• Nenhum resultado encontrado

Região Florística do Sudeste (Floresta Ombrófila Densa, Floresta Estacional Semidecidual, Floresta Estacional Decidual e Savana)

No documento Manual técnico da vegetação brasileira (páginas 62-65)

Do Escudo Atlântico, onde estava refugiada a flora que originou parte da atual cobertura florística da Região Sudeste, partiu a maior parte das espécies que revesti- ram o Planalto do Juratriássico meridional brasileiro.

Na grande área montanhosa atlântica, a cobertura florestal do Pliopleistoceno era do tipo ombrófilo denso (pluvial tropical). Porém, atualmente, esta floresta se restringe a poucos agrupamentos isolados nas encostas voltadas para o mar, nos Estados do Espírito Santo, do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Santa Catarina. Nessa faixa serrana, onde se inclui a Serra da Mantiqueira, existem refúgios isolados da antiga “floresta de coniferales” (Araucaria-Podocarpus), que dominou áreas das plataformas mesozoicas do hemisfério sul (África-Austrália-América do Sul), além de outros refúgios mais numerosos da flora das angiospermas.

Desses refúgios partiram as atuais espécies que revestiram não só o grande Planalto do Juratriássico, despovoado pelo intenso vulcanismo que imperou nestes períodos e que durou até o Terciário (já na faixa fronteiriça entre os Estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul), seguido de deposições eólicas cretácicas (ALMEIDA, 1954; SCHOBBENHAUS; CAMPOS, 1984; RIZZINI, 1997), como também os pediplanos da Bacia do Rio Paraná, onde foram descapeadas consideráveis áreas basálticas.

Assim, a flora dessas áreas teve influência do Escudo Atlântico, primordialmente no planalto situado acima dos 500 m de altitude, e das encostas marítimas situadas a partir do sul da Bacia do Rio Doce. Sendo bastante misturada com espécies de gênese afro-amazônica e austroandina nos baixos planaltos situados na Bacia do Rio Paraná, nos Estados de Minas Gerais, São Paulo e Paraná.

Seguindo o raciocínio de que cada núcleo de dispersão teve um processo de especiação independente, em níveis hierárquicos de famílias e gêneros, logica- mente suas espécies são às vezes ochlospecies, que se distribuem pelo País inteiro, tornando-se então difícil localizar o seu ponto de origem. Pode-se, assim, com base em levantamento florísticos, como, por exemplo, o de Veloso (1945), Veloso e Klein

(1957), Leitão-Filho (1987) e listagens específicas incluídas nos 34 volumes da série

Levantamento de recursos naturais (32 publicados pelo Projeto RadambRasil e dois

pelo IBGE, no período de 1973 a 1987), atribuir-se aos refúgios situados no Escudo Atlântico a dispersão dos seguintes ecótipos, com gêneros e famílias:

a) Araucaria angustifolia (Bertol.) Kuntze (pinheiro, Araucariaceae) - ecótipo de gênese antiga, provavelmente do período Juratriássico australásico-andino antigo, adap- tado aos ambientes Alto-Montanos da Serra da Mantiqueira, de onde se expandiu recentemente, através do sistema hidrográfico do Rio Paraná para o Planalto das araucárias ou Planalto Meridional, onde passou a dominar;

b) Podocarpus lambertii Klotzsch Ex. Endl. (pinheirinho, Podocarpaceae) - ecótipo companheiro da Araucaria, existe com maior frequência nos pontos mais elevados do Planalto Meridional. De gênese também antiga, mas com dispersão bem maior, é considerado o único gênero tropical das Coniferales no hemisfério sul, sendo que o ecótipo P. sellowii atinge até a Amazônia;

c) Drymis brasiliensis Miers (casca-d’anta, Winteraceae) - ecótipo adaptado aos pontos elevados das serras e planaltos do Brasil Meridional, de gênese antiga e australásico-andina;

d) Ocotea catharinensis Mez (canela-preta, Lauraceae) - ecótipo mais comum nas áreas meridionais brasileiras, tem gênese em família pantropical, sendo uma ochlospecie que ocorre desde a Serra dos Órgãos até as encostas marítimas do Planalto sul- rio-grandense, dominando, porém, principalmente nas formações Montanas do Estado de Santa Catarina;

e) Cabralea canjerana (Vell.) Mart. (canjerana, Meliaceae) - de família pantropical, é um ecótipo com origem no Escudo Atlântico, estendendo-se por toda a região florística sudeste;

f) Lithraea brasiliensis Marchand (pau-bugre, Anacardiaceae) - ecótipo mais comum nas áreas meridionais, sendo de família pantropical; e

g) Schinus terebinthifolius Raddi (aroeira, Anacardiaceae) - família de origem pan- tropical, com gênero de gênese nas áreas meridionais e com ecótipos ocorrendo desde a restinga até as formações florestais dos Estados do Espírito Santo, Rio de Janeiro, São Paulo, Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul.

Os exemplos acima mencionados estão de acordo com a linha de pensamento aqui apresentada, de dispersão de ecótipos advindos de refúgios situados no Escudo Atlântico. Por último, destaca-se a ocorrência de ecótipos do gênero Stryphnodendron dentro das formações florestais semideciduais. Estes se adaptaram muito bem ao ambiente savânico, principalmente nos tabuleiros terciários da Bacia do Rio Paraíba do Sul e ao longo de quase todos os afluentes da Bacia do Rio Paraná, no Estado de São Paulo, além de dominarem todas as disjunções da Savana (Cerrado) dos Estados de São Paulo e Paraná.

O planalto interiorano, recoberto pelos arenitos cretácicos Bauru e Caiuá, apresenta um revestimento florestal estacional bastante uniforme, dominado por macrofanerófitos emergentes da Aspidosperma polyneuron Müll Arg. (peroba-rosa), de família cosmopolita pantropical.

Esta Floresta Estacional Semidecidual, reduzida atualmente a uns poucos agru- pamentos, na década de 1950, ainda conservava sua imponência. É caracterizada por

espécies advindas da Amazônia, através das florestas-de-galeria, que conservaram seus caracteres fenotípicos, mesmo passando pela grande região savânica. Assim, as

ochlospecies Anadenanthera colubrina (Vell.) Brenan (angico-preto, Fabaceae Mim.), Copaifera langsdorffii Desf. (pau-d’óleo, Fabaceae Caes.), Schefflera morototoni (Aubl.)

Maguire, Steyern. e Frodin (morototó, Araliaceae), Handroanthus chrysotrichus (Mart. Ex DC.) Mattos (ipê-amarelo, Bignoniaceae), Hymenaea stigonocarpa Mart. ex Hayne (jatobá, Fabaceae Caes.), Myracrodruon urundeuva Allemão (aroeira, Anacardiaceae),

Tapirira guianensis Aubl. (tapiririca, Anacardiaceae), Protium heptaphyllum (Aubl.)

Marchand (almécega, Burseraceae), e muitas outras que se restringiam às florestas- de-galeria na Savana (Cerrado), ao atingirem o planalto subtropical, com chuvas bem-distribuídas e temperatura média de 18o C, passaram a dominar a paisagem juntamente com a espécie Syagrus romanzoffiana (Cham.) Glassman (baba-de-boi, Arecaceae), também uma ochlospecie, mas advinda de refúgios situados no Escudo Atlântico, provavelmente na Serra da Mantiqueira.

Para terminar a exposição sobre as possíveis origens da vegetação brasileira, é necessário abordar a cobertura campestre do sul. Em primeiro lugar, tratar-se-á do revestimento gramíneo-lenhoso raquítico situado no Planalto Meridional, que ocupa os Neossolos Litólicos Plínticos das “cabeças dos interflúvios do derrame basáltico”, como, por exemplo: os Campos de Guarapuava, no Estado do Paraná; de Santa Bár- bara, no Estado de Santa Catarina; e os de Vacaria, no Estado do Rio Grande do Sul. A origem destes campos foi amplamente discutida por Ihering (1907) e por Pauwels (1941), que tentaram mostrar que são mais antigos do que as atuais flores- tas, além de indicarem os limites bem-marcados desses campos e das florestas que os envolviam. Em segundo lugar, vêm os campos da chamada Campanha Gaúcha, estudados por Lindman (1906). Estes campos, atualmente descaracterizados e consi- derados como disjunções da grande Estepe sul-americana ou prairies do continente americano (Pampa), ocupam áreas com litologias diferentes, marcadas por clima ombrófilo, com chuvas bem-distribuídas durante o ano e temperatura média de 18o C, suavizada no inverno. A florística destes campos, bastante uniformizada pelo fogo anual e pelo intenso pisoteio, foi dominada por espécies do gênero Stipa, cosmo- polita, que ocorre com maior frequência nas estepes da Zona Holártica. Atualmente, os gêneros intertropicais Aristida, Andropogon e Panicum dominam estes campos, intercalados por plantas lenhosas raquíticas das famílias Compositae, Verbenaceae,

Euphorbiaceae e Myrtaceae. Às vezes a Estepe é interrompida por nanofanerófitos

que lhe emprestam o caráter de “campo sujo” no dizer de Lindman (1906). Este campo é dominado por espécies dos gêneros Schinus, Lythraea, Heliatta e Astronium, que constituem uma fisionomia ecológica de “Estepe florestada”, de acordo com a densi- dade destes nanofanerófitos, que chegam a atingir de 5 a 10 m de altura.

Concluindo o tópico Dispersão florística regional, é abordada a existência de dois tipos de ecótipos que, potencialmente, indicam diferentes genótipos. O primeiro apresenta variações fenotípicas conforme o ambiente que ocupa, sendo capaz de ori- ginar novas espécies quando exposto novamente a ambientes similares aos originais, ainda que bastante longe de sua área-origem. Então, geneticamente, este ecótipo pode sofrer mutações, originando novos gêneros, como, por exemplo, Salvertia, originado de Qualea, e Callisthene, originado de Vochysia. Tais gêneros da família Vochysiaceae mutaram na escala do “espaço-tempo” biológico-geológico, afetado por grandes ocorrências geológicas. Na atualidade, as devastações, queimadas e manipulações

genéticas causadas pelo homem podem apressar tais eventos evolutivos. O segundo tipo, a chamada ochlospecie, mantém o caráter fenotípico nos mais variados ambientes por onde passa. Mostra, aparentemente, total indiferença pelas variações pedológicas e microclimáticas, o que parece indicar uma fixação genotípica indiscutível, provando tratar-se de uma espécie e não de simples ecótipo adaptado a ambientes e que iriam constituir as “falsas espécies fenotípicas”.

A hipótese acima descrita necessita de comprovação para se tornar princípio na botânica sistemática. Este é um trabalho para a comunidade científica dos sistematas.

Classificação da vegetação brasileira

No documento Manual técnico da vegetação brasileira (páginas 62-65)

Documentos relacionados