IV. A ELABORAÇÃO DAS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS
14 A u relin o Leal H istó ria C onstitu cion al d o Brasil, pág 64, Rio 1915.
Negou-se ainda a adotar a prática da nomeação pelo mo narca dos presidentes das câmaras dos deputados; atribuiu-se ao corpo legislativo a faculdade de livremente elegê-lo.
O conceito de naturalização estabelecido e a referência à emancipação dos escravos assustariam aos senhores rurais, atentos a que o conceito de lentidão estatuído pudesse ser interpretado de forma diferente pelos homens radicais que aluavam naquela prim eira assembléia política. Outras medi das, de fundo faccionário, como o projeto de Moniz Tavares, dando ao governo o prazo de três meses para expulsar do país os portugueses “ cuja conduta fosse suspeita” , levaram o Parlam ento e o príncipe a um conflito inevitável. Antônio Carlos, ao apoiar o projeto aludido, conclamava ser preciso conservar a rivalidade entre brasileiros e portugueses, porque era ela que havia de sustentar a independência. As aspira ções radicais do grupo atuante não correspondiam ao progra ma de 1822 nem à tendência dele procedente.
A todo esse movimento de tumultuoso constitucionalismo, de que participava ativamente Antônio Carlos, volvia o im perador com a linguagem de adepto de “ um a bem entendida liberdade” . Quando a crise atingiu o apogeu, a palavra de Vilela Barbosa aos constituintes esclarece perfeitam ente o que faltava aos últimos: “ alguma medida conciliadora” .
O radicalismo conduzira a Constituinte à dissolução. Tirante o movimento pernam bucano, houve um acordo geral aos termos da proclamação. Na Bahia, apesar da agitação inicial, a Junta-Governativa proclamava ao povo que o decreto pelo qual S. Majestade dissolveu a representação nacional era o mesmo que convocava um a nova assem bléia. De São Paulo, em mensagem, davam-se graças ao im perador por haver dissolvido a Constituinte; o mesmo se deu em Minas, Santa Catarina, Rio e Rio G rande do Sul. A adesão ao golpe de estado patenteia que os sentimentos de moderação, oriundos do 7 de Setembro, podiam ser sen síveis ao receio da recolonização, mas nunca estariam com prometidos com um liberalismo avançado e jacobino. O episódio de Maciel da Costa, presidente da Constituinte dis-
solvida, calha de m aneira significativa. Em bora se mani festasse, em plena crise, solidário com os parlam entares, cinco dias após o golpe aceitava participar do Ministério e seria membro da Comissão de Estado, encarregada de ela borar novo projeto. Também Vergueiro, que fora preso, quando da dissolução, pronunciou um discurso de que Pe reira Pinto extrai este trecho: “ Vamos jurar a nova lei funda mental, a Constituição do Império do Brasil. Pede, porém, a grandeza e a dignidade do objeto que o pensamento se de more sobre ele até para gozar a suave complacência de contem plar a majestosa obra, que promete a nossa felicidade e a das gerações futuras.”15
Jamais esteve o liberalismo radical mais distante dos inte resses do país. Justificando o voto da Câmara do Recife, razoa Frei Caneca, no Typhis de 10 de junho, os princípios contrários à unidade das províncias. “ Ao lê-lo”, escreve Tobias Monteiro, “ sente-se quanto em seu pensar o senti mento local estava acima do sentim ento nacional, quanto Pernambuco preocupava-o mais que o Brasil inteiro.”16 Do minado pelo radicalismo, passou a sustentar “ que cada pro víncia podia seguir a estrada que bem Ihe parecesse; escolher a forma de governo, que julgasse mais apropriada às suas circunstâncias; e constituir-se da m aneira mais condizente à sua felicidade” .17 Caneca era um símbolo daquele serôdio liberalismo, a pregar o desmembramento das diversas pro víncias, considerando-as habitadas por povos “ de diversos caracteres, que formam outras tantas nações diferentes, quan tas as suas províncias” .
A carta outorgada em 1824 trazia, em seu contexto, o espírito do ecletismo tendencial aspirado pela conciliação de 1822. Foi tôda ela decalcada sobre o modelo do projeto da Constituinte de 1823, mas as arestas jacobinas cuidadosa-
15 Pereira Pinto, A C o n federação d o E qu ador, págs. 7 3 /7 4 . A p u d A urelin o L eal, ob. cit., pág. 138.
16 T obias M onteiro, H istó ria d o Im pério, 1.° volum e, pág. 107. 17 Frei Caneca, O bras P o lítica s e L iterárias, págs. 40 e seguintes.
menle limadas. Em linhas gerais, as disposições eram tão generosas quanto as do projeto Antônio Carlos. Além de superior quanto à distribuição das m atérias, havia proprie dade de linguagem e melhor sistema administrativo.
A soberania popular era proclam ada fonte de todos os poderes, o que se fazia por um príncipe ao arrepio da Santa Aliança. Os direitos individuais declarados: a inviolabilidade do lar, o sigilo da correspondência, a entrada e saída livre do território com suas pessoas e bens, a exigência de culpa form ada para impor-se a prisão, os direitos de liberdade de pensamento, reunião e petição. Estabelecida como oficial a religião católica, perm itidas porém todas as outras com o seu culto particular. Considerados cidadãos brasileiros os que tivessem nascido no Brasil ou os nascidos em Portugal e suas possessões que, residentes do Brasil na época em que se pro clamou a independência, a ela aderiram. Com relação à ele- tividade dos estrangeiros, a Carta aspava a exigência do lapso de doze anos de domicílio no Brasil dos nacionais nascidos em Portugal ou seu casamento com m ulher brasileira.
A Constituição também organizara, como o projeto ante rior, a estrutura dos poderes políticos, estabelecendo as dis posições gerais e garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos. Tais garantias, ainda que abstratas e teóricas, estão escritas e protegidas pelo caráter constitucional para o efeito de não poderem ser alteradas pelas legislaturas ordinárias.
A pacificação de portugueses e brasileiros era expressa mente reconhecida nas mudanças introduzidas. Preocupação também de transferência robora-se na adoção de duas câma ras. Fugia-se do modelo francês de câmara única para evitar o radicalismo, tornando possível librar o elemento liberal com o elemento conservador. “ As assembléias tudo presu miam de si e em tudo desconfiavam dos soberanos. A segunda Câmara, m oderadora na sua essência, e a sanção do chefe de Estado, apuram as condições de utilidade pública dos projetos de lei.18