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Foto 68 – A chuva

4.7 A FLORESTA DA TERRA

Sertão é isto: o senhor empurra para trás, mas de repente ele volta a rodear o senhor dos lados. Sertão é quando menos se espera; digo.

(ROSA, 2001, p. 302) DIA 2 DE AGOSTO:

O Encontro deste dia teria muitas surpresas. A primeira foi um pedaço de corda de sisal73. As crianças gostaram muito de brincar de pular, de passar em várias alturas e de se equilibrar na corda. Estas brincadeiras passaram a integrar as atividades iniciais de aquecimento e integração, dos começos das manhãs seguintes. A corda já era sinal da Feiticeira que estava mais próxima de nós, com suas raízes.

73 Havia comprado metros de corda de sinal para experimentarmos com os jovens-atores, compondo o figurino e a cena da Feiticeira. Separei um pedaço para que as crianças pudessem brincar.

Foto 59 – Brincadeira com a corda no palco do Teatro Ereoatá.

Depois de muitas brincadeiras com a corda, propusemos a brincadeira Tatararatatindolê. Enquanto brincavam de passar pelo túnel dessa brincadeira, os jovens rapidamente e mperceptivelmente, organizaram a Floresta da Terra ao fundo do palco, com os tubos de pano marrom. Então, Rubenval disse com surpresa: –“Vejam!” As crianças olharam para onde o Viajante apontava e viram um tubo esticar-se na horizontal e outro na vertical, animados pelas quatro jovens-atores. Então, o menino Felipe disse: – “É a Floresta da Terra”. Então, perguntaram: – “Quem é você?”

E Terra respondeu pelas vozes dos jovens: – “Eu sou a Terra”. As crianças, por um segundo, pararam perplexas diante daquele ser, e nós também. O que fariam daquela imagem tão inusitada?

De repente correram para entrar no buraco, de uma só vez. Nós as ajudamos a se organizarem, em uma fila. Esta era uma travessia-brincadeira bastante difícil, pois seguiam, uma atrás da outra, agachadas, sem poder parar, até chegarem à parte vertical (que na escrita dramatúrgica convencionamos chamar de Caverna), que tinha a abertura voltada para cima, onde havia ar. Nesse lugar de chegada, todos podiam ficar de pé, mas amontoados, sem conseguirem sair, pois a altura era bem maior do que a deles. Rubenval, que estava ao lado dessa saída, acompanhava a chegada de cada criança, fazendo-as esperar pelas outras, para verem juntas como sairiam daquele lugar. A euforia era enorme na passagem do túnel e na caverna, as crianças a expressavam com gritos, comentários, abraços, reclamações.

O menino João era o último da fila, depois de Gustavo. Enquanto seus companheiros entravam na Floresta da Terra e experenciavam esta euforia, ele se lembrou que se perderia, então, veio até mim e rapidamente me disse: – “Como eu vou me perder?”.

Mostrei a ele um círculo que estava no chão, mais afastado, era um buraco. João voltou para a fila, muito feliz e demonstrou, comicamente, que estava distraído e, de repente, pulou para dentro do círculo – ou seja, no buraco. Eu o ensinei a segurar o bambolê, esticando o pano para cima, para que desaparecesse, dentro da estrutura de pano vertical. Ele, compreendendo esta convenção teatral, começou a se retorcer e gritar por ajuda, de forma muito divertida, segurando o tubo de pano com os braços bem esticados para cima e contorcendo-o.

Eram três dimensões paralelas de ação que ocorriam simultaneamente: João no buraco separado dos outros, pedindo ajuda; as crianças juntas na Caverna, pedindo para Rubenval ajudá-las a sair e Gustavo, na parte horizontal, ainda atravessando o túnel. Os jovens-atores seguravam firmemente os bambolês grandes para que a travessia acontecesse dentro da Terra. S crianças não ouviam João gritar dentro do buraco, pois gritavam também. Todos nós tentávamos superar as dificuldades da Floresta da Terra. Como encenadora, tinha eu de exercitar um olhar de dentro e de fora, achando saídas para a encenação, em muita sintonia com meus parceiros.

Esperamos Gustavo chegar até a caverna, e indiquei que Rubenval, com a ajuda de uma das jovens, ajudasse as crianças a saírem. João continuava gritando por socorro, se contorcendo cada vez mais freneticamente, dentro do buraco feito de pano.

O alvoroço entre as crianças que estavam na caverna aumentava, elas queriam sair. Rubenval com a ajuda do jovem Gabriel tirou-as de lá. Então, perguntei à elas: – “Estão todos aqui?” As crianças se entreolharam, pressentindo que alguma surpresa estava por vir. Rubenval começou a contar as crianças e elas fizeram silêncio. Ele disse: – “Está faltando um”. Então, as crianças ouviram os gritos de João. Perguntei quem iria ajudar João a sair do buraco. Todos queriam ir. Eu disse que teria de ser somente uma criança e que para chegar até o amigo, teria de voltar pelo mesmo caminho que fizeram (afinal, toda a brincadeira tem regras, a as crianças sabem e gostam que assim seja).

Começou, então, um embate para que decidissem quem ajudaria João, todos gritavam ao mesmo tempo, pedindo a Rubenval que os deixasse salvar o amigo. Nós esperávamos que resolvessem, e já sentíamos certa angústia no meio daquele impasse. Até que Vinícius, o Menino-Tradutor, imperativamente, disse: – “Eu vou!”. E todos aceitaram prontamente. Na Floresta da Terra, o jogo/cena se revelava com uma intensidade firme. Era uma experiência

exigente de escuta e de autonomia, bastante exigente e libertadora para nós, adultos e crianças.

Rubenval ajudou Vinícius a entrar na caverna para que fosse ao encontro de João. Os dois inventaram uma cena cheia de humor para o resgate, sem nenhuma interferência nossa. Todos nós nos deliciamos ao assisti-la, do outro lado do palco, até que entraram no buraco da Terra em nossa direção e foram resgatados da Caverna por Rubenval e Gabriel.

Já era hora de irem para suas casas, então, formamos uma roda para conversarmos como foi essa travessia e o que viria pela frente. Uma criança explicitou a vontade de todas (inclusive a minha): – “Maria Eugênia, vamos continuar a brincadeira amanhã?!”.

Todos estávamos animados com os feitos que conseguimos realizar e ansiosos pelos desafios que encontraríamos pela frente, através dos quais, mais uma vez, exercitaríamos a nossa coragem e união.

Repercussão: Nós, adultos parceiros, tínhamos que inventar os novos desafios, em meio a outras inúmeras atividades paralelas ligadas ao nosso projeto. Por isso mesmo, os nossos encontros no meio da semana foram se ampliando. Era mesmo uma aventura valorosa, em muitas dimensões que cumpríamos juntos.

A repercussão desse Encontro de Criação pela Floresta da Terra me fez achar, dias depois, em minha casa, uma pedra em forma de coração, que guardava como um amuleto de amor. A pedra sólida, arredondada em tonalidades avermelhadas, naquele momento, foi um sinal que recebia da Terra que sabia da amizade que eu sentia pelas crianças e parceiros Ereoatá. Decidi levar a pedra-coração para o próximo Encontro de Criação para que fosse encontrada por Gustavo no túnel da Terra. Não sabia exatamente o que menino faria com a pedra-coração, apenas intuía.

Foi muito comovente perceber a concentração das crianças ao ouvirem a história sobre a pedra que eu ganhei e que guardava num lugar especial de minha casa e depois ouvir o menino Gustavo dizer que cuidaria dela. Descobriríamos, todos juntos, o que nela pulsava e saberíamos acolher seus sinais na criação.

O burrinho-marionete do teatro Ereoatá também aparecia em meus devaneios pela Floresta da Terra. Ele sempre nos acompanhou nas atividades da Rede Ser-tão Brasil como um verdadeiro totem sertanejo. Era a hora de aparecer para ajudar a saída das crianças do fundo da terra. Demonstraria sua força, disposição e doçura, tão caras às crianças.