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Famílias atendidas pelo PBF

Fluxo 3: Fluxo circular da renda

Fonte: Neri (2013)

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165 Segundo o estudo supracitado, o PBF, além de apoiar a superação da pobreza e promover a igualdade, é a transferência social que, a curto prazo, gera maior expansão do PIB, ou seja, o PIB aumenta R$1,78 a cada R$ 1,00 adicionado ao PBF (NERI, 2013). Este é o chamado efeito multiplicador.

Gráfico 9: Efeitos Multiplicadores das transferências sociais sobre o PIB (em %)

Fonte: Neri (2013)

Tal efeito se justifica pelo fato de que quanto mais focalizadas são as transferências nos mais pobres, maiores são os efeitos multiplicadores, dado que essas famílias tendem a utilizar a renda proveniente do PBF em consumo imediato, o dinheiro, assim, retorna a circulação, conforme o fluxo anterior.

O PBF é considerado por Neri (2013) como um símbolo na busca da equidade brasileira, para a desconstrução da imagem criada para o Brasil da “Belíndia”.

Em outubro de 2013 o PBF recebeu o Primeiro Prêmio ISSA de excelência em seguridade social, o “Award for Outstanding Achievement in Social Security90” em reconhecimento ao sucesso do Programa no combate à pobreza e na promoção dos direitos sociais da população mais vulnerável do Brasil, concedido pela Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA) sediado em Genebra.

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- Extraído do site: http://www.issa.int/News-Events/News2/Brazilian-social-security-programme- receives-prestigious-ISSA-award

166 A ISSA é uma organização internacional voltada à promoção e ao desenvolvimento da seguridade social no mundo, atuando na produção de conhecimento sobre o tema e no apoio aos países para a constituição e aprimoramento de seus sistemas de proteção social. Fundada em 1927, a organização tem filiadas 330 organizações em 157 países.

O prêmio corrobora a relevância que o PBF vem assumindo, não apenas no cenário nacional como também no internacional, constituindo-se numa matriz de transferência de renda e enfretamento da pobreza que pode servir de inspiração e de influência para outras experiências.

3.2.4.2. Efeitos no cotidiano

As condicionalidades podem ser entendidas como instrumentos do PBF utilizadas para induzir comportamentos que possam contribuir para a promoção social das famílias. Dessa forma, novas perspectivas de inserção socioeconômica poderiam ser vislumbradas a partir do aumento do capital humano das populações mais pobres promovidas pelo aumento da escolarização dessa população e pelo cumprimento de agendas de saúde.

A intersetorialidade proposta pelo PBF favorece, apesar de problemas encontrados na articulação e na coordenação entre as instâncias – principalmente no nível municipal – o exercício de uma política pública que vislumbre as diversas dimensões relativas à questão da pobreza.

Nesse sentido, Rego e Pinzani (2013) demonstram que o PBF cria expectativa positiva em seu beneficiário em relação à educação, apesar da mobilidade social encontrar obstáculos quase intransponíveis na sociedade e, filho de pais analfabetos alcançarem o ensino superior ainda ser caso excepcional, “a maioria das entrevistadas deposita grande esperança no futuro dos filhos” (2013: 228).

A baixa escolaridade desta parcela da população resultante da evasão escolar e de uma espiral de defasagem idade-série leva a um processo no qual a pobreza é familiarmente transmitida, criando um ciclo intergeracional de reprodução desta (BRANDÃO, 2013). O PBF pretende contribuir para o rompimento desse ciclo através da permanência do aluno na escola, dado que “se a baixa

167 escolaridade constitui uma variável importante para o ciclo intergeracional de reprodução da pobreza, incluir e manter as crianças e adolescentes na escola torna- se emergencial” (BRANDÃO, 2013:232).

Essa é, sem dúvida, a grande contribuição do PBF para a educação até o momento. Todavia, é possível vislumbrar outras, através de uma inserção mais efetiva da instância da educação no programa, em outros termos, é possível ampliar os ganhos com a inserção da família no PBF com uma ação protagonista da educação não só das intervenções pedagógicas, mas enquanto um órgão que tem a possibilidade de funcionar como articulador da rede, pois é a instância que maior proximidade física, social e emocional tem com o aluno/beneficiário. Em última instância a escola está no território e dele faz parte.

A despeito dos tropeços e críticas acerca da inserção da escola no PBF, um fato positivo pode ser destacado: qual seja, o da inclusão do tema “frequência escolar” nos debates no escopo da educação – mesmo que ainda timidamente – entre os diversos profissionais. Tal aspecto é extremamente relevante uma vez que este tema estava, anteriormente, delegado apenas ao âmbito privado, enquanto questão a ser tratada apenas pelas famílias. E é somente quando um problema assume a dimensão pública é que pode ser tratado pelas políticas públicas.

Conforme resultados apresentados pela Avaliação de Impacto do Bolsa Família (AIBF)91, no ano de 2009 houve um aumento da matrícula em 4,4 pontos percentuais; bem como um aumento da progressão escolar em 6,0 pontos percentuais. A avaliação mostrou que os efeitos sobre a matrícula foram maiores no Nordeste, onde o PBF teve impacto de 11,7 pontos percentuais, já que a região apresentava as mais baixas taxas de matrícula no ano de 2005.

O estudo sinalizou, ainda, que o PBF está contribuindo para reduzir as variações regionais relacionadas ao percurso escolar dos alunos de famílias mais vulneráveis e tem efeitos importantes na manutenção dos adolescentes de 15 anos ou mais na escola, sendo que a chance de uma menina de

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- Acessado em 18/10/2013. Disponível em:

http://aplicacoes.mds.gov.br/sagi/PainelPEI/Publicacoes/AvaliacaodeImpactoProgramaBolsaFamiliaII. pdf

168 15 anos continuar frequentando a escola é 19 pontos percentuais maior se a família dela participar do Bolsa Família.

Em pesquisa qualitativa de base nacional realizada entre os meses de outubro de 2009 e janeiro de 2010 com o objetivo de mapear como professores, diretores de escola, coordenadores pedagógicos e técnicos responsáveis pelo preenchimento do censo escolar avaliavam, a partir do cotidiano de suas escolas, os efeitos nos alunos da condicionalidade de educação do PBF, Brandão (2013) destaca que as percepções dos operadores de ensino, apesar de majoritariamente serem positivas em relação ao PBF, não são consensuais.

Dentre os aspectos levantados nesta pesquisa (Brandão 2013), podemos citar como efeitos positivos do PBF segundo os operadores do ensino: o maior controle da família sobre a frequência escolar de seus filhos, no cumprimento de uma das condicionalidades, o que redundaria numa maior participação dessa família no acompanhamento do discente; o aumento real da frequência escolar; redução do trabalho precoce; a assunção da responsabilidade, por parte dos pais, sobre o controle da frequência escolar de seus filhos; a frequência como gatilho para a melhoria da educação, pois, a presença contínua e a participação nas aulas podem proporcionar um vínculo e o despertar do interesse do aluno, em outros termos, apontam que a obrigatoriedade da frequência escolar pode ser utilizada como elemento capaz de alavancar as propostas educacionais.

Segundo os operadores de ensino entrevistados, outro efeito positivo do PBF, embora não estritamente escolar, refere-se ao reconhecimento da importância da transferência de renda para a subsistência familiar, ou seja, trata-se da necessidade primeira de manutenção da vida, que é anterior à escola (BRANDÃO, 2013).

Pires (2013), em sua pesquisa, pontua o estabelecimento de um ciclo de troca e reciprocidade entre beneficiário-Estado na relação criada no recebimento do benefício e cumprimento das condicionalidades, sinaliza que esta produz um compromisso, pois envolve a formação de um sentimento de pertencimento por parte dos recebedores e da produção de vínculos sociais entre eles e o Estado. Ou seja, emerge como uma de suas consequências o fortalecimento do sentimento de compromisso social e de pertencimento social. “A participação no Programa contribui, assim, para criar e/ou fortalecer formas de

169 pertencimentos políticos que antes sequer eram exercidos em suas formas mais elementares” (PIRES, 2013:193).

No artigo “Liberdade, Dinheiro e Autonomia: o caso da Bolsa Família” Rego (2013b) afirma que o PBF produz mudanças significativas na vida dos beneficiários. E destaca que uma “dessas mudanças é o início da superação da cultura da resignação, ou seja, a espera resignada da morte por fome e por doenças ligadas a ela, drama este constante neste universo geográfico” (REGO, 2013b:26).

Ainda neste estudo (REGO, 2013b) é sinalizado que o PBF consegue impactar singularmente as vidas das pessoas, especialmente das mulheres. Através do PBF há o reconhecimento, por parte do Estado, de sua existência — que é experimentado de diferentes formas. A “aprovação do cartão em seu nome as dota de responsabilidade perante sua família e o Estado” (REGO, 2013b:29). E ainda, o recebimento de uma renda regular proporciona modificações no cotidiano, inclusive o aspecto referente à necessidade de aprender a lidar com o dinheiro para programar o sustento da família durante o mês inteiro. Essa regularidade propiciou, também, a essas mulheres a conquista da confiança dos comerciantes e das pessoas da localidade. “Ser uma pessoa confiável é um valor importante, nestas paragens” (REGO, 2013b:29).

Jannuzzi (2013b:187) analisando os resultados da segunda Avaliação de Impacto do Bolsa Família (AIBF II) revela que “as mulheres beneficiárias (...) vêm adquirindo maior autonomia e poder nas decisões familiares e na compra de bens duráveis, remédios e vestuário, comparativamente a mulheres não beneficiárias”.

Na saúde o PBF também gerou impactos efetivos, conforme análise realizada por Jannuzzi (2013b), reduzindo a desnutrição aguda e garantindo cumprimento mais regular do esquema vacinal. O consumo de alimentos aumentou nas famílias beneficiárias, melhorando, consequentemente, a disponibilidade alimentar das crianças. E, ainda, as grávidas beneficiárias do programa foram mais presentes no acompanhamento pré-natal.

“O peso ao nascer das crianças de mães beneficiárias do Bolsa Família é superior ao das crianças de mães não beneficiárias (3,26kg e 3,22kg, respectivamente). Tal fato decorreria da constatação de que, em 2009, as grávidas beneficiárias do programa apresentaram 1,6 visita de pré-natal a mais do que as não beneficiárias. Entre 2005 e 2009, o número de gestantes beneficiárias do PBF que não receberam cuidados pré-natais caiu de 19% para

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5%, queda significativamente maior que a observada entre não beneficiárias” (JANNUZZI, 2013b:185).

No que concerne à redução da mortalidade infantil, observou-se um efeito positivo do programa: esta “teria caído 17% (dezessete por cento), como consequência de redução dos óbitos devidos à desnutrição (que caíram 65%) e à diarreia (53%)” (JANNUZZI, 2013b:185).

Retomando os objetivos originais do PBF92 e os diversos estudos abordados, sem dúvida é constatado o sucesso do referido Programa, com a queda da taxa de extrema pobreza no país; a ampliação do acesso aos serviços de saúde e educação por parte dos beneficiários.

O objetivo que prevê a sustentabilidade da situação de superação da miséria ainda carece de maior esforço no sentido de serem concretizadas ações, pois é o que poderá consolidar a mudança de vida do beneficiário. Todavia, é preciso considerar que este se encontra ancorado nos objetivos anteriores, que apesar de possuirem, por um lado, um caráter imediato, por outro, apresentam também uma natureza de longo prazo, em que os efeitos sociais ocasionados pelo acesso à educação na idade certa e pelo investimento na saúde preventiva serão observadas ao longo dos anos, quando as crianças de hoje se tornarem adultos.

No que concerne especificamente à educação, ou melhor, à qualidade da educação, é necessário não perder de vista que os grupos sociais que vivem na pobreza extrema, ou seja, os mais vulneráveis, encontram barreiras não só para o acesso, como para a apropriação desse conhecimento escolar. Contudo, é preciso ainda salientar que, gerar soluções para a difícil relação estabelecida entre a educação formal e a população pauperizada no Brasil ultrapassa a proposta trazida pelo PBF, mesmo considerando que o referido Programa tem impactado, como as pesquisas demonstraram, positivamente, gerando possibilidades de inserção social.

Diante do discutido, não há como ignorar, no presente estudo, a presença do PBF enquanto uma política intersetorial que incide diretamente no problema da infrequência e evasão escolar.

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- Combater imediatamente a fome através da transferência de dinheiro para os beneficiários; concretizar o acesso aos direitos sociais básicos de saúde e educação; e integrar os adultos no mercado de trabalho, através de programas de políticas complementares e integradas (não compulsórios), para que possam superar sua situação de vulnerabilidade financeira, ou seja, promover a sustentabilidade.

171 Assim, tendo por base o arcabouço conceitual trazido no primeiro capítulo, as matizes da política de educação debatida no segundo capítulo e considerando a inserção de uma política intersetorial que abarca a educação – o PBF – cabe, no próximo momento, desvelar quais são as representações que os profissionais da educação de Niterói têm acerca do fenômeno; as respostas criadas pelas políticas públicas para o problema da infrequência/evasão escolar; e, ainda, conhecer a percepção das famílias sobre educação. Estes são, portanto, temas a serem abordados nos capítulos a seguir.

172 CAPÍTULO IV