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Filosofia Existencial (Kierkegaard; Buber; Bergson; Seinism

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA (páginas 38-43)

Capítulo II – O Palco de Jacob Levy Moreno

2.1 Religioso Filosófico (até 1920)

2.1.2 Filosofia Existencial (Kierkegaard; Buber; Bergson; Seinism

Por filosofia existencial entendemos ser a corrente filosófica que se fundamenta em pressupostos do existencialismo. Este segundo, por sua vez, “privilegia o concreto, o

singular, o “vivido”, em relação ao nocional, aos conceitos, às generalidades vagas.(...) vai impor a prioridade da existência sobre a essência (...)” (Huisman, 2001,

p. 8).

Nessa seção mencionaremos os filósofos da corrente existencialista que mais foram citados por Moreno e reconhecidamente influenciaram suas idéias. Mencionaremos Martin Buber dadas as críticas de Moreno sobre o filósofo. Embora Moreno cite Buber em seus textos, não reconhece ter sido influenciado por este, ao contrário, comenta que Buber teria se inspirado em sua filosofia do encontro quando propõe a relação dialógica Eu-Tu (MORENO, 1959c). Apresentaremos os três períodos nos quais Moreno dividiu o existencialismo, incluindo, nesses o “Seinismo”, que Moreno aponta como pertencendo ao segundo período.

Na “Sexta Palestra”23, Moreno (1959b) ao solicitar a Boss a “convalidação existencial” dizendo que o desenvolvimento do existencialismo é o Psicodrama, justifica sua afirmação, iniciando a palestra dividindo o existencialismo em três períodos.

São eles: A) o protesto de Kierkegaard, B) o existencialismo heróico e sua superação, o Seinismo, e, C) o existencialismo intelectual.

Critica o primeiro, por não ter realizado sua existência, ficando apenas no mundo do conhecimento. Elogia o segundo, pois considera que os existencialistas que compreenderam esse período souberam aliar conhecimento à existência. Menciona o “Seinismo”, ciência do ser, que valoriza o momento como um fluxo natural e espontâneo da existência. Critica, finalmente, o terceiro período do existencialismo, o intelectual, no qual aponta Heidegger e Sartre como seus expoentes, que seguem a fenomenologia de Husserl e Scheller, de maneira distanciada daquela proposta por Kierkegaard.

Moreno (1959b), ainda na “Sexta Palestra” cria um diálogo imaginário entre Heidegger e Kierkegaard. Nesse diálogo, Kierkegaard protesta que Heidegger deveria iniciar seus estudos sobre “o ser” partindo dele mesmo, do próprio Heidegger. Toda a crítica que Moreno faz ao existencialismo intelectual de Heidegger é do lugar de Kierkegaard. Acusa Heidegger de manter-se nos livros e não partir para o encontro com seus leitores. É importante lembrar que Moreno criticou Kierkegaard pelo mesmo motivo, e, no entanto, colocou-se no lugar deste último para afrontar Heidegger.

É clara a identificação de Moreno com Kierkegaard, embora tenha apresentado ressalvas implacáveis ao filósofo. Vejamos então, o que Moreno ressaltou de alguns dos filósofos existencialistas presentes em sua obra.

Sören Kierkegaard (1813-1855)

As idéias de Kierkegaard24 concernentes ao seu protesto contra a Igreja cristã e contra a hipocrisia dos bispos que não admitiam serem eles mesmos pecadores, além de rebelar- se contra a filosofia de Hegel, a qual considerava muito intelectualista e racionalista, transcendendo a situação real, são os pontos nos quais Moreno (1959b) o admirou, e, de

23 A que mencionamos na Introdução deste estudo.

24 Kierkegaard é considerado o precursor do existencialismo. Nas palavras de Huisman (2001), o

fato, vemos que se afinavam com seus pressupostos hassídicos. Afinal, lembremos que o hassidismo pregava uma relação com Deus menos ideal e mais concreta e presente, sendo nesse aspecto, existencial.

Do mesmo modo, quando Moreno (1984:1973) sugere que os atores interpretem seus próprios papéis, ele convoca o homem concreto assumindo sua própria existência no palco, ao invés de interpretar papéis que não são seus, e nesse aspecto, sua postura pode ser considerada existencial.

Embora tenha admirado a filosofia de Kierkegaard e o considerado “um autor religioso-

filosófico de alto nível”, Moreno (1959b) o criticará por não ter posto em ação suas

idéias de se tornar ele mesmo um profeta, e, portanto, o chamou de “psicodramatista

frustrado”(MORENO, 1959b, p. 223). Para Moreno, Kierkegaard sabia o que deveria

fazer para ser feliz, mas não o fez. Martin Buber(1878-1965)25

Moreno apresentará a mesma posição a respeito de Martin Buber, ao considerá-lo coerente sobre a relação dialógica e filosofia do encontro, mas fechado no mundo dos livros e distante da experiência concreta, portanto, distante do encontro:

“Buber, o autor, não fala com seu próprio “eu” para um “tu”, o leitor, o “eu” de Buber não sai do livro para encontrar esse “tu”. Buber e o encontro permanecem presos no livro. Isso é escrito, abstratamente, na terceira pessoa. É uma abstração sobre o ser, e não o próprio ser. A obra de Buber é uma intelectualização daquilo que apenas tem sentido como “existência”. (MORENO, 1959c, p. 135).

Para Moreno, Kierkegaard e Buber ‘pecaram’ no mesmo ponto: teorizaram brilhantemente, mas não realizaram suas propostas, pois não saíram dos livros e partiram para um verdadeiro encontro.

25 Adentrar nas correlações entre Buber (também hassídico) e Moreno, fugiria aos objetivos de nosso

estudo. Contudo, para aqueles que se interessam recomendamos a leitura de Nudel (1994) e Fonseca (2008), que apresentam as correlações entre ambos, além das origens judaicas e hassídicas comuns.

Foi Moreno quem pôs em ação, e, portanto, sob seu ponto de vista, deu vida e sentido existencial às idéias dos filósofos.

Henry Bergson (1859-1941)

Outra figura mencionada por Moreno foi Henry Bergson tendo sido citado quando falou do conceito de espontaneidade:

“A Henry Bergson (...) coube a honra de introduzir na filosofia o princípio da

espontaneidade (embora raramente

empregasse a palavra), numa época em que os mais destacados cientistas sustentavam teimosamente, que tal coisa não existia na ciência objetiva. Mas os seus données

immediates, seu élan vital e sua durée, eram

metáforas da experiência que impregnariam toda a sua obra – a espontaneidade – mas que ele tentou em vão definir”. (MORENO, 1959a).

Moreno argumenta que o universo de Bergson não pode repousar, e, portanto, não contém o momento, que por sua vez, não comporta espaço para o surgimento da espontaneidade, que necessita de um locus nascendi para surgir.26

Nota-se que todos os pensadores que passaram pelo palco moreniano originaram-se da corrente fenomenológica existencial: Kierkegaard é considerado o precursor do existencialismo cristão (Huisman, 2001). Buber faria parte do existencialismo religioso, mas não cristão, e sim judaico. Enquanto que Bergson, além de criticar também, as ciências naturais, pregava que o homem era livre e “ressaltou que “o que existe mostra-

se” (Penna, 2006), revelando sua raiz fenomenológica existencial cujo pressuposto é

compreender “o fenômeno tal como se mostra”.

O Seinismo – a superação do existencialismo heróico de Moreno

26 Por fugir do objetivo de nosso estudo não nos aprofundaremos na relação entre Moreno e Bergson. No

entanto, para aqueles que têm interesse no assunto, recomendo a leitura de Naffah (1997) “Psicodrama - Descolonizando o Imaginário”, na qual, o autor faz uma análise aprofundada da relação entre esses dois autores.

Moreno (1959b) apontava que os existencialistas heróicos eram aqueles que deixaram os livros e o conhecimento teórico e partiram para uma experiência vivencial no mundo com as pessoas. O autor cita Leão Tolstói (1828-1910), Charles Péguy (1873-1914), Otto Weininger (1880-1903). Entretanto, coloca que suas escolhas estavam ainda num plano ético e não existencial.

O passo além, seria aliar conhecimento e existência, o que Moreno (1959b) nomeou de “Seinismo” (Sein é igual a ser), “a ciência do ser”:

“(...) a idéia de ser “Ente”27 foi realmente vivida e incorporada por alguns indivíduos históricos. Ser não tem fronteiras(...)Estende- se pelo espaço e pelo tempo, porém centraliza- se “nesta” pessoa, “neste” momento e “neste” lugar. São inseparáveis ser e conhecer. Ser é auto-suficiente; não exige conhecimentos, mas o inverso é um absurdo. Ser é uma premissa para conhecer. Partindo do saber talvez jamais atinjamos o ser.” (p. 226)

Mencionou, como um destacado expoente desse grupo, seu grande amigo de juventude, John Kellmer, que abandonou carreira universitária de filósofo e escritor, com o intuito de experimentar uma nova forma de viver. Tornou-se um trabalhador rural, vivendo com simples camponeses, apenas queria viver uma vida sem prescrições. Os existencialistas heróicos conseguiram associar conhecimento e existência. Moreno (1959b) argumenta o conhecimento somente tem sentido quando aliado à existência:

“Tornar-se um escritor existencialista talentoso jamais pode substituir uma existência verdadeira e genuinamente vivida. Por outro lado, uma existência profética que não é iluminada pelo pensamento reflexivo é igualmente inadequada. (p. 225)

Dessa forma, Moreno defendia a junção entre o conhecimento e a existência, dizendo que não pode haver conhecimento sem a existência, e viver sob essa filosofia era viver o “Seinismo”.

Moreno (1959b) fala dos dois princípios do “Seinismo”: A) “inclusão total” do ser, buscando manter ininterrupto o fluxo da espontaneidade da existência; B) “a bondade, o

aspecto naturalmente abençoado de todas as coisas existentes”. (p.226).

Na ciência do ser de Moreno, existe o abrir-se para o outro, doação de presença ao outro. Kellmer doou sua presença num modo de vida simples com pessoas simples, permitindo que o tempo seja o momento presente.

No documento MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA (páginas 38-43)

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