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2.2 FLUÊNCIA ORAL: ALGUMAS PERSPECTIVAS

2.2.3 Fluência oral em sentido amplo e restrito

Uma das perspectivas na conceituação de fluência que se destaca na literatura é a posição de Lennon (1990b): para definir o termo, esse autor aponta que a fluência oral é usada em dois sentidos - um amplo e um mais restrito.

Em sentido amplo, a palavra fluência é usada como sinônimo de proficiência oral global em LE, relacionada a um alto comando da língua e seu uso efetivo, capacidade, continuidade, ausência de esforço, facilidade de expressão, como explica Chambers (1997). Segundo essa autora, numa terminologia leiga, do senso comum, ser fluente é entendido como ser proficiente numa dada língua, com 100% de domínio, como sugere o exemplo do dicionário citado anteriormente na seção 2.1: Ela é fluente

em francês. E é geralmente assim que a produção oral não-nativa é descrita em

sentido não especializado (e também por muitos professores de línguas e pesquisadores): em termos de ser fluente ou não, isto é, saber tudo ou não saber.

Um dos primeiros estudos a investigar fluência aparenta basear-se nesse sentido amplo da palavra. Em artigo seminal de 1979, Fillmore (2000)24 definiu fluência (referindo-se à habilidade oral em L1) de quatro maneiras distintas: a) habilidade de falar longamente, com poucas pausas, preenchendo o tempo com conversa; b) capacidade de falar sem hesitações e expressar a mensagem de modo semanticamente denso, fundamentado e coerente; c) saber o que dizer em um amplo número de contextos; e d) ser imaginativo e criativo no uso da língua. Acrescentou ainda que um falante altamente fluente tem todas essas habilidades mencionadas. Concordo com Kormos e Dénes (2004) quando alegam que não é claro como essa conceituação difere da definição de proficiência oral global.

Um risco dessa visão de fluência como domínio total é que ela geralmente se associa a um ideal de fala perfeita (KOPONEN; RIGGENBACH, 2000). Para esses pesquisadores, é histórico esse significado de fluência como fluxo, harmonia e continuidade, envolvendo características temporais, acústicas e fonéticas da fala, mantido não só por imperitos, no uso cotidiano da palavra, como também na área educacional. Corroboro a afirmação desses autores quando escrevem que, nesse ângulo, a fluência está relacionada, sobretudo, a rapidez na fala, boa pronúncia e

24 O artigo de Charles Fillmore, “On Fluency”, utilizado neste trabalho trata-se de uma reimpressão do original de 1979.

precisão gramatical – quesitos geralmente utilizados como referência nos esquemas de avaliação oral.

Esse ideal de perfeição no desempenho oral, como pontuam Chambers (1997) e Guillot (1999), se mescla com a noção de “falar com um nativo” (native-like speech), expressão comumente usada para descrever o falante “competente” de LE. Embora o próprio nativo talvez não fale com tal facilidade e clareza, por exemplo, ou não tenha o domínio total de sua L1 em todas as ocasiões, ele muitas vezes se torna um modelo linguístico. Em tempos em que se discute o inglês como língua internacional, ou o

World English25 (RAJAGOPALAN, 2009), ainda é notável, pelo menos na escola em que esta pesquisa ocorreu, a admiração de grande parte da comunidade escolar pelo falante nativo quando eventualmente há a visita de algum professor, artista, autoridade ou intercambista estrangeiros.

Nesse contexto, a admiração pela fala nativa marca, entre outras coisas, o foco que recebeu o ensino de pronúncia até a primeira metade do século XX: o alcance do sotaque nativo “perfeito” (LIMA, 2009). Segundo essa autora, atualmente, a mudança no foco sobre comunicação em LE não se preocupa com a questão do sotaque dos aprendizes de inglês, por exemplo, resguardado o desejo particular daqueles que buscam um sotaque nesses moldes:

Devido à expansão e domínio desse idioma, finalmente, chegou-se à conclusão de que não há um sotaque nativo de referência para todos aqueles que estudam e ensinam o inglês como LE. Resultado da impossibilidade de eleger o modelo a seguir; de defender o inglês “mais correto”. Para que se tenha uma ideia, os Estados Unidos, maior nação que tem o inglês como língua nativa, detinha, em 1997, apenas 20% do inglês falado no mundo todo. (LIMA, 2009, p. 71).

Diferentemente de seu sentido em uso popular, fluência, em sentido restrito, é utilizada tecnicamente, de modo especializado (LENNON, 1990b; CHAMBERS, 1997; SCARAMUCCI, 2000): constitui um dos aspectos ou descritores da proficiência e aparece, nos exames de proficiência26, ao lado de elementos como precisão gramatical ou complexidade sintática, extensão vocabular, pronúncia, uso de expressões idiomáticas e “collocations”, dependendo do exame e de seus objetivos,

25 Ver também Davies (2004) ou Rajagopalan (2004), por exemplo.

26 Os exames de proficiência são independentes de um currículo, material didático e plano de estudos. São exemplos os testes padronizados em larga escala TOEFL e IELTS. A avaliação da aprendizagem ou de rendimento baseia-se num programa de curso, como, por exemplo, o currículo escolar (HUGHES, 2003).

e presente em diferentes níveis27. Isso implica dizer que, nessa ótica, um falante pode ser fluente mesmo apresentando erros de gramática ou pronúncia, por exemplo.

Segundo Scaramucci (2000), é desse modo que a fluência oral tem sido vista desde meados da década de 1980 no contexto de ensino comunicativo: ela estaria presente em qualquer nível de proficiência. E com relação à proficiência, que também é vista em sentido amplo e especializado, continua essa autora, “em vez de uma proficiência única, absoluta, monolítica, baseada naquela do falante nativo ideal, teríamos várias, dependendo da especificidade da situação de uso da língua” (SCARAMUCCI, 2000, p. 14).

Em sentido restrito, entretanto, Lennon (1990b) limita o conceito de fluência pelas suas características temporais, aspectos passíveis de mensuração. Dez anos depois, esse autor (2000) retoma seus conceitos convencido de que a mera contagem mecânica das marcas superficiais da fala em LE não engloba a multifuncionalidade da língua, com funções retóricas e comunicativas no discurso – em que concordo com ele. Pausas significam várias coisas. Para esse autor, as variáveis temporais são apenas a ponta do iceberg como indicadoras de fluência: variam de acordo com o falante (inclusive o nativo), o assunto, a situação, o interlocutor. Como argumenta Brumfit (1984), os conceitos de Fillmore (2000) que relacionam a fluência à proficiência oral global, adequados ou não, trouxeram para o debate a questão da importância do contexto.

Lennon (2000), então, “sintetiza as definições anteriores” (KORMOS; DÉNES, 2004, p. 146) e propõe uma definição funcional de fluência como a rápida, harmônica, precisa, lúcida e eficiente tradução do pensamento ou intenção comunicativa em linguagem, sob as restrições temporais do processamento conectado. Para esse autor, tal conceito se aplica, em princípio, ao falante nativo e ao aprendiz de LE, englobando as habilidades de falar/ouvir e ler/escrever.

Tendo em vista os conceitos discutidos nesta seção e com base nas definições de fluência propostas por Lennon, em 1990b e 2000, e destacando o que considero de mais relevante para o ensino-aprendizagem de inglês LE hoje, concebo fluência

27 O certificado internacional IELTS – International English Language Testing System -, por exemplo, avalia as habilidades orais em língua inglesa numa escala de 1 a 9, examinando os aspectos fluência e coerência (fluency

and coherence), recursos lexicais (lexical resource), extensão gramatical e precisão (gramatical range and accuracy) e pronúncia (pronunciation). Disponível em: <www.ielts.org>. Acesso em: 09 jan. 2018.

oral, nesta pesquisa, como componente da proficiência que representa a tradução do

pensamento ou intenção comunicativa em linguagem, apesar de uma CC limitada, de modo ágil, lúcido, preciso, contínuo e natural, e variável conforme o contexto e o propósito do uso da língua. “Ágil” refere-se à prontidão, sem lentidão inapropriada, incluindo entender uma fala mais rápida; “lúcido”, a expressar-se de forma clara e compreensível para o seu interlocutor; “preciso”, a falar de fato aquilo que se intenciona; “contínuo”, a manter a interação, observando as hesitações ‘normais’ da fala; e natural, à fala espontânea, sem ensaios e sem atenção focal às estruturas gramaticais da língua.

De modo geral, os estudos de fluência oral têm atualmente tomado dois caminhos: o da visão cognitiva e o da visão linguística. Segundo Fulcher (2013), ambos pretendem descrever as marcas observáveis da fluência na fala, afinal, fluência é um construto, isto é, deve possuir elementos observáveis que, juntos, a definam, para que ela seja mensurável. Entretanto, a escola cognitiva tem focalizado os aspectos da fluência cognitiva e dos processamentos psicolinguísticos da produção oral (LEVELT, 1989), como velocidade da fala e pausas (hoje medidas com tecnologia de ponta), prestando rara atenção à língua como meio de comunicação e às interações sociais. Concordo com Fulcher (2013): a escola linguística reconhece a grande relevância da visão cognitiva e suas inferências, mas vai além – não há uma única explicação para as disfluências, que, em outro contexto, podem ser apenas marcas da nossa personalidade, comunicando nossas intenções, emoções, impressões, estilo e até desejo de silêncio. Para esse autor, nada supera o julgamento humano na mensuração de fluência.

Apresentei nesta subseção alguns conceitos de fluência oral na perspectiva dos usos do termo, um em sentido amplo, ou não-técnico, e outro em sentido restrito, ou técnico. A seguir, passo a discutir a relação entre as concepções de fluência e a avaliação da aprendizagem em contexto de ensino de línguas.