos sociais da Guerra após o seu fim; o representante escolhido desse movimento foi The Passionate Adventure [A Aventura Apaixonada] (CUTTS, 1924), por tratar das dificuldades de um casal após o homem voltar da guerra mudado. O conflito aparece em poucas cenas, sendo seu papel principal como um impulso para que o protagonista reavaliasse sua vida. Por último, filmes em que o trauma aparece metaforicamente também foram produzidos no Reino Unido e, como na Alemanha, estes muitas vezes lidam com os traumas de maneira mais complexa. The Lodger [O Inquilino] (HITCHCOCK, 1926) será analisado justamente por ter sido uma tentativa consciente de produzir um filme similar às obras vindas da Alemanha.

O capítulo seis tratará da onda transnacional de filmes diretamente sobre a Primeira Guerra que ocorreu cerca de dez anos após o fim do conflito, uma distância temporal que aparentemente foi necessária para que sentimentos mais críticos fossem processados. Foram escolhidos os principais representantes da onda em cada país (tanto em termos de popularidade na época como de impacto sobre a literatura até hoje): um filme britânico, Journey’s End [O Fim da Jornada], e dois alemães: Westfront 1918 [Fronte Ocidental, 1918] e Morgenrot [O Vermelho do Amanhecer]. Enquanto no Reino Unido os filmes deste período tinham um tom relativamente uniforme (reconhecendo o horror da guerra, mas sem tornarem-se propriamente críticos a ela), os filmes alemães têm uma divisão clara, representada por estes dois filmes, em

que Westfront é mais crítico, negando completamente a racionalidade da guerra, enquanto

Morgenrot é um elogio ao heroísmo dos soldados alemães.

No final das contas, sempre há subjetividade na escolha dos filmes particulares. Justamente por representarem movimentos maiores, em cada caso existem outros filmes que poderiam ter sido escolhidos; ao mesmo tempo, a escolha de outras obras certamente não levaria a conclusões idênticas. Ainda assim, creio ser possível dizer que os filmes selecionados são representativos de uma parte importante das produções de cada país do período e permitem o desenvolvimento de conclusões sobre algumas características marcantes das masculinidades hegemônicas representadas nas telas.

Tabela 1: Filmes Selecionados

Título País Ano Direção Relação com

a I GM Capítulo

IV

Caligari Alemanha 1920 Robert Wiene Metafórica

Nosferatu 1922 F. W. Murnau Metafórica

Die Nibelungen 1924 Fritz Lang Metafórica

Capítulo V

Comradeship Reino Unido

1919 Maurice Elvey Direta The Passionate

Adventure

1924 Graham Cutts Indireta

The Lodger 1926 Alfred

Hitchcock

Metafórica

Capítulo VI

Westfront 1918 Alemanha 1930 G. W. Pabst Direta

Morgenrot 1933 V. Sewell & G.

Ucicky

Direta

Journey’s End Reino Unido

CAPÍTULO IV: TRAUMA E AUSÊNCIA DE MASCULINIDADE HEGEMÔNICA

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