• Nenhum resultado encontrado

A FILOSOFIA ECLÉTICA NO BRASIL

Em suas recordações de Kant lamentava Tobias Barreto não haver como rota filosófica domínio algum da atividade intelectual em que o espírito brasileiro se mostrasse tão aca­ nhado, tão frívolo e infecundo. A violência da increpação dirigia-se aos sectários do espiritualismo e, se a ênfase sob certo ângulo se justificava, há que considerar o irremediável da situação.1

Antes da Independência o governo m etropolitano sempre se m ostrara infenso à instrução e contrário à criação de esco­ las. D ispunha a Ordenação, no regulam entar o magistério, que os mestres fossem obrigados a ensinar somente a boa forma dos caracteres, as regras gerais da ortografia portu­ guesa, as quatro espécies de aritm ética simples, o catecismo e as regras de civilidade.2 Ainda em fins do século X V III, achava-se a instrução pública sob condições de permanente constrangimento policial. Em razão das idéias em voga, dis­ seminadas pelo enciclopedismo, a ação proibitória estendia-se ao comércio de livros e jornais. O ensino secundário só se ministrava nos seminários diocesanos ou em poucas escolas régias. E, mesmo com a translação da Corte e conseqüente transplante de muitos institutos do velho organismo político

1 Tobias Barreto, Q u estões V igen tes, pág. 245.

da metrópole, persistiu o estado de coisas, circunstância que explica o malogro do Instituto Acadêmico, entre cujas fina­ lidades constava o estudo das ciências políticas. Na defesa de idéias absolutistas, a provisão de 14 de outubro de 1808 proi­ bia a admissão e despacho de livros e papéis impressos, sem prévia licença do Desembargador do Paço, a cargo de quem corria a fiscalização.

Com o movimento da Independência, a situação modi- fica-se. Mas o espírito da Santa Aliança e as tendências moderadas do pensamento da Restauração uniam-se para em­ prestar às criaturas atemorizadas aquelas tendências da super­ ficialidade espiritualista. “ Então”, comentaria Sílvio Romero, “ o ensino filosófico era uma amálgama de Storcheneau e Ge- nuense, esses nomes desconhecidos na história do ensino pú­ blico dos povos cultos. Uns restos estropiados de Locke e Condillac, reduzidos a figuras mínimas pelos discípulos e co­ m entadores, e algumas laudas enganadoras, brilhantes pelo estilo e frágil pela análise de Laromiguière, tal o seu con­ teúdo. Tudo isto decorado, não para perscrutar o enigma do homem e do universo; sim para lim ar a argúcia e secundar a loquela. Depois, mais alguma vulgarização das obras de Maine de Biran, que não teve contraditores, por não ter quem o lesse, segundo diz Taine, e de Victor Cousin, que sacrificava o pensamento por amor da frase, como no-lo declara Renan, trouxe a propensão e finalmente a queda completa para o ecletismo espiritualista francês.”3

Seria o ecletismo, realm ente, a mais im portante das fei­ ções que apresentou o movimento de reação ao materialismo. O prestígio dos ecléticos franceses crescera nos meios estu­ dantis e intelectuais. Seus livros chegavam até o interior do país, como nos revelam vários autores e mesmo, em plena efervescência da década de 70, citava-se e debatia-se ainda Victor Cousin.4

3 Sílvio R om ero, A F ilosofia n o B rasil, págs. 8 /9 .

4 A u rélio Pires, H o m en s e F a to s d o m eu T em p o . “N o externato de D iam antina”, diz o autor, “F ran cisco C orreia R ab elo, professor

Victor Cousin foi a figura mais expressiva da escola. Duas obras: História Geral da Filosojia e Do Verdadeiro, do

Belo e do Bem, resumem a sua doutrina.5 Discípulo de Royer

Collard e de Maine de Biran, sucedeu ao último na cadeira de H istória da Filosofia na Faculdade de Letras de Paris. Defendeu na mocidade as doutrinas da escola escocesa, se­ guindo Collard, sobretudo a teoria de Reid da percepção im ediata,6 adotou, em seguida, um panteísm o hegeliano e acabou professando uma espécie de misticismo, com influên­ cia de Plotino, Descartes e Leibniz. Traduziu Platão, e divul­ gou as teorias mais gerais de Hegel, como a do papel dos gênios e as nações privilegiadas, chegando a um a espécie de fatalismo histórico. Diz Felix Ravaisson: “ à medida que Victor Cousin progredia em sua carreira, em bora mantivesse, se­ gundo suas próprias expressões, a bandeira do ecletismo, de fato este se reduzia, cada vez mais, a um sistema particular em que as idéias dos filósofos escoceses e algumas de Maine de Biran e de Ampère forneciam a prim eira base; sendo possível, assim, defini-lo como um brilhante desenvolvimento do semi-espiritualismo inaugurado por Royer Collard.”7

Ao continuar a tradição do sensualismo, Laromiguière havia modificado o sistema de Condillac: a sensação passiva era, segundo ele, insuficiente para explicar as funções da

de F ilo so fia e de R etórica, ensinava por interm édio das apostilas de C ou sin”, pág. 46.

D A lém do significado vulgar da palavra, justaposição sem crítica de doutrinas incoerentes, tem -se ainda o de atitude filosófica, se­ rena e antidogm ática, exprim indo a liberdade de julgar ex-sapientia m odu s, de que falava T ácito. D este últim o sentido deriva a incor­ poração ao organism o filo só fico de tudo aquilo a que diferentes sis­ tem as possam dar origem . In 18 jahrhun dert, nam entlich in Fran­ kreich, nicht nur ein K am pf gegen die bestehenden politischen Ins­ titutionen, w ie gegen die R eligion und T h eo lo g ie war, sondern ebensosehr . gegen alle M etaphysik, (im “Sinne der trunkenen Spe­ kulation”, zum U nterschied von der “nüchternen P hilosoph ie” ), D ie heilige F am ilie in Literarischen N achlass.

0 V ictor Cousin, P h ilo so p h ie écossaise, 8 .a lição, pág. 334.

7 F elix R avaisson, L a P h ilosophie en F rance au X I X .e siècle, pág. 21. T aine, L e s P h ilosophes C lassiques du X I X .K siècle, págs. 2 0 4 /2 0 7 .

Documentos relacionados