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4 A ATUAÇÃO DO JUDICIÁRIO FRENTE ÀS QUESTÕES RELACIONADAS AO CRITERIO DE MISERABILIDADE PARA A CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DE

4.1 FLEXIBILIZAÇÃO DO CRITÉRIO ECONÔMICO

Como já dito anteriormente, art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993 considera incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a ¼ (um quarto) do salário-mínimo. Assim, levando-se em consideração valor de R$ 937,00 (novecentos e trinta e sete reais), atribuído atualmente ao salário mínimo por meio da Lei nº 13.152/2015, para que o indivíduo seja considerado hipossuficiente economicamente a renda por pessoa que compõe o grupo familiar deve ser inferior a R$ 234,25 (duzentos e trinta e quatro reais e vinte e cinco centavos).

Tal dispositivo legal já foi questionado diversas vezes, principalmente acerca de sua constitucionalidade, visto que a Carta Magna garante um salário mínimo de benefício mensal ao idoso e portador de deficiência que não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.

Nesse contexto, Fábio Zambitte Ibrahim pondera:

Dentro do atual momento pós-positivista do Direito, aliado à reconhecida força normativa da Constituição, os princípios jurídicos constitucionais são dotados também de eficácia positiva, além das clássicas eficácias interpretativa e negativa, permitindo a demanda judicial de seu núcleo fundamental. A concessão do benefício assistencial, nestas hipóteses, justifica-se a partir do Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o qual possui, como núcleo essencial, plenamente sindicável, o mínimo existencial, isto é, o fornecimento de recursos elementares para a sobrevivência digna do ser humano. (IBRAHIM, 2016, p. 700).

O limite econômico objetivo disposto no art. 20, §3º, da Lei nº 8.742/1993 foi declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da

Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) nº 1.232. O relator na ocasião, Ministro Ilmar Galvão, afirmou que o dispositivo era constitucional, visto que a própria Constituição, em seu art. 203, V, estabeleceu que a regulamentação do benefício assistencial deveria ser realizada por meio de lei. Contudo, asseverou que tal limite só estabeleceria uma presunção de miserabilidade, ou seja, o grupo familiar cuja renda é inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo presume-se hipossuficiente economicamente.

Assim, em casos em que este limite acabasse sendo ultrapassado, o juiz poderia, diante da situação concreta, apontar outros elementos que demonstrassem a carência econômica no intuito de conceder o benefício.

Entretanto, no referido julgado, prevaleceu o entendimento do Ministro Nelson Jobim, que sustentou que caberia apenas à lei estabelecer meios de comprovação do estado de miserabilidade e esta optou apenas pelo limite objetivo de ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Revendo posicionamento anterior a partir de ressalvas criadas por instâncias ordinárias e mesmo com base nas diversas e divergentes regulamentações sobre a assistência social, optou o STF por declarar a inconstitucionalidade tanto do art. 20, § 3º, da Lei nº 8.742/1993, ao prever o critério objetivo de renda familiar per capita inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo.

Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família. 2. Art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993 e a declaração de constitucionalidade da norma pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.232. Dispõe o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/93 que “considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa portadora de deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo”. O requisito financeiro estabelecido pela lei teve sua constitucionalidade contestada, ao fundamento de que permitiria que situações de patente miserabilidade social fossem consideradas fora do alcance do benefício assistencial previsto constitucionalmente. Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes

idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993. 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (BRASIL, 2013).

Todavia, em função da potencial insegurança jurídica que a declaração de inconstitucionalidade da Lei poderia acarretar, o Egrégio Tribunal decidiu por declarar o art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993, parcialmente inconstitucional, sem pronúncia de nulidade, preservando-o até que editada nova regulamentação, a ser elaborada pelo legislador ordinário.

Nesse mesmo sentido vem se orientando a jurisprudência dos demais tribunais brasileiros. O STJ tem adotado o entendimento no sentido de que é possível a aferição do estado de miserabilidade por outros meios, a exemplo da recente ementa:

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. POSSIBILIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DA CONDIÇÃO DE MISERABILIDADE DO BENEFICIÁRIO POR OUTROS MEIOS DE PROVA, QUANDO A RENDA PER CAPITA DO NÚCLEO FAMILIAR FOR SUPERIOR A 1/4 DO SALÁRIO MÍNIMO. RESP 1.112.557/MG, REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. EXCLUSÃO DO BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO NO VALOR DE UM SALÁRIO MÍNIMO RECEBIDO POR IDOSO QUE FAÇA PARTE DO NÚCLEO FAMILIAR. APLICAÇÃO, POR ANALOGIA, DO ART. 34, PARÁG. ÚNICO, DA LEI 10.741/2003 (ESTATUTO DO IDOSO). ENTENDIMENTO CONSOLIDADO NO JULGAMENTO DO RESP 1.355.052/SP, JULGADO SOB O RITO DO ART. 543-C DO CPC/1973. AGRAVO REGIMENTAL DO INSS A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Esta Corte, no julgamento do REsp. 1.112.557/MG, representativo de controvérsia, DJe 20.11.2009, pacificou o entendimento de que a limitação do valor da renda per capita familiar não deve ser considerada a única forma de se comprovar que a pessoa não possui outros meios para prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, pois é apenas um elemento objetivo para se aferir a necessidade, ou seja, presume-se absolutamente a miserabilidade quando comprovada a renda per capita inferior a 1/4 do salário mínimo.

2. Do mesmo modo, firmou-se a orientação, na análise do REsp. 1.355.052/SP, julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, de que o art.

34, parág. único da Lei 10.741/2003 deve ser interpretado analogicamente, de modo que outros benefícios já concedidos a outro membro da família possam ser excluídos do cálculo da renda familiar para fins de concessão de benefício assistencial.

3. Agravo Regimental do INSS a que se nega provimento. (BRASIL, 2017)

A TNU já havia adotado tal entendimento em 2004, quando da edição de Súmula nº 11, que posteriormente foi cancelada:

A renda mensal, per capita, familiar, superior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não impede a concessão do benefício assistencial previsto no art. 20, § 3º da Lei nº. 8.742 de 1993, desde que comprovada, por outros meios, a miserabilidade do postulante. (BRASIL, 2004).

A TNU, mais recentemente, reafirmou o entendimento e em alternativa ao limite de ¼ (um quarto) do salário mínimo disposto na Lei nº 8.742/1993, editou Súmula nº 79 que dispõe sobre a elaboração de laudo técnico por assistente social para aferição da condição socioeconômica do postulante ao amparo social:

Nas ações em que se postula benefício assistencial, é necessária a comprovação das condições socioeconômicas do autor por laudo de assistente social, por auto de constatação lavrado por oficial de justiça ou, sendo inviabilizados os referidos meios, por prova testemunhal. (BRASIL, 2015)

No que tange ao critério objetivo, importante salientar que, à época do julgamento que o considerou constitucional, o parâmetro utilizado foi o do salário mínimo em vigor naquele momento. Com o avanço da inflação e os reajustes do mínimo, é possível que a utilização do salário mínimo como balizador traga ainda mais distorções, distanciando-se dos objetivos constitucionais. Ademais, ao utilizar o salário mínimo como base, o legislador deixou de considerar a diferença do custo de vida existente entre as regiões do país, e, inclusive, dentro dos próprios estados.

É evidente que um parâmetro fixo e aleatório mostra-se pífio quando visa a definir quem se encontra em situação de vulnerabilidade social. Não restam dúvidas que somente através da análise individualizada do caso é possível concluir se a pessoa que se candidatou ao recebimento do benefício de fato necessita estar amparada pela assistência social.

Ocorre que essa análise caso a caso demanda uma maior complexidade na seara administrativa, exigindo a realização de diligências a fim de certificar as condições de habitação do pretenso beneficiário, a composição do grupo familiar, os

gastos com saúde, alimentação, vestuário, transporte dos membros da família. Somente diante dessas informações é possível ao juiz tomar conhecimento da presença da miserabilidade no grupo familiar do idoso ou deficiente.

Assim, se o julgador, após análise detalhada do caso concreto, entender que se encontra presente a situação de hipossuficiência econômica, estaria agindo de forma contraditória ao não conceder o benefício em razão da renda ser superior ao limite legal.

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