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FOGO VIVO – A ARTE DE FAZER RAPADURA: DO CAMBITEIRO AO MESTRE DO PONTO.

CAPÍTULO 2 − OS HOMENS QUE FAZIAM O TUPINAMBÁ MOER.

2.3. FOGO VIVO – A ARTE DE FAZER RAPADURA: DO CAMBITEIRO AO MESTRE DO PONTO.

em qualquer das cinco tachas de um bangüê sei cozinhar; sei cuidar de uma moenda,

de uma casa de purgar.

João Cabral de Melo Neto

Morte e Vida Severina

Os trabalhadores, com quem conversei, costumam falar das lidas do engenho com muita familiaridade e domínio do assunto. São seus relatos do cotidiano de trabalho que explicam o que cada atividade exigia de força, rapidez, resistência, conhecimento e habilidade. Eles também falam dos horários, da jornada de trabalho de seus ofícios e do que implicavam em maior ou menor controle do feitor. Nas narrativas dos operários da moagem encontram-se referências não só aos aspectos específicos de suas próprias funções, mas a todo o processo da cana, desde seu plantio. Alguns entrevistados chegam a tecer comentários sobre a maneira como as rapaduras eram comercializadas pelos patrões.

Mais do que confirmar experiências do aprendizado diversificado que estes homens vivenciaram, tal demonstração de conhecimento, no meu

entender, reflete um interesse construído cotidianamente no fabrico de rapaduras, do qual eles se sentem participantes. Isto sinaliza a dimensão que o trabalho toma em suas vidas, mas também insinua a forma como este trabalhador vê a si próprio em relação ao processo produtivo. Algo inesperado, haja vista a falta de educação formal desses homens, suas condições de trabalho, e a não existência de qualquer participação do operário nos lucros e rendimentos do engenho.

Havia, entretanto, limites para esse caráter polivalente de funções em um operário de engenho: para manter uma boa produção de rapadura de qualidade, determinadas tarefas exigiam certo grau de conhecimento empírico e adestramento que poucos homens iriam atingir. Sendo o Tupinambá um engenho movido predominantemente por trabalhadores fixos, moradores de muitos anos, pode-se acompanhar como aconteciam as especializações dos operários em determinadas tarefas.

Homens que trabalharam mais de vinte anos neste sítio e engenho, como por exemplo, Zé Gamenha, Zé Pindó, Dito Barnabé, entre outros, têm em comum nos seus relatos espontâneos, as experiências vividas em várias etapas do processo produtivo. A partir de um determinado momento em suas narrativas de vida, eles passam a tratar de uma certa constância em uma função, na qual vão adquirindo rapidez, habilidade, ganhando seu lugar. É possível discernir essas trajetórias, que indicam como aconteceram essas orientações por determinado ofício e até que ponto elas foram escolha do trabalhador, ou do patrão. Percebe-se que o proprietário, através do seu feitor fazia com que os trabalhadores fossem colocados e permanecessem nas tarefas onde podiam render mais. E esse render mais passava pela qualificação do operário: a natural e a adquirida. Zé Pindó, por exemplo, após alguns anos de trabalho na fornalha, voltou para o canavial onde havia começado a trabalhar ainda muito jovem:

Eu trabalhava na caldeirada no engenho aí me tiraram para cortar cana. Aí eu queria sair [da cana] e eles [patrão, feitor] disse: “Não. Ele não sai mais não, que ele é muito cortador de cana. Ele não vai sair de lá não. Deixa ele no corte mesmo”. Eu queria sair e não me deixaram mais sair do corte de cana.296

Fica claro que interessava mais ao patrão que Zé Pindó permanecesse no eito; um trabalho mais duro, e que ele possivelmente desempenhava bem e com rapidez. O narrador não demonstra encarar essa volta ao eito como algo ruim: ele apresenta e incorpora a justificativa do patrão

“ele é muito cortador de cana” e em outros momentos afirma: “De todo jeito eu achava bom trabalhar. Mas o ganho era fraquinho nesse tempo, o ganho era fraco, era fraco demais”. Sendo o ganho e as condições de vida fundamentais

na vida desses homens submetidos a uma vida de pobreza, neste caso em particular a diretiva do patrão acabou trazendo algo de positivo para o trabalhador. Zé Pindó e seu pai foram dos primeiros a trabalhar no regime de empreita, feita diretamente com o patrão:

E aí trabalhei muito de noite também. Cavei muita cana de noite. Tinha o interesse de ganhar, né? Na empeleita quanto mais trabalhar mais ganha. Meu pai dizia: “Meu filho vamos trabalhar agora de noite?” E eu dizia: “Vamos”. E eu sempre gostei de trabalhar mais pai e aí quando era claro de noite nós trabalhava até onze horas da noite, onze e meia. Às vezes era escuro de noite, mas no outro dia amanhecia o dia claro e nós ia quatro hora, três hora, assim da manhã. Ia cedo. Onze horas, doze horas, nós vinha almoçar, uma hora voltava de novo, era assim, até quando terminava o serviço.

Em pouco tempo o patrão o colocou como encarregado de uma propriedade próxima, em que se plantava cana-de-açúcar e onde podia usar o resto do terreno como um sítio: cultivar feijão, milho, e mesmo culturas demoradas como a macaxeira, pois não havia criação de gado: “Aí foi o tempo

que eu me casei, fui pra Bolandeira tomando conta do terreno lá e fiquei sempre no trabalho. Cortava cana, alimpava, tratava... morando lá”.297

As narrativas nos levam a perceber que a indústria da rapadura propiciava ocupação de trabalhadores nas mais diferentes etapas de produção. Desde as funções mais simples às mais elaboradas e de maior responsabilidade, sejam elas realizadas no brejo, na plantação, no transporte e no beneficiamento da cana. O eito e o engenho funcionavam como espaços complementares de trabalho, de dimensão fortemente coletiva, nos quais os homens se dividiam. Um empreendimento de caráter agro-industrial.

As atividades produtivas que aconteciam em engenhos de rapadura criavam um tipo de organização de trabalho próprio e peculiar, com um

seqüenciamento de operações com raízes no passado e que por suas dimensões e pelas proximidades dos espaços de trabalho, permitia um forte entrosamento entre as etapas agrícola e industrial. 298

No Tupinambá, as lidas da cana começavam com o plantio em áreas do brejo. A preparação da terra, a feitura dos sulcos, realizada com o uso de arado e animais, homens e enxada, só seria parcialmente substituída pelo trabalho mecânico de trator a partir 1958, ano em que este equipamento teria sido adquirido por Elony Sampaio.

A cultura da cana tem um longo ciclo vegetativo299, e no Tupinambá,

com suas melhores terras reservadas a esta cultura, as operações de plantio, que alguns trabalhadores chamavam de “cavar cana”, aconteciam sucessivamente em trechos determinados, de modo a serem alternados os trechos de cana nova. Quando cortada, a cana renasce a partir da cepa ou

soca que é recoberta. A depender da riqueza mineral do terreno, do trato dado

a terra, e da espécie de cana, esse processo vai se sustentar por dois, três, ou mais anos. Assim, costuma-se denominar plantio, a cana do primeiro ano;

soca, a do segundo; ressoca do terceiro em diante.

Da estrada que levava à cidade de Barbalha, costumava-se ver parte do canavial dessa propriedade, onde trabalhadores cavavam cana em grupos, supervisionados pelo feitor, sendo remunerados com um valor monetário fixo pelo dia de trabalho. Eram os trabalhadores do eito. 300Essa forma de trabalho,

mesmo realizada por homens livres, era em quase tudo semelhante (inclusive nos instrumentos), à realizada em épocas anteriores nos canaviais, por grupos de escravos enfileirados, vigiados de perto por um feitor — o eito. A designação persistiu e passou a representar também o espaço de trabalho no Cariri e em outras regiões canavieiras.

No Tupinambá dos anos 1960, o empregador começou a utilizar, concomitantemente aos pagamentos por diária — para o trabalho individual

298 Sobre as similaridades entre as seqüências de operações de engenhos de rapadura do

século XX e dos engenhos do passado colonial é interessante ver o detalhamento da fabricação nestes últimos em FERLINI, op. cit.,, capítulo III e SCHWARTZ, Segredos internos:

engenhos e escravos na sociedade colonial, op. cit., Parte II, itens 5 e 6.

299 A moagem acontece entre 13 e 18 meses após o plantio. Ver ANDRADE, op. cit., p.91. 300 Segundo Lygia Sigaud, o eito em Pernambuco “é o termo utilizado localmente para designar

o sistema de trabalho no qual os moradores trabalhavam em conjunto formando uma turma sob a supervisão de um feitor. No eito os trabalhadores eram remunerados à base da diária”. SIGAUD, op. cit. p. 80. A respeito do eito, ver também ANDRADE, op. cit., p.135.

onde não entrava a família do trabalhador — outros acertos por produção ou

tarefa nas lidas do canavial.301 Nesse novo sistema, alguns homens

aproveitavam as noites de lua para trabalhar. Como recordou Zé Pindó:

“Cavava até de noite. Muitas vezes quando a lua era daquelas claras assim de noite, nós vinha do serviço de dia e jantava, quando acabava ia pro sítio de novo. Até onze horas (da noite) por aí ou mais. De empeleita, né”?302

Na entressafra, as canas dos plantios ou das socas, recebiam uma ou mais limpas, operação que implicava em retirar matos que poderiam vir a atrofiar a plantação. Quanto mais novas as canas, mais limpas eram necessárias, até que chegassem ao ponto de corte. Os trabalhadores entrevistados reputam a limpa da cana como o trabalho mais árduo e desgastante do eito.

A limpa da cana seguia o padrão do plantio: feita pelos empregados permanentes, em turmas ou grupos mais ou menos enfileirados, tomando muitos dias de serviço, exigindo resistência e força física. As condições no eito sempre foram difíceis. Havia o perigo de mordida de cobras, o inconveniente dos insetos e o pelo áspero e as bordas afiadas da folha de cana, que irritavam e vincavam os braços do trabalhador nas limpas sucessivas. Às vezes, o trabalho acontecia sob chuva: “No inverno, quando ia cuidar das cana, era com

água aqui no joelho. Pegava as seis horas, saía onze hora, pegava uma e largava as cinco”. 303Um grupo de trabalhadores seguidos por um ajudante que levava um vasilhame com cachaça fabricada no próprio engenho — uma cortesia do patrão para esquentar os homens e fazer o trabalho render. A depender dos meses do ano, alguns desses trabalhadores da enxada eram os mesmos operários que na época da moagem labutavam na fabricação da rapadura: “Eu cavei cana, eu cobri soca, eu limpava cana”.304

Estimulada pela qualidade do solo e boa aguação, a cana crescia. Antes da colocação de canos, já nos anos 1970, esse tipo de irrigação era feita por grupos de trabalhadores munidos de enxada abrindo e fechando valetas sucessivamente.

301 Mesmo com a introdução do sistema de empreita, a maior parte do trabalho no Tupinambá

continuou a ser remunerado por diária, em pagamentos semanais.

302 Zé Pindó, em 28 de setembro de 2003. 303 Zé Gamenha, em 14 de setembro de 2003. 304 Dito Barnabé, em 14 de setembro de 2003.

Era assim, tinha os aguador. Aguava da noite até de manhãzinha. Aí de manhãzinha já entrava outra turma. Saía assim com a enxada. Abrindo levadinha, a água dava aquela carreira, né? Vup! Aí tampava bem rápido. Isso era um, dois, três, quatro morador. Daí partia pra outra fileira de cana, dava uma abridinha, a água pegava carreira, quando já ia, tampava de novo. E assim por diante. E nessa época tinha era cana! A vista de hoje que tem esses encanamento tudinho... Que aqui nesse sitio foi o sitio que mais teve canos desses grossos e... Olhe pras canas! Não tem uma cana aí...305

A narradora coloca em questão a “modernidade” que fez desaparecer a função dos aguadores. Sob sua perspectiva, a canalização que veio substituir a dinâmica das valetas cavadas à enxada, diminuindo os postos de trabalho, não conseguiu manter a irrigação necessária.

No fim de maio, os pendões enchiam de cor e movimento a visão dos canaviais. Era chegada a safra. Enquanto alguns homens do eito persistiam no trato de trechos de cana ainda não completamente maturados, o Tupinambá arregimentava vários outros trabalhadores temporários, locais ou das vizinhanças, para aumentar o número de homens na colheita. O corte e o transporte da cana começavam cedo, todos os dias antes do nascer do sol. O serviço era também pesado e perigoso. O instrumento cortante, permanentemente amolado, tinha que ser brandido com muita força e podia acontecer que a palha da cana crua desviasse a trajetória da foice ou do facão. O ritmo tinha que ser condizente com a moagem, para que não se passasse muito tempo entre o corte e o beneficiamento e não houvesse perda em açúcar, em rendimento de garapa. 306

Nas décadas de 1940 e 1950, a cana era cortada, amarrada em feixes, e transportada para o engenho sobre o lombo de burros conduzidos pelos cambiteiros que faziam inúmeras viagens por dia, do eito para o engenho, os experientes conduzindo mais de um animal. Nesse trabalho, que se reproduzia há séculos sem alteração, alguns animais tornavam-se tão treinados que não se fazia necessário qualquer comando por parte do guia. A introdução de tratores, a partir de 1958, não dispensou de imediato o trabalho dos cambiteiros. O Sr. Severino Antonio dos Santos, o primeiro tratorista do Tupinambá, operava também nos engenhos menores pertencentes

305 Socorro Souza, em 29 de setembro de 2005.

306 Em engenhos de rapadura a cana era preferencialmente cortada crua, isto é, não queimada,

como é uso em canaviais que alimentam usinas. A cana queimada tem o corte facilitado, mas perde qualidade e exige tratamento especial e imediato para ser beneficiada com resultados.

à família Sampaio: botava cana para o Lambedor, nas Barreiras, e para o

Lagoa. Severino recorda que por muitos anos, compartilhou o trabalho de

transporte da cana cortada com cerca de vinte cambiteiros e seus animais. Mesmo dividindo com eles a responsabilidade de encher o engenho, o ritmo de transporte de cana era intenso:

E pegava cedo. Quatro horas da madruga já tava dentro do brejo carregando cana. (...) Era dez, era quinze, era vinte viagens. Era o dia todo e começava de madrugada. Ia parar era seis horas, sete horas da noite. E o engenho só moia quando a gente botasse cana. O engenho Tupinambá... Quando moia o dia, já ficava seco pro outro dia. Que era um engenho muito possante né? Era um engenho que dava muita produção. Aí tinha que botar muita cana.307

Os cambiteiros conduzindo seus animais carregados, assim como mais tarde, o trator e seu reboque se aproximavam do Engenho buscando uma larga entrada que ficava atrás da cozinha da Casa Grande. Descarregadas as canas, os tombadores tinham a tarefa de conduzi-las até um salão coberto por um telhado de grande altura, vizinho à moenda. No século XIX, este era o lugar da antiga roda de madeira, almanjarra e bois, a força motriz de então. Cem anos depois, neste mesmo espaço, moviam-se os metedores de cana308: entre dois e quatro homens, a depender do ritmo imposto à fabricação. Para os

metedores cabia o duro e atento trabalho de fazer passar a cana pelos cilindros

metálicos horizontais da moenda, o “engenho”. A máquina acabou por dar o nome a toda a estrutura construtiva que a envolve.

Quando as engrenagens passaram a ser movidas por motor elétrico, a velocidade do esmagamento das canas aumentou, fazendo mais necessária a presença de metedores.Essa função, aparentemente simples e extremamente repetitiva, exigia, além de resistência e força muscular, uma atenção constante.309 Não se tratava apenas do aspecto da segurança do trabalhador: o bom metedor “conhecia” a cana, sabia a resistência que ia oferecer aos cilindros, com isso ele procurava manter o ritmo da moenda: “mode ela não

307 Severino Antonio dos Santos, em 30 de setembro de 2005.

308 Os nomes dados funções ou ofícios dos operários de engenhos de rapadura podem mudar

de região para região. O metedor de cana caririense, por exemplo, executa as mesmas operações que o tronqueiro no interior da Paraíba.

309 Nos engenhos de açúcar coloniais, a função de metedor de cana era considerada das mais

cansativas, perigosas, e, para alguns, onde não importava muito o saber humano. Em muitos empreendimentos da Bahia e Pernambuco, escravos de menor valor — mulheres inclusive — eram colocados nessa tarefa desgastante. Ver FERLINI, op. cit p.118-119 e SCHWARTZ, Stuart B. Segredos internos: engenhos e escravos na sociedade colonial. op. cit., p. 130-131.

correr seca, nem botar cana demais pra embuchar”.310 A moenda “rodava” direto, o que significava muitas horas seguidas de trabalho para os metedores:

É três moenda [cilindros] É dois aqui em baixo, sabe? E um aqui em cima. Quer dizer que eles [metedores] coloca a cana por aqui, e vai voltando, e vai passando pra cá. Cai só o bagaço. Direto, direto, num para não. Só para assim, se...a fornalha tiver cheia né? Tiver muita garapa, aí para. Mas num tando cheia, num para não. Para de noite só. Muitas vezes pegava e botava a gente duas horas da manhã né? Duas horas, três horas, e rodava de dia e quando era cinco, seis hora [da tarde] é que parava de moer. Desse jeito o cabra sofria muito nesse tempo.311

Eles jogavam as canas dentro das moendas, eram três, a grande, a média, a menor. Botava nesse meio aqui e aí saia rolando uma por cima das outras, por cima das outras, quando saía era só aquela “pragata”, fosse a cana da grossura que fosse, quando sai fora o bagaço sai chatinho e vem fininho, até se esfarelando.312

Foto 19 - “Bagaceiros” do Tupinambá. Observar as grossas colunas na alvenaria centenária. Década de 1960. (APES)

O bagaço saia pelo outro lado e caía para fora do engenho por uma abertura na alvenaria que tinha esse fim. Do lado de fora era apanhado por um dos bagaceiros que sempre trabalhavam com a ajuda de meninos ou rapazotes. Os restos da cana eram jogados sobre um couro de boi estendido, que puxado por um burro os transportava alguns metros até a bagaceira, onde

310 RITA GUILHERMINA DOS SANTOS, nascida no engenho Souto, Pernambuco, esposa do

tratorista Severino, moradora do Tupinambá. Entrevista em 30 de setembro de 2005.

311 Zé Pindó, em 28 de setembro de 2003. 312 Tuta, em dezembro de 2000.

eram postos para secar ao sol e dali retirados para alimentar o fogo da fornalha, dos tachos de cozimento.

Pela importância que o bagaço veio a ter como combustível de baixo custo para a fornalha, a agilidade do bagaceiro tornou-se essencial para que o processo de secagem se completasse rapidamente. Dias de pleno sol eram muito bem vindos. Um bagaço que retivesse umidade não queimava bem — diminuindo o rendimento em forma de calor — e deixava resíduos que caiam pela grelha da fornalha, causando entupimentos. Para a retirada desses resíduos, o cozimento tinha que ser interrompido, enquanto um trabalhador — muitas vezes o próprio botador de fogo — com a ajuda de tábuas de madeira para isolar o calor, penetrava parcialmente na boca, para a limpeza das grelhas ainda quentes.

A lenha, até os meados do século XX, tinha sido abundante nas terras do Tupinambá e dos sítios próximos Santa Rita e Lambedor, de mesmo proprietário. A mata era um diferencial que aumentava a valorização dessas propriedades. Como recorda um membro da família proprietária: “O Tupinambá

tinha uma situação privilegiada que era ter a cana junto com muita lenha. Então a gente tinha uma facilidade que a maioria dos engenhos não tinha, que era a disponibilidade de lenha”.313

Na década de 1940, a madeira começava a rarear, transformando-se em uma opção cara como combustível. Entre os empregados permanentes do

Tupinambá sempre estiveram um ou dois vigias da mata. Sua tarefa principal:

impedir que pessoas de fora se apropriassem da madeira do sítio. Os vigias também controlavam a retirada da lenha pelos moradores. Já nos anos cinqüenta, a lenha era usada apenas para a caldeira. Alimentar esse fogo era uma das tarefas que ocupavam os ajudantes da fornalha, possíveis futuros operários. Providenciar esse combustível para a caldeira foi o primeiro serviço remunerado dentro do engenho, que coube ao jovem Zé Fulô:

A máquina do engenho era a fogo. Uma caldeirona a fogo direto. O cabra pinicava uns pauzinhos deste tamanho (mostra com as mãos um comprimento de cerca de 25 cm) pra jogar dentro da fornalha. Pinicava a lenha, não sabe? Aí a gente pinicava lenha pra caldeira.314

313 Yony Sampaio, em abril de 2005 314 Zé Fulô, em 1 de novembro de 2005.

A grande caldeira, abandonada depois da eletrificação, estava situada

na sala da fornalha. Junto a ela o atento maquinista, sempre observando todos os medidores de pressão, num controle que tinha que ser rigoroso para afastar o risco de uma explosão. Geralmente acompanhado de um ajudante para a

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