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Filopoética Ibeji e ancestralidade: “a dança venceu a morte”

3.3. À DERIVA DA FILOSOFIA

3.3.3 Filopoética Ibeji e ancestralidade: “a dança venceu a morte”

A filopoética é uma maneira de superar a política de morte. A imagem do ibeji é uma paisagem que interessa para a compreensão da disputa do imaginário. Mas é importante entender os sentidos produzidos pela deriva da ancestralidade da infância do ponto de vista africano, neste caso iorubá.

O ibeji é a representação mitopoética da recusa em morrer e de um futuro que está encantado e engajado com o passado.

A filopoética Ibeji, ao trazer a paisagem da infância e a ancestralidade africana como leitmotiv, adentra no imaginário mitopoético da cultura iorubá no Brasil. A poesia “Ibeji”, de Dú Oliveira (2016), apresenta um imaginário de superação da morte:

Ibeji

dias e noites tocaram tambores

para iku! a dança venceu a morte! (OLIVEIRA, 2016, p. 69).

O ibeji, na cosmopercepção iorubá, traduz o princípio da geminalidade. Todos nós temos um duplo que está no orun – mundo invisível. Os ibeji, gêmeos, são conhecidos na dinâmica religiosa brasileira como orixá, na cosmopercepção iorubá. Os Erês são entidades infantis presentes nos candomblés, os ibejis estão relacionados com os Erês.

A poesia, Ibeji, de Dú Oliveira (2016), traz um dos mitos do orixá dos gêmeos, no qual a sabedoria e a brincadeira do ibeji vence a tão temida morte. Na poesia, é presente uma temporalidade impossível de acessar na perspectiva ocidental moderna, a criança e a morte no

mesmo plano temporal. A dança é movimento, brincadeira, alegria e leveza. A poética produzida pelo ibeji vence a morte. A dança seduz a morte e faz ela cansar.

A filopoética, mergulhada no mar da revolta e da resistência, mobiliza imaginários e “corpos mutilados” (OLIVEIRA, 2007b, p. 109) para uma ação de beleza. A superação da política de morte pode ser realizada pela sabedoria, leveza e deslocamento das crianças do passado tradicional africano.

A chave de leitura, oferecida por Vanda Machado (2013) – “Aprender na vida também como poesia” – é o aprendizado das crianças da cosmopercepção africana e da diáspora brasileira para produzir conhecimento no arquipélago de libertação. Segundo Vanda Machado:

E por não se tratar de recair em crenças puramente mágicas, a educação inspirada nas subjetividades deste imaginário é mitopoética e polissêmica. Esta é uma condição que sugere a fluidez, a descristalização e a transgressão do modelo cultural instituído, fechado no assujeitamento de pensamentos lineares. Por analogia, o que prefiro chamar de feitura ao invés de iniciação é por entender que esse é o momento de se fazer a cabeça, preparando aquele que está sendo feito para aprender a aprender. Neste caso, cada um estaria voltado para a sua melhor forma de aprender na vida e no caminho da emoção de cada dia. A prender na vida também como poesia. Aprender descobrindo novas estruturas internas. Aprender descobrindo novas estruturas internas. Aprender percebendo o extraordinário no cotidiano. Aprender, nessa condição, seria preparar-se para viver o cotidiano na sua complexidade criadora gestando novas sensibilidades e sentidos (2013, p. 56).

“Aprender na vida como poesia” tem a beleza como horizonte para um encantar-se no ordinário. Desta maneira, o ordinário transforma-se em extraordinário. Filosofar a partir da ancestralidade africano-brasileira é ser convocado a se engajar na memória coletiva dos seus arquipélagos em diálogo com a poética da sua ancestralidade.

Um dos aspectos que aparece na poética da ancestralidade é a transgressão, esta é uma característica necessária para o movimento destes saberes e a circulação dos “corpos mutilados”. Na cosmopercepção da criança africana, há uma inversão/transgressão do sentido cronológico, como entendido na perspectiva linear ocidental: “[...] a criança para o pensamento tradicional africano é a marca da continuidade, uma expressão da ancestralidade. Ela não é nova e nem começa. Ela segue. Mas não segue monotonamente. Ela segue em inversões, deslocamentos, fissuras. Inclusive da própria temporalidade” (FLOR DO NASCIMENTO, 2018, p. 592).

A transgressão do modelo instituído é necessária para uma inversão do modo de filosofar. O ibeji representa essa percepção de um cenário do ato de filosofar. O deslocamento é o caminhar necessário para a deriva filopoética. A perspectiva de “aprender na vida como poesia” não defende uma hierarquia entre o poema e a filosofia, a ciência e a sabedoria, o

contador de história e o filósofo. O modelo cultural, tal como é constituído, é fissurado e atravessado por outros modos de vida.

Uma outra característica que aparece nos Ibejis, além da transgressão, inversão e fissura é a alegria. Neste aspecto, a alegria seria uma definição em desenvolvimento e, ao mesmo tempo, conclusiva da deriva filopoética. O sentimento de admiração é o que leva à alegria. Filosofar pela cultura para se maravilhar consigo mesmo e com o outro. O admirado transforma o cotidiano e faz o ordinário em extraordinário.

Filosofar pela cultura, marca um contexto, um território. E, a partir do pertencimento próprio, embelezando a ação. Uma filopoética que educa a sensibilidade para um engajamento contra o poder de matar. O enfrentamento do racismo a partir da filopoética dá-se pelo fato de ter a poética como uma linguagem que compreende a “totalidade da différences”, como afirmou Glissant (2009, p. 83).

No artigo intitulado Temporalidade, memória e ancestralidade: enredamentos africanos entre infância e formação, Wanderson Flor do Nascimento faz um diálogo sobre a infância desde as regiões africanas de línguas bantas e iorubá. O seu discurso é situado na “África negra” e na relação produzida pela diáspora, principalmente as dos terreiros de candomblé. Segundo Flor do Nascimento:

Convém frisar que as línguas bantas e iorubá não possuem em seu léxico um termo para se referir à infância, seja como experiência, seja como fase da vida. Entretanto, aqui faremos um exercício de pensar a infância em nosso país, desde esses referenciais dos quais somos herdeiros. Não para atribuir-lhes uma entidade nossa, mas para nos pensarmos desde abordagens plurais as nossas crianças que, de algum modo, acabam experimentando as cosmopercepções africanas em sua experiência na diáspora brasileira (2018, p. 585).

Flor do Nascimento (2018) aponta uma leitura de compreensão da infância desde as cosmopercepções africanas na diáspora. Abordando as categorias de memória, temporalidade e infância, em diálogo com categorias filosóficas das tradições yorubá e bantu na diáspora brasileira, carrega a imagem da infância desde a tradição da “África negra”, em diálogo crítico e criativo com a imagem trazida por Nietzsche nos primeiros discursos de Zaratustra.

Uma das interpretações da infância é a presença da inocência e do esquecimento. “Abandona-se o passado, para construir um futuro, desde o eterno presente infantil em um uso potente da liberdade [...]” (FLOR DO NASCIMENTO, 2018, p. 585). A construção da infância em diálogo com Nietzsche e com as cosmopercepções africanas em sua experiência na diáspora brasileira é compreendida como a alternativa para:

abandonar a memória ressentida, um passado que retraz dragões inimigos, que se abre à criação de um novo, com começos – será aqui dialogada com abordagens produzidas por alguns povos africanos, não com a intenção de estabelecer contradições ou entender quem “tem razão”, mas para produzirmos percepções plurais de nossas relações com a infância no Brasil, país tão influenciado por imagens ocidentais quanto por imagens advindas do velho continente negro, embora muitas vezes tendemos a não reconhecer a importância dessa última, sobretudo quando pensamos em tratar de nossas crianças, de nossas infâncias, que são herdeiras de múltiplas heranças, mas que tem parte delas negadas, ignoradas, apagadas (FLOR DO NASCIMENTO, 2018, p. 585).

A criança, na perspectiva de Zaratustra, é o início. O passado deve ser abandonado, esquecido. O que interessa é a projeção do futuro. Portanto, a ideia de criação dá-se em relação com o abandono do passado (FLOR DO NASCIMENTO, 2018). O tempo da infância tem seu plano de imanência no presente para o futuro. A temporalidade, neste caso, encerra-se no presente e no futuro. O passado é esquecido na infância, pode-se dizer, moderna ocidental. Todavia, na cosmopercepção africana o futuro é uma potência, já o presente é o acontecimento. A partir desta percepção africana de tempo, as crianças diferentemente do entendimento ocidental moderno, do tempo linear, não são vinculadas ao futuro, mas ao passado e presente (FLOR DO NASCIMENTO, 2018).

A implicação da criança com o seu passado constrói no imaginário cultural um entendimento da necessidade de saber de sua história, de seus antepassados mortos ou vivos, e após isso produzir projetos futuros. Segundo Flor do Nascimento:

O tempo com o qual a criança está conectada aqui é expresso nessa repetição do dinâmico, do instável, do incerto, com um compromisso com esse passado que a todos rege. Não há aqui um eterno retorno do mesmo, mas um eterno retorno da pirueta, que tem sempre o compromisso com o chão, que vem antes (2018, p. 589).

As crianças produzidas desde a cosmopercepção africana são ricas em memória, diferentes da criança nietzschiana: esquecimento a determina. Flor do Nascimento (2018) sinaliza que nomear uma criança nas culturas iorubá e banto, em suas diversidades, representa um movimento de muita importância para inseri-la na comunidade. Ao dar o nome para uma criança, esta situa-se no seu contexto histórico, na trilha do seu passado. A criança produz um pertencimento na comunidade.

Neste aspecto, identifica-se que a ancestralidade produzida por essa criança não é somente de descendência biológica, mas ela guarda uma cultura, uma história e memória do sujeito. Desta maneira, “podemos entender a ancestralidade como a história da comunidade, que nos conforma não apenas através da doação do material biológico, mas também de seus projetos, seus erros, acertos, expectativas” (FLOR DO NASCIMENTO 2018, p. 591).

A criança sinaliza a continuidade não em um porvir, mas no presente, na dinâmica do pensamento tradicional africano. Ainda em diálogo com a leitura de Flor do Nascimento (2018), na sessão do mesmo artigo, Infâncias e ancestralidade: a criança para o pensamento tradicional africano, não tem o significado de um novo começo, mas de uma continuidade de sua comunidade. Portanto, a relação da criança com a ancestralidade marca uma troca intensa e potente de sabedoria. A criança é a continuidade da tradição no presente. É o fio de memória da ancestralidade.

A discussão em torno do arquipélago da ancestralidade movimenta a paisagem do contínuo das filosofias africanas no Brasil. A ancestralidade é um conceito de muita força da filosofia afrodiaspórica. A ancestralidade atua como aquela que busca produzir outras realidades e, ao mesmo tempo, interpretá-la (OLIVEIRA, 2007).

Na Filosofia da Ancestralidade, a cultura territorializa-se a partir das experiências Bantus, Jejes, Nagôs e Dogons. Como afirma Eduardo Oliveira (2007b, p. 245), “a cultura é o movimento da ancestralidade”. A ancestralidade, nesse entendimento, traz a característica de enraizamento e errância. A cultura, ao mesmo tempo em que fixa uma identidade, seduz para o indeterminado.

Muniz Sodré (1988) apresenta um conceito de cultura enfeitiçado e sedutor desde a cosmovisão nagô no Brasil: a cultura não teria a lógica de sistemas, de estrutura, mas um sedutor que indetermina. A ancestralidade mobilizada pela cultura da sedução seria engajada pelo vazio. “O sacerdote negro seduz pelo esgotamento da verdade em que implica o ritual. O que enfeitiça é o vazio – do sentido, das palavras, dos regimes de veridicção – é, a visão da singularidade ritualística” (SODRÉ, 1988, p. 161).

A cultura é mobilizada pelo princípio da arkhé negra, a qual Sodré (1988) defende desde o contínuo-descontínuo africano reatualizado no terreiro de candomblé. A cultura africana brasileira enfeitiçada pelo vazio pode ser compreendida como diferença. Neste aspecto, se a “cultura é movimento de ancestralidade” e “a cultura é um vazio que nos indetermina”, pode- se chegar à seguinte paisagem: “entro nessa direção sem roteiros. O que aí se mostra são mapas de outros mapas” (PEREIRA, 2003, p. 133). A travessia da relação com a ancestralidade é uma “história à deriva” (PEREIRA, 2017c, p. 111).

A ancestralidade, a partir do entendimento de uma cultura em movimento relacionada com o signo de Papai Longoué, situa a ancestralidade como continuidade e expansão. Ela não é só passado e origem, mas presente e futuro; origem e fim. É o vestígio da possibilidade futura de outros tempos e espaços. Em diálogo com Oliveira (2007b) acerca do entendimento do tempo e espaço ancestrais: “O tempo ancestral é um tempo crivado de identidades (estampas).

Em cada uma de suas dobras abriga-se um sem número de identidades flutuantes, colorindo de matizes a estampa impressa no tecido da existência. Por isso não é um tempo linear, por isso não é um tempo retilíneo” (OLIVEIRA, 2007b, p. 246).

O tempo é compreendido como difuso, já o espaço é diverso e tem o fractal como condição. Em relação ao espaço na ancestralidade, pode ser entendido como:

O espaço da ancestralidade é pontilhado de corporeidades diferentes. É um corpo diverso, infinitamente pequeno e infinitamente grande, sua lógica é a do fractal. Pele de elefante redobrada de tempos ancestrais. Rugosidade de troncos. Antiguidade de rizomas. Itinerário de ibins (OLIVEIRA, 2007b, p. 246).

O espaço ancestral é constituído por uma diversidade de corpos. E o que faz o espaço e o tempo ancestral serem diluídos e difusos, respectivamente, é o fato de a cultura ser um movimento da ancestralidade e atuar como um vazio que indetermina. O tempo e o espaço, a partir deste entendimento, explodem a compreensão da origem única. O que prevalece são as dobras.

As vozes ancestrais que ecoam são diversas, elas potencializam, dinamizam e expandem as energias. A ancestralidade, como apresentada pela imagem que Papai Longoué representa no livro O quarto século, traduz a ancestralidade como uma recusa em morrer à produção de morte da colonialidade. O imaginário da ancestralidade mobilizado pela saliva de papai Longoué, pela palavra do Preto Velho, quilombola, mobiliza o destino individual e coletivo. É a tradução da recusa em morrer (a morte da colonialidade). As filosofias africanas e afrodiaspóricas é uma forma de resistência. E a ancestralidade é uma fonte de produção destas filosofias. A palavra anunciada por Papai Longoué é a continuidade e expansão da memória ancestral.

A palavra recria o mundo da ancestralidade. A partir da palavra, o personagem Longoué restitui um tempo e espaço ancestrais para mobilizar utopias em Mathieu. Segundo Martins:

Nos circuitos de linguagem dos Congados, a palavra adquire uma ressonância singular, investindo e inscrevendo o sujeito que a manifesta ou a quem se dirige em um ciclo de expressão e de poder. No circuito da tradição, que guarda a palavra ancestral, e no da transmissão, que a reatualiza e movimenta no presente, a palavra é sopro, hálito, dicção, acontecimento e performance, índice de sabedoria. Esse saber torna-se acontecimento não porque se cristalizou nos arquivos da memória, mas, principalmente, por ser reeditado na performance do cantador/narrador e na resposta coletiva. Combinatória e síntese de múltiplos elementos, a palavra proferida é investida de um poder de realização nas manifestações rituais de ascendência banto, muito similar à sua investidura nos rituais nagô (1997, p. 146).

A palavra é a reestruturação das territorialidades dos africanos da diáspora. A autora Leda Maria Martins compreende o poder da palavra tanto na matriz cultural bantu quanto nagô. A utilização da palavra é a tradução da sabedoria, um saber que se mobiliza de acordo com o acontecimento. A ancestralidade é mobilizada pela palavra, assim como pelo som e pela imagem. Segundo Pereira, “Nélson une-se a Jacó. O pai. A família se refaz para que a palavra não se perca. Do pó fizeram moinhos, cidades sobre o monte. No pó toda sentença se cumpre. Nélson resigna-se para o alívio de deus” (PEREIRA, 2017c, p. 97). A palavra mobiliza a ancestralidade pela narrativa. A ancestralidade, portanto, está vinculada com a narrativa.

Muniz Sodré (2017) afirma que a narrativa, ou seja, “a temporalidade narrativa” organizaria o sentido da experiência humana.

Aceitar esta perspectiva implica inserir a narrativa numa dimensão superior a uma prática cultural sócio-historicamente caracterizada, ou seja, aquela das constantes universais do funcionamento cognitivo articulado pela consciência. O sentido da experiência humana se produziria por meio de sua organização em um discurso construído sobre uma linha de pontos sucessivos, que avançam sempre: a temporalidade narrativa. Neste caso, considerando-se que ainda está em andamento o processo de lenta elaboração civilizatória da consciência, persiste a centralidade cultural da narrativa na atribuição de sentido à experiência, apesar do seu alegado esvaziamento. Ademais, o narrador tradicional continua a existir, embora de forma atenuada, em plena modernidade africana, na figura do griô, um sábio contador de histórias – análogo ao akpalô nagô, análogo ao rapsodo grego - que também canta, interpreta e dança. E como em todo o pensamento afro, a alacridade/alegria é a força se ipse augens desse movimento (SODRÉ, Muniz, 2017, p. 230).

Muniz Sodré (2017) defende a narração como um dos conectores para a manutenção e continuidade da vida. E uma imagem de muita importância para o entendimento da temporalidade narrativa produzida pelo personagem Papai Longoué, em Glissant, é a do Preto Velho. A paisagem arquetípica do Preto Velho insere o personagem nessa dinâmica espaço- temporal ancestral mítica. E tem todo rito de passagem para que o jovem Mathieu Béluse tenha acesso à memória individual e coletiva do velho quilombola Longoué. E o elemento utilizado para que o tempo e o espaço ancestrais fossem atualizados foi a narrativa. É possível compreender, neste texto, a narrativa como apresentada com o mesmo entendimento do que Leda Maria Martins (1997) chama de “A oralitura da memória”.

A palavra na “oralitura da memória”, assim como a narrativa em Sodré (2017), tem um efeito de muita importância para acessar o tempo e o espaço da ancestralidade. Por isso que o Preto Velho, representado pelo Papai Longoué, tendo as palavras do Glissant como caminho do imaginário fragmentado, reconstrói um outro imaginário. Assim como o capitão Virgolino

Motta, já em seu leito de morte, solicita para a pesquisadora Leda Maria Martins: “Não deixe o meu Reinado acabar” (MARTINS, 1997, p. 171).

A filopoética da ancestralidade mobilizada pela palavra tem na narrativa a materialização do espaço e tempo ancestral. Os personagens que percorrem esta narrativa inserem o debate desta filopoética em deriva no que o filósofo Castiano (2015) chama de uma filosofia africana da intersubjectivação. Isto é: “Basta de sabedorias sem sábios e de uma filosofia africana tradicional sem filósofos, interdialoguemos!” (CASTIANO, 2015, p. 196).

O debate em torno da filosofia africana, apresentada no primeiro capítulo, aponta para a diversidade de perspectivas no debate em torno da filosofia africana. Estabelece o diálogo entre Bidima (1995) e Imbo (1998). Entretanto, a leitura de Castiano sobre a intersubjetivação insere o debate, como estamos a compreender, na filopoética em deriva, a qual Severino Ngoenha (2014) chama de crítica da crítica.

O personagem Papai Longoué é o sábio que mobiliza os saberes ancestrais da comunidade na intenção destes conhecimentos serem perpetuados pelo mais jovem, o Mathieu Béluse. E o signo que o faz percorrer o caminho da memória é o anúncio da sua morte. A morte que amedrontava Papai Longoué era o aniquilamento de sua memória. Portanto, a morte é ressignificada na filopoética de ancestralidade.