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De todos os entrevistados (ver gráfico sete), noventa por cento recebem até um salário mínimo. Dez por cento recebem de um a dois salários mínimos para sustentar a família (nestes casos, o número de membros é consideravelmente grande, a ponto da renda per capita não ultrapassar os R$ 140,00).

Gráfico 7 – Salário

Fonte: Programa Bolsa Família Macaé/ 2014

Em relação à composição familiar (ver gráfico oito), as residências que apresentam um habitante apenas correspondem a dois por cento; as que apresentam dois habitantes, a cinco por cento; três a quatro, dez por cento; quatro a cinco, vinte e cinco por cento; cinco a seis, quarenta e cinco por cento; seis a sete, sete por cento; mais de sete, seis por cento.

Gráfico 8 – Composição Familiar

A pesquisa revelou também que a maioria das famílias, ou seja, noventa por cento (90%), tem como líder a mulher. São famílias monoparentais femininas. As demais famílias apresentam o homem como líder, totalizando apenas dez por cento (10%). Gráfico 9 – Liderança 90% 10%

Liderança

Familiar

Mul her

Fonte: Programa Bolsa Família Macaé/ 2014

Em relação à procura por Organizações Não Governamentais (ONG’s) e ajuda de outros dispositivos do terceiro setor, temos um número alto de usuários que se utilizam destes serviços. Entre os que procuram ONG’s encontra-se o total de oitenta e cinco por cento (85%) dos beneficiários da pesquisa, os demais resultam em quinze por cento (15%).

Gráfico 10 – Acesso à ONG’s

Fonte: Programa Bolsa Família Macaé/ 2014

Considerando este levantamento de dados, é possível fazer muitas problematizações sobre a política de assistência social e o Programa Bolsa Família, considerando as características da política social em tempos neoliberal e a formação dos centros urbanos.

Segundo Guilherme Boulos (2010), desde as origens da formação dos centros urbanos, de como se constituiu o êxodo rural no Brasil com a expulsão do trabalhador do campo, os trabalhadores foram forçados a migrarem para os grandes centros urbanos vender sua força de trabalho, e muitas vezes, ficando em condição de desempregado em função do excedente de mão-de-obra (da formação do exército reserva).

Desde esse período as cidades sofreram alterações, no entanto, permaneceram nelas as casas em locais onde o acesso a outros serviços públicos e sociais é difícil e não ofertado pelo Estado, segregando a cidade em duas, uma dos ricos e uma dos pobres. Esse processo “higienizou” os grandes centros e permitiu a formação das grandes periferias e favelas, espaço destinado aos excluídos e destituídos da sua cidadania.

O reflexo dessa construção é perceptível ao analisarmos a situação dos usuários do Programa Bolsa Família, em Macaé, uma vez que a mostragem da pesquisa revelou que a maioria das famílias ocupa barracos em bairros periféricos

da cidade, onde não contam com rede de água regularizada, energia elétrica, esgoto, e tec. Ou seja, não possuem estrutura digna de sobrevivência.

Outro fator que chama atenção é o rastro da escravidão que não foi abolida por completo no Brasil. O Estado nunca quitou a dívida de um período tão longo de escravidão e os negros alforriados foram lançados a sua própria sorte, sem contar com direitos sociais e educacionais, sem políticas públicas que garantissem a reprodução material dessa parcela da população. Hoje, dados do IBGE comprovam que os descendentes de escravos são a grande maioria dos que se encontra em situação de risco social, devido ao precário acesso à educação, saúde, mercado de trabalho, etc.

A pesquisa feita no campo de estágio constatou exatamente isso, pois a maioria dos assistidos pelo PBF são os negros (por autoidentificação). Se considerarmos a política de assistência ainda destinada aos mais pobres dos pobres, esses dados alimentam a hipótese de que a nossa sociedade apresenta uma segregação sócio-espacial, que vem alimentando um preconceito de cor, espaço e pobreza.

Ainda sobre as condições de moradia desses usuários, Yazbek (2006) nos remete ao contexto de exclusão e subalternidade das pessoas que vivem em lugares que não permite a plena cidadania. Percebemos que a concessão do benefício, apesar da transferência direta da renda, não só não consegue resolver a questão da moradia bem como desvalida o conceito de cidadania, uma vez que não oferece condições reais de superação desta expressão da questão social. A análise dos dados do perfil do usuário do Programa Bolsa Família, especificamente no município de Macaé, reflete a maneira como o Estado tem tratado as expressões da questão social de forma leviana e negligente, via política de assistência social.

São inúmeras as famílias que apresentam um quadro de pobreza extrema e que necessitam ser contempladas por políticas públicas eficazes e abrangentes, no entanto, na inexistência de suporte estatal via políticas públicas, as famílias recorrem aos serviços sócio assistenciais oferecidos pelas às ONG’s da região.

A desresponsabilização do Estado em relação as ações da assistência social afetam diretamente aos usuários de programas como o PBF.

Desde o acordo assinado pelo Governo Federal com o FMI, em 1998, o Brasil tem destinado a maior parte de seu orçamento para pagamento da dívida externa, deixando para último plano os investimentos na Seguridade Social. Com isso, as políticas sociais passam por um momento de estagnação e retrocesso diante da

alocação de recursos financeiros. Esses recursos poderiam dar um novo contorno às políticas sócias, bem como a assistência social e o PBF.

O aumento da arrecadação tributária, contudo, não reverteu em aumento significativo de recursos para as políticas sociais de modo geral e para a seguridade social especificamente. Recursos da seguridade social são apropriados anualmente pelo Governo Federal por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU), com vistas à composição do superávit primário e pagamento de jurus da dívida. Behring e Boschetti (2006, p.166)

Neste contexto de redução da intervenção estatal frente às novas demandas do neoliberalismo, de reajuste fiscal e pagamento da dívida externa, cresce a procura por ONG’s e igrejas que fornecem cestas básicas, roupas e outros serviços gratuitos. A procura pelo terceiro setor é significativa entre os beneficiários de PBF em Macaé. Como a quantia oferecida pelo Programa não é suficiente, as condições de trabalho na região e as demais políticas públicas também não, lhes resta como alternativa o terceiro setor, conforme aponta a nossa pesquisa. Em contrapartida, o vínculo com as associações de bairro é mínimo. Ressaltando que as associações de bairro podem ser espaços de debate de direitos sociais e reforçam a participação popular na vida política.

É importante dizer que o estudo sobre o financiamento das políticas sociais, principalmente de assistência, rebate diretamente sobre a questão da municipalização e descentralização propostas pela Constituição de 1988. Atribuir responsabilidades aos municípios não tem sido o problema, o cerne da questão encontra-se na ausência de repasse de verba para implementação dos programas nos municípios. A centralização de poder sempre foi marca registrada do governo e permanece de certa forma inalterada até os dias atuais. Não adianta haver uma mudança em termos legais, que garanta a descentralização e o repasse de verba, se na prática, esta proposta não se materializa. A descentralização não pode ser uma centralização camuflada como tem ocorrido. Para Sposati e Falcão (1990, p.25):

Transferem-se encargos e serviços, mas não os recursos, nem a autoridade para operá-los com eficiência. É um modelo perverso porque penaliza a população local e desmoraliza o poder político local: prefeito, prefeitura e câmara municipal.

O sentido perverso reside, especialmente, no fato de que o palco de disputa e pressões populares (no que se refere a reprodução social dos cidadãos) se dá no município (SPOSATI E FALCÃO, 1990, p. 25).

Cada município possui suas particularidades e por isto a autonomia concedida às autoridades municipais deve ser respeitada, mais que isso, o repasse deve ser efetivado para que haja adequação dos programas ao custo de vida local. Observando o Programa Bolsa Família no município de Macaé foi possível constatar que o valor disponibilizado pelo Governo Federal para as famílias assistidas não é condizente ao custo de vida da cidade. Como sobreviver com um auxílio de R$35,00 por criança num município onde os preços são elevados? Deveria haver uma mudança nos valores, mudança esta que respeitasse as particularidades de cada localidade.

No que diz respeito ao grande número de desempregados e de trabalhadores informais entre os assistidos do PBF, torna-se pertinente uma reflexão a respeito da política de assistência social como um direito, uma política de inclusão social, que deve realizar ações com vistas à garantia do trabalho, em articulação com as demais políticas sociais. Segundo a Lei Orgânica da Assistência Social, a assistência social deve priorizar:

(...) o enfrentamento da pobreza, a assistência social realiza-se de forma integrada às políticas setoriais, garantindo mínimos sociais e provimento de condições para atender contingências sociais e promovendo a universalização dos direitos sociais (BRASIL, LOAS, 1993).

Da mesma forma, torna-se necessário a ampliação e a efetividade da intersetorialidade no município de Macaé, principalmente em relação à Secretaria de Educação. Sabemos que umas das grandes exigências para um emprego formal é justamente a escolaridade, e a análise dos dados nos mostram que a maioria dos beneficiários sequer possuem o ensino fundamental, além possuírem emprego. Por isso, nos parece que garantir a articulação entre a política de assistência social e a de educação pode contribuir para a superação da situação de vulnerabilidade social a que estão submetidos os usuários do PBF em Macaé.

Em termos de composição familiar, percebemos o reflexo de uma nova tendência da contemporaneidade naquilo que diz respeito ao arranjo familiar, ou seja, as famílias em sua maioria são formadas por mães, chefes de família que sustentam a casa (ainda que para isso tenham que recorrer á assistência). Núcleos multifacetados, onde a família nuclear (pai, mãe e filho) deixa de ser predominante e abre espaço para famílias monoparentais (onde só existe a mãe ou o pai), ou onde a vó cria os netos de seus filhos que são adolescentes ainda. Neste caso as casas

vão se tornando moradia de mais de uma família, configurando a família extensa13

característica da contemporaneidade, chegando a ter uma quantidade de membros enorme, a exemplo de uma família com vinte membros morando n’uma casa com apenas três cômodos, conforme constatado durante a experiência de estágio.

Enfim, esta breve análise do Programa Bolsa Família no município de Macaé, infelizmente representa o modelo típico das políticas sociais contemporâneas, qual seja: focalizada, emergências e assistencialista e a sua operacionalização pode representar a tendência de práticas burocráticas que reforçam a vigilância dos mais pobres. Ter que decidir sobre o grau de necessidade dos beneficiários é o mesmo que se submeter ao caráter de arbitrariedade imposto pelo sistema.

Para superar todos os desafios acarretados pela nova política econômica é preciso manter a análise crítica da realidade social, tendo em vista que o avanço das políticas sociais e da própria assistência social será resultado do projeto político das classes subalternizadas. Por isso, é necessário que os trabalhadores tomem consciência do papel decisivo que a sua organização pode exercer para a conquista dos direitos sociais e para a legitamação da cidadania.

13 A denominação família extensa foi introduzida com a reforma do ECA, que se deu com a lei 12.010/09 e, de acordo com o previsto no parágrafo único do artigo 25:“Parágrafo único. Entende-se por família extensa ou ampliada aquela que se estende para além da unidade pais e filhos ou da unidade do casal, formada por parentes próximos com os quais a criança ou adolescente convive e mantém vínculos de afinidade e afetividade”. trata-se de espécie de família natural, em distinção à família substituta. (In: http://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/2072394/o-que-se-entende-por-familia- extensa-aurea-maria-ferraz-de-sousa. Acesso em: 23/07/2016)

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