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FOLHA DE SÃO PAULO: REPORTAGEM DO DIA 27 DE MARÇO DE 1965

3. O DISCURSO DA MÍDIA

3.1 FOLHA DE SÃO PAULO: REPORTAGEM DO DIA 27 DE MARÇO DE 1965

divulgou nenhuma nota oficial do Exército em sua íntegra, entretanto, selecionou trechos específicos de uma nota emitida pelo Ministro da Guerra e pelo quartel general da quinta região militar que davam base e estrutura para a reconstrução narrativa dos fatos e das ações do movimento que o jornal Folha de São Paulo se propôs a realizar. Deste modo, a reportagem se constitui fundamentalmente como uma narrativa panorâmica e linear do

movimento ou, como descrito pelo jornal, do “grupo de guerrilheiros armados chefiados pelo ex-coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório”.

Antes de passarmos à análise do discurso da reportagem e à construção das categorias analíticas, é importante ressaltar que o documento em questão, retirado do acervo online da Folha de São Paulo, está em más condições de visualização, ou seja, partes do texto não podem ser lidas ou compreendidas em sua totalidade. Deste modo, para esta análise, utilizaram-se os trechos que podem ser lidos e compreendidos integralmente, excluindo as partes que podiam ser visualizadas parcialmente.

Os objetivos da reportagem do dia 27 de março de 1965 são similares aos da reportagem do jornal Correio do Povo, isto é, narrar os acontecimentos relacionados ao movimento de Três Passos. Deste modo, a categoria analítica referente à caracterização do movimento está também presente na análise deste segundo documento e persiste intrinsecamente relacionada com a categoria referente à inconsistência do movimento. Em suma, a correlação da descrição do movimento atrelada à ideia de caracterizá-lo como um grupo isolado e insignificante está presente em ambos os documentos, contudo, no que diz respeito à reportagem da Folha de São Paulo, a questão da inconsistência do movimento ganha um espaço central na narrativa dos fatos.

A categoria referente à caracterização do movimento está fundamentalmente baseada na descrição dos insurgentes como um grupo armado que assaltou as brigadas militares de Três Passos e Portela, tomando posse dos armamentos e munições ali presentes. Contudo, o jornal Folha de São Paulo traz aspectos políticos para caracterizar o movimento, os quais não estavam claramente presentes no jornal Correio do Povo. A reportagem aqui analisada traz os seguintes trechos descritivos: “são elementos subversivos, chefiados por oficiais comunistas atingidos pelo Ato Institucional” e complementam, “são reconhecidos como elementos de esquerda integrados a campanha subversiva no país”. Deste modo, percebe-se que na reportagem em questão a pauta anticomunista e a disputa global histórica, em alta durante os anos da guerra fria, estavam explicitamente presentes durante a reconstrução narrativa do movimento de Três Passos. Deste modo, percebe-se que o Jornal Folha de São Paulo, para além da disputa política interna, que também está presente na narrativa da reportagem, aborda paralelamente a disputa política internacional, característica da guerra fria, compreendendo-as como questões e disputas paralelas e relacionadas.

A categoria relativa à caracterização do movimento está, como mencionada anteriormente, ligada à categoria referente à inconsistência do movimento. Novamente, a lógica narrativa acerca da reconstrução do movimento repete-se na reportagem do jornal Correio do Povo e na reportagem do jornal Folha de São Paulo. Contudo, a inconsistência do movimento ganha uma expressividade maior na reportagem do jornal Folha de São Paulo com trechos como, por exemplo, “apoderando-se de uma pequena quantidade de armamentos ali existentes”, e “grupo cuja atuação é inexpressiva e de âmbito restrito”, o jornal traz como subtítulo de sua manchete a seguinte frase: “Golpe insignificante”. Sendo assim, percebe-se a centralidade da categoria analítica referente à inconsistência do movimento para a reconstrução geral da narrativa sobre os insurgentes Três Passos.

Ainda que presente na reportagem, a personalização do movimento possui pouca relevância na narrativa da Folha de São Paulo. A reportagem aqui analisada parece utilizar-se com maior frequência do “isolamento” do movimento, isto é, de sua pequena expressividade e de sua “atuação em âmbito restrito” para dar suporte à narrativa da inconsistência, utilizando- se com menor intensidade e frequência da questão da personalização do movimento na figura de Jefferson Cardim.

Há um elemento fundamental a ser destacado na narrativa do jornal Folha de São Paulo que se aproxima da lógica da categoria referente à reconstrução histórica e política do

movimento41. A reportagem do jornal Folha de São Paulo do dia 27 de março não apresenta

nem narra a tentativa do Exército em reconstruir e elucidar os fatos e os movimentos dos insurgentes, contudo, por meio do trecho abaixo destacado podemos identificar a tentativa do movimento em comunicar-se com a população a fim de transmitir a mensagem e os objetivos do movimento insurgente à sociedade civil que ouvia a rádio local.

Antes de sair da cidade, um dos componentes do grupo que o Ministério da Guerra afirma ser chefiado pelo ex-coronel Jefferson Cardim de Alencar Osório, expurgado pelo Ato Institucional I e o ex-sargento Alberi (...) dirigiu-se à rádio local e leu uma proclamação de libertação nacional em que incitou aos operários, as forças armadas e aos homens do campo a compor fileiras em torno do movimento. (FOLHA DE SÃO PAULO, 1965).

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Compreende-se aqui como construção histórica e política do movimento a relação utilizada na categoria discursiva analítica “construção histórica e política”, a saber, como o Exército, a mídia e o movimento buscaram construir as ideias acerca das ações, intenções e objetivos do movimento frente à sociedade civil, isto é, construir a ideia do porquê e como o movimento aconteceu.

Neste sentido, percebe-se que havia por parte do grupo insurgente o interesse e a necessidade de emitir para a sociedade os interesses e os objetivos do movimento, de modo a contrapor-se à narrativa midiática e à narrativa oficial do Exército brasileiro. Ou seja, assim como houve por parte do Exército e por meio da mídia impressa uma disputa em torno da reconstrução narrativa do movimento de Três Passos, o próprio movimento também se preocupou em transmitir a sua versão acerca do movimento à sociedade civil, pleiteando paralelamente ao Estado, a construção histórica e política do movimento. Deste modo, evidencia-se aqui a disputa, tanto por parte da mídia e do Exército e, em última instância, do Estado, quanto do movimento, em produzir habitus/consenso em torno da narrativa do movimento.

A categoria referente à autoridade instituída aparece em menor intensidade no Jornal Folha de São Paulo. De maneira distinta ao jornal Correio do Povo, a reportagem não reafirma com elevada frequência questões referentes à ordem burocrática e hierárquica do Exército como, por exemplo, as brigadas militares, coronéis, etc. Contudo, a ideia de uma autoridade instituída aparece principalmente ligada à ideia de ordem social. No trecho “Pede-se calma à população, não dando créditos a boatos alarmistas, pois as medidas repressivas cabíveis já foram tomadas pelos comandantes do III Exército da região militar, em ligação com os governos dos estados do Paraná e Santa Catarina”, percebe-se a transmissão de um pedido de manutenção da ordem social, evitando alarmismos e desordem/caos. Nesse sentido, reforça-se a questão da ordem e da autoridade instituída, tendo em vista que, por meio do trecho, difunde-se a ideia de que as autoridades já estão trabalhando na dissipação do movimento por meio das autoridades estaduais e militares competentes. Além disso, o trecho é terminado com a seguinte frase: “qualquer outro informe será dado por intermédio da imprensa tão logo obtido pelas autoridades” e, portanto, evidencia-se novamente a relação da posse da informação oficial nas mãos da mídia e das autoridades, rogando à população que centrem sua busca por informação nos órgãos competentes, por meio da mídia.

Sendo assim, percebe-se que a lógica da reconstrução narrativa acerca do movimento de Três Passos é similar na reportagem da Folha de São Paulo e na reportagem do jornal Correio do Povo. As diferenças entre ambas foram evidenciadas ao longo do texto e, deste modo, analisá-las de forma complementar e interligada nos permite traçar um panorama mais amplo do esforço midiático (e, em última instância, do Exército, por meio da mídia) em reconstruir e elucidar os fatos e os movimentos dos insurgentes de Três Passos.

ESQUEMA 3: CATEGORIAS ANALÍTICAS E ELEMENTOS DISCURSIVOS DA REPORTAGEM DO JORNAL FOLHA DE SÃO PAULO DE 27 DE MARÇO DE

1965

Fonte: Autoria Própria, 2019.