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Programa Bolsa Família Em Macaé: um debate sobre a focalização da Política de assistência social

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CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

BIANCA LYRIO PIRES DE SOUZA

O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MACAÉ: um debate sobre a focalização da política de assistência social

Rio das Ostras 2016

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PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM MACAÉ: um debate sobre a focalização da política de assistência social

Trabalho de conclusão de curso apresentado como requisito parcial para a obtenção de título de bacharelado em Serviço Social, da Universidade Federal Fluminense.

Orientadora

Profª Mª Renata de Oliveira Cardoso

Rio das Ostras 2016

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À minha família, por todo o apoio durante este período de estudos, estágios, concursos e cursos. Sem a base que me proporcionaram, jamais estaria escrevendo estas linhas.

Ao meu marido, por todo incentivo e compreensão durante a fase de elaboração do Trabalho de Conclusão de Curso.

À professora Renata, por ter sido tão solicita e pelo excelente trabalho de orientação durante todo o tempo.

Às professoras Antoniana e Márcia, por contemplarem o meu trabalho com a presença na banca examinadora.

Aos profissionais da Sede do Programa Bolsa Família, que dividiram comigo experiências profissionais e conhecimentos que germinaram e resultaram no meu Trabalho de Conclusão de Curso.

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É preciso revolucionar a assistência social para que ela deixe de ser “uma porta ou um corredor” estreito.

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Este Trabalho de Conclusão de Curso pretende apresentar a evolução da assistência social, desde sua origem conservadora até o patamar de política pública. Depois deste estudo, realizamos a análise da política de assistência social, desmonte dos direitos sociais sob a ótica do neoliberalismo, e a tendência das políticas sociais no atual contexto, ressaltando-se a focalização e a seletividade. O objetivo deste trajeto foi demonstrar como o estado exerceu e exerce uma função compensatória e emergencial junto aos segmentos mais fragilizados da população, através de programas e benefícios como o Programa Bolsa Família, que foi estudado na particularidade do município de Macaé, articulando sua análise ao atual contexto da assistência social. Por fim, este Trabalho se conclui revelando que o reajuste fiscal tem sido causa principal do desvio de verba das políticas de Seguridade Social e tem acarretado novas determinações à política de assistência social.

Palavras-chave: Políticas Sociais. Assistência social. Bolsa Família. Neoliberalismo.

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This Work Completion of course intends to present the evolution of social assistance, since its origin to the conservative public policy level. After this study, we performed the analysis of social welfare policy, dismantling of social rights from the perspective of neo-liberalism, and the trend of social policies in the current context, highlighting the focus and selectivity The objective of this path was to demonstrate how the state exerted and exerts a compensatory and emergency function with the most vulnerable segments of the population through programs and benefits such as the Bolsa Familia Program - which was studied in particular the city of Macae, linking its analysis to the current context of social assistance. Finally, this work is concluded revealing that the fiscal adjustment has been the main cause of the embezzlement of social security policies and has led to new determinations to welfare policy.

Keywords: Social politics. Social assistance. Bolsa Família. Neoliberalism. Focus. Selectivity.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 8

CAPÍTULO 1: BREVE TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA

SOCIAL NO BRASIL ... 10

CAPÍTULO 2: O NEOLIBERALISMO E O DESMONTE DOS DIREITOS

SOCIAIS ... 21 2.1 A política de assistência social, o neoliberalismo e sua lógica

mercadológica ... 25 2.2 A assistência social e o Programa Bolsa Família ... 31

CAPÍTULO 3: O PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA DO MUNICÍPIO DE MACAÉ

E A POLÍTICA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL ... 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 45

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INTRODUÇÃO

O trabalho aqui apresentado é fruto da minha inserção como estagiária na Sede do Programa Bolsa Família do município de Macaé- RJ, no período de junho de 2013 a maio de 2014.

Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise da política de assistência social, desmonte dos direitos sociais sob a ótica do neoliberalismo, e a tendência das políticas sociais no atual contexto, ressaltando-se a focalização e a seletividade do Programa Bolsa Família e da política de assistência social no município de Macaé, a partir do estudo do perfil socioeconômico dos usuários do Programa na região.

O Programa Bolsa Família (PBF) é o exemplo mais relevante desse modelo de política social, sua gestão e execução envolvem diretamente o exercício profissional dos assistentes sociais no âmbito da política de assistência social, acarretando um novo formato das políticas sociais, novas requisições e demandas ao trabalho do assistente social. O trabalho do assistente social no Programa Bolsa Família não é isento da tendência global das políticas sociais que dão forma à assistência social. Ao contrário, seu formato focalizado e condicionado representa a expressão máxima da reconfiguração das políticas sociais contemporâneas, imbuídas de argumentos de corte liberal ou neoliberal e, consequentemente, antagônicas aos argumentos de políticas sociais influenciadas pela lógica da universalidade, como é o caso da política pública de assistência social e dos princípios do Código de Ética profissional.

Para desenvolver esse trabalho acadêmico, foi utilizado como metodologia, pesquisas bibliográficas primária e secundária, bem como pesquisa documental e a análise de uma amostragem dos dados institucionais que representam o cadastro dos usuários do Programa em Macaé.

Na pesquisa bibliográfica, utilizamos dos debates teóricos de diversos autores como: Sposati (1981), Behring (2006), Boschetti (2006), Bonetti (1985), Yasbek (1985), Falcão (1985), Pereira (2003), Carvalho (2005), Mestriner (2001), consultamos sites, livros, artigos e as legislações pertinentes à temática. Já na pesquisa documental, utilizamos documentos internos do Programa Bolsa Família no município de Macaé e dados coletados no campo de estágio.

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O trabalho se apresenta em três capítulos. No primeiro capítulo foi abordado o processo histórico de construção da assistência social enquanto uma política pública, gerida pelo Estado, e sua elevação ao campo do direito social.

No segundo capítulo, abordamos a política de assistência social em tempos neoliberais, considerando tal período enquanto um momento de significativo desmonte dos direitos sociais _ o que refletiu nas características das políticas sociais que tendem, através desta nova lógica econômica, a fragmentação, à focalização e a financeirização da assistência social, a exemplos dos programas de transferência de renda.

No terceiro e último capítulo apresentamos uma análise do Programa Bolsa Família no município de Macaé, buscando esclarecer como as incongruências da atual política de assistência social no Brasil incidem de forma penosa na sua materialidade e na vida dos beneficiários do programa na realidade local.

Diante da amostragem analisada sobre o perfil socioeconômico dos usuários do Programa Bolsa Família em Macaé, torna-se possível afirmar que há muito a ser feito em relação à política de assistência no município, pois ela ainda apresenta um caráter muito seletivo e os critérios de elegibilidade e permanência do benefício estudado não condizem com a realidade local e as necessidades dos indivíduos.

Nos parece que o Programa na região evidencia o atual caráter da política de assistência social sob a égide do neoliberalismo e por isso este estudo se mostra relevante, uma vez que revela a articulação entre o particular e o universal.

Por fim, ressaltamos que este Trabalho de Conclusão de Curso não possui a pretensão de esgotar a importante discussão sobre a temática, mas considerando a urgência de uma implementação eficaz da política de assistência social com vistas a alcançar um patamar de universalidade, torna-se fundamental a ampliação do debate aqui exposto.

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CAPÍTULO 1

BREVE TRAJETÓRIA HISTÓRICA DA ASSISTÊNCIA SOCIAL NO BRASIL

Os estudos com base numa análise crítica da realidade nos apontam que a política de assistência social no Brasil representa uma prática política de “segunda classe” (SPOSATI, 1981, P.29); com sua origem há mais de um século e; historicamente destinada aos setores mais pobres do país.

De acordo com os especialistas sobre a temática1, até 1930, a pobreza no Brasil não era vista como expressão da questão social2 e a assistência aos desvalidados era oferecida por órgãos religiosos e pela solidariedade da sociedade civil. Este “auxílio” ao próximo foi baseado na ideia de que, supostamente na humanidade, sempre haverá os mais frágeis, os doentes, etc. Ou seja, sempre haverá sujeitos que necessitam de ajuda.

Observa-se então, na história da assistência social uma certa gestão filantrópica da pobreza humana (SPOSATI, 1981), que visava conferir ordem a uma população ascendente multifacetada e disforme, resultante das transformações advindas da urbanização, do final da escravidão e da transição para uma ordem propriamente capitalista.

A partir de então, a pobreza começou a ser considerada um problema pelas elites do país. Considerava-se que os pobres deveriam passar por uma “reforma” moral e social, de modo a estarem aptos para o trabalho assalariado e para a nova sociabilidade que se impunha, estando longe de serem considerados sujeitos de direitos. A intenção era afastar os indesejáveis, caso fosse necessário, em orfanatos, presídios e manicômios. Assim, segundo Yasbek (1985), os modelos de atendimento assistencial brasileiros apresentavam uma percepção da pobreza como sendo uma disfunção pessoal e a assistência se mesclava com as necessidades de

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Como exemplo de especialistas, citamos autores estudados durante a construção deste Trabalho de Conclusão de Curso como: Sposati (1981), Behring (2006), Boschetti (2006), Bonetti (1985), Yasbek (1985), Falcão (1985), Pereira (2003), Carvalho (2005), Mestriner (2001).

2A questão social é produto e expressão da contradição entre capital e trabalho. Neste caso, a

complexidade da questão social é um desafio histórico, que resulta das contradições concretas entre capital e trabalho, a partir do processo de industrialização capitalista, tendo como determinantes o empobrecimento da classe trabalhadora, a consciência dessa classe e a luta política dessa classe contra seus opressores. Ela só se apresenta objetivamente em projetos que determinam prioritariamente o capital sobre o trabalho, em que o objetivo é acumular capital e não garantir condições de vida para a população.

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saúde, caracterizando o que se pode chamar de binômio de ajuda médico-social. Essa característica peculiar no trato da pobreza se refletiu na própria constituição dos organismos prestadores de serviços assistenciais que manifestaram duas faces: a assistência à saúde e a assistência social. Deste modo, o resgate da memória das instituições de promoção, bem-estar, assistência à saúde e a assistência social, traz esta trajetória inicial unificada.

Para Sposati (1991, p.29) “Nessa marca conservadora e arcaica encontra-se a chamada assistência social stricto sensu, a assistência residual.” Por assistência social stricto senso, entende-se uma prática desenvolvida e reduzida pelas vias da ajuda financeira direta. Já a prática assistencial residual resumia-se às atividades de encaminhamento, ajuda individualizada, atendimento a emergências ou calamidades públicas, atendimento aos deficientes, aos menores infratores, aos seguimentos da população que eram rechaçados pela classe dominante e etc.

Então, até 1930, de acordo com Lonardoni et al (2016), quando as expressões da questão social apareciam como um problema para o Estado, eram encaradas como caso de polícia e tratadas no interior de seus aparelhos repressivos. Os problemas sociais eram camuflados e ocultados sob a forma de fatos esporádicos e excepcionais. A pobreza era tratada como disfunção pessoal dos indivíduos. A competência cotidiana para cuidar de tal ‘fenômeno’ era colocada para a rede de organismos de solidariedade social da sociedade civil, em especial àqueles organismos atrelados às igrejas de diferentes credos. O Estado se insinuava nesta rede enquanto agente de apoio, um tanto obscuro, ou de fiscalização. (YASBEK, 1985, P. 41).

A partir dessas definições, podemos observar que a trajetória da assistência social no Brasil, foi marcada por uma prática de cunho filantrópica, residual e pontual, desenvolvida com a marca do conservadorismo.

Durante a década de 1930, como consequência das mobilizações sociais e dos governos populistas3, houve um avanço considerável na área dos direitos

sociais. Podemos citar como exemplo dessa afirmação a criação do Ministério do Trabalho, da Indústria e Comércio, além do surgimento da legislação trabalhista,

3 Por governos populistas entendemos, neste Trabalho de Conclusão de Curso, governantes que buscavam estabelecer laços emocionais com o povo e aumentar seu poder de influência e persuasão através de um programa de conciliação de classes. Durante a década de 1930, Getúlio Vargas foi o representante desta modalidade de liderança, chegando a ser considerado o “pai dos pobres” e “mãe dos ricos” (YASBEK,1985).

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concluída em 1943 com a consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (CARVALHO, 2006; BEHRING; BOSCHETTI, 2007).

De acordo com Telles (1993, p. 13), esses direitos se tratavam de uma modalidade muito específica de cidadania, baseada no trabalho regular e regulamentado por lei. O trabalho era então condição de acesso aos direitos sociais e este conceito de cidadania não era pautado num código de valores políticos, mas sim num sistema de estratificação ocupacional definido por lei. Sendo assim, para ter acesso às políticas sociais, era necessário fazer parte de uma profissão regulamentada em lei, ter carteira de trabalho, estar vinculado a um sindicato, ou coisa do gênero.

Ou seja, para ser cidadão e ter acesso aos direitos sociais era necessário comprovar o registro de “nascimento cívico” perante a lei. Este tipo de cidadania foi caracterizada como cidadania regulada (SANTOS, 1979, p.76) e nela os pobres continuavam desassistidos.

A regulamentação das profissões, a carteira profissional e o sindicato público definem, assim, os três parâmetros no interior dos quais passa a definir a cidadania. Os direitos dos cidadãos são decorrência dos direitos das profissões e as profissões só existem via regulamentação estatal. O instrumento jurídico comprovante do contrato entre o Estado e a cidadania regulada é a carteira profissional que se torna, em realidade, mais do que uma evidência trabalhista, uma certidão de nascimento cívico (SANTOS, 1979, p. 76)

Todos que faziam parte do mercado informal de trabalho, os desempregados, trabalhadores rurais, subempregados, ou seja, todos aqueles que estavam à margem da legislação, eram considerados pré-cidadãos. Esses indivíduos eram desprotegidos pelo Estado e não tinham seus direitos sociais garantidos, pois a cidadania era regulamentada pelo Estado através da inserção no mundo do trabalho.

No entanto, com o novo perfil das populações pobres, acarretado pelas novas relações com o trabalho e com o não trabalho, houve um profundo questionamento da política de assistência.

Então, em 1938 se instituiu a assistência social enquanto uma modalidade pública, através da criação do Conselho Nacional de Serviço Social em 1938, estabelecido pelo Decreto-lei nº525.

Segundo Lonardoni et al (2016), o Conselho é criado como um dos órgãos de cooperação do Ministério da Educação e Saúde, passando a funcionar em uma de

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suas dependências, sendo formado por figuras ilustres da sociedade cultural e filantrópica e substituindo o governante na decisão quanto as organizações auxiliares. Transita, pois, nessa decisão, o gesto benemérito do governante por uma racionalidade nova, que não chega a ser tipicamente estatal, visto que atribui ao Conselho certa autonomia (MESTRINER, 2001 p.57-58).

É nesse momento que se selam as relações entre o Estado e segmentos da elite, que vão avaliar o mérito do Estado em conceder auxílios e subvenções (auxilio financeiro) às organizações da sociedade civil destinadas ao amparo social.

O conceito de amparo social, naquele momento, era tido como uma concepção de assistência social, porém identificado com benemerência. Portanto, o CNSS foi a primeira forma de presença da assistência social na burocracia do Estado brasileiro, ainda que na função subsidiária de subvenção às organizações que prestavam amparo social.

Outro marco para a assistência social no Brasil foi, em 1942, a criação da Legião Brasileira de Assistência (LBA). O então Presidente Getúlio Vargas que assegurou à presidência da instituição às primeiras damas da República e a reconheceu como órgão de apoio ao Estado. Darcy Vargas, esposa do Getúlio, foi a primeira presidenta da primeira grande instituição de assistência social, que de acordo com Sposati (2004, p.19), teve sua gênese marcada pelo patriotismo e pelo primeiro-damismo.

Para Lonardoni et al (2016), a relação da assistência social com o sentimento patriótico foi exponenciada quando Darcy Vargas reuniu as senhoras da sociedade para acarinhar pracinhas brasileiros combatentes da II Guerra Mundial, com cigarros e chocolates, e instala a Legião Brasileira de Assistência – LBA.

Segundo Sposati (2004, p.20) essa ação da LBA traz também para a assistência social, na sua gênese, o vínculo com ações emergenciais e pontuais – traço predominante na trajetória da assistência social no Brasil.

Após as campanhas de impacto realizadas junto aos convocados de guerra, a Legião Brasileira de Assistência foi a instituição que mais se consolidou na área social, e sua ação se desenvolveu no sentido de dar apoio político ao governo. (LONARDONI et al, 2016).

Segundo Mestriner (2001, p.145) citado por Lonardoni et al (2016):

Sua programação envolve assistência ao menor (creche-casulo, Projeto Elo, colônia de férias); assistência social complementar (destinada a adquirir material escolar, uniformes, etc., à criança); assistência social geral

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(atividades sócio-educativas com famílias e grupos comunitários); educação para o trabalho (formação de mão-de-obra); legalização do homem brasileiro (fornecimento de documentos); atenção primária à saúde (ações de saúde, complementação alimentar e distribuição de leite); assistência aos excepcionais; assistência aos idosos e o Programa Nacional de Voluntários (Pronav-LBA). (MESTRINER, 2001, p.145)

Segundo Sposati (1985), a década seguinte à criação da LBA, do ponto de vista político e econômico nacional, é marcada por intervenções governamentais a fim de uma reconstrução pós-guerra, libertação do colonialismo, combate ao comunismo e as tentativas de expansão do capitalismo internacional. O Brasil passa por um suposto momento de modernização. No entanto, o governo populista se mostra como forma política de legitimação do poder da burguesia nacional, apoiado na adesão da massa trabalhadora, obtida pela ampliação das políticas sociais e da concessão de benefícios.

Durante a década de 1950, ganham destaque os programas de serviços sociais básicos, de pronto socorro-social aos necessitados. Expandem-se os programas de alfabetização, mão-de-obra, formação social e desenvolvimento comunitário. Nota-se então que a suposta modernização atendia estritamente aos interesses do modo de produção capitalista, enfatizando a subordinação da política social através do atendimento tutelado e ilusório prestado pelos programas assistenciais.

A assistência social, através de seus programas, torna-se, assim, o conjunto de práticas que o Estado desenvolve direta ou indiretamente, junto às classes subalternizadas, com aparente caráter compensatório das desigualdades sociais geradas pelo modo de produção (SPOSATI; BONETTI; YASBEK; FALCÃO, 1985, p. 64).

De acordo com Sposati (1991), a assistência social sempre se apresentou aos segmentos progressistas da sociedade como uma prática e não como uma política social. E enquanto prática arcaica ela não foi contemplada pelas ações cujas capacidades se alinhavam aos interesses de modernização e inovação da época. Nesse sentido, mesmo durante o período desenvolvimentista, a assistência social seguiu sendo uma prática fadada à condição de ação marginal. Assim, é possível afirmar que até a década de 1960, a política social brasileira foi submetida aos interesses econômicos e à legitimação de poder, com uma característica bastante peculiar e de não abrangência dos direitos, mas sim de caráter focalizado e imediatista para suprir as necessidades do povo. De acordo com Vieira (1987,

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p.230) a política social vivia unicamente de decisões setoriais na área da Educação, Saúde Pública, Habitação Popular, Previdência e Assistência Social.

É importante ressaltar que, orientadas por interesses do capital internacional, as políticas públicas brasileiras, apesar do discurso pró-desenvolvimento nacional, eram dirigidas por organismos supranacionais como a Organização das Nações Unidas (ONU), Aliança para o Progresso, Convênio MEC (Ministério da Educação)-USAID (United States Agency for international development) e outros.

Apenas na década de 1960 que houve um movimento de denúncia aos modelos e programas importados de políticas sociais. A partir de então surgiram os programas sociais de cunho nacional. No entanto, apesar da crítica nacionalista a importação dos modelos sócio-assistênciais, cabe-nos ressaltar que a Ditadura Civil e Militar, instaurada em abril de 1964, sob a égide da repressão e da violência, seguiu com a proposta de economia brasileira aberta aos investimentos internacionais.

A partir desta década, um forte sentimento nacionalista passa a ser incentivado e incorporado pelas frentes desenvolvimentistas reforçando assim tudo que correspondia ao termo nacional. Com o objetivo de adequar o desenvolvimento nacional aos interesses do capital internacional, a Ditadura afirma ser necessário conhecer a própria pátria, aperfeiçoar os próprios recursos, inserir novas tecnologias e assim alcançar o desenvolvimento da nação brasileira.

De acordo com este discurso, em 1969, a maior instituição de assistência social brasileira, a LBA é transformada em fundação e vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, tendo sua estrutura ampliada e passando a contar com novos projetos e programas na saúde, educação, abrigo, trabalho, alimentação, subsistência dos excluídos.

O elenco desses programas, que identificam a LBA em todo o país, constitui um diversificado leque social que cobre toda a existência humana, pois vai da proteção à criança ainda no ventre materno à assistência ao idoso carente e marginalizado, passando pela implantação e manutenção de uma rede nacional de creches, pela execução de cuidados primários de saúde dirigidos à população materno-infantil, com ênfase em nutrição, educação para o trabalho, assistência judiciária, tratamento e reabilitação dos excepcionais (SPOSATI; BONETTI; YASBEK; FALCÃO, 1985, p. 82).

Além dessa iniciativa, de acordo com Lonardoni et al (2016), a ditadura militar criará, sob o comando de Geisel, em 1º de Maio de 1974, o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), contendo uma Secretaria de Assistência

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Social, que, em caráter consultivo vai ser o órgão-chave na formulação de política de ataque à pobreza.

[...] tal política mobilizará especialistas, profissionais e organizações da área. O Centro Brasileiro de Cooperação e Intercâmbio de Serviços Sociais – CBCISS – realiza, então, seminário em Petrópolis (de 18 a 22 de maio de 1974) com trinta e três especialistas, visando subsidiar a iniciativa governamental (MESTRINER, 2001, p.168 In LONARDONI, 2016).

Apesar das iniciativas da Ditadura, o desenvolvimento nacional foi garantido pela via da repressão e do aumento da exploração. Assim, o processo de pauperização se acirrou ainda mais no final desse período, o que exigiu do Estado maior atenção em todos os níveis. Observa-se então o “direcionamento da política social a atenção ao exército de reserva de mão-de-obra, usando essa demanda como uma justificativa para o fortalecimento do Estado ditatorial via política pública (SPOSATI et al, 1985).” Há uma expansão de programas sociais como de Alfabetização pelo Mobral, casas populares através do Banco Nacional de Habitação (BNH), complementação alimentar com o Programa Nacional de Alimentação e Nutrição (Pronam) e outros.

No que diz respeito à assistência social, de acordo com Lonardoni et al (2016), é importante ressaltar que nesse período ela deixa de ser simplesmente filantrópica fazendo parte cada vez mais da relação social de produção, através de ações setorializadas e restritas a determinada classe de necessitados. Todavia, a criação de novos organismos segue a lógica do retalhamento social, através da criação de serviços, projetos e programas para cada necessidade, problema ou faixa etária, fazendo com que a assistência social de reafirmasse enquanto uma prática setorizada, fragmentada e descontínua, que perdura até hoje (MESTRINER, 2001, p.170 In LONARDONI, 2016).

Assim, “pelo binômio repressão x assistência, o Estado mantém apoio às instituições sociais” (LONARDI et al, 2016).

A grande verdade foi que, desde sua origem e até mesmo durante a Ditadura Civil e Militar, a política de assistência social tomou a forma de espaço de produção paralela de atenções. Ela foi quase sempre o campo do não-direito ou de uma forma singular e distinta de constituição dos direitos sociais somente aos mais pobres e aos desvalidos. Essa dualidade na distribuição de serviços sociais apresenta o Estado que destina uma atenção principal aos incluídos e secundária aos excluídos (SPOSATI, 1991).

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Com o processo de reabertura política e o fim da repressão, já na década de 80, a questão social toma maior visibilidade através do protagonismo dos movimentos sociais que com organização e poder de pressão, almejavam legitimar suas demandas – o que proporcionou visibilidade à assistência social ao lado das demais políticas públicas como estratégia privilegiada de enfrentamento da questão social, objetivando a diminuição das desigualdades sociais.

Neste momento de abertura política é importante salientar a presença dos movimentos sociais no contexto político. Desde 1964, com a implantação do Golpe Militar, houve grande cerceamento da liberdade e da expressão dos movimentos sociais. No entanto, já em meados da década de 1970, os movimentos sociais4 voltam a se articular, com objetivos e pautas diferentes, mas com um único propósito: o de pôr fim ao sistema ditatorial. Destacam-se os movimentos estudantis, religiosos, operários e camponeses.

Assim, para Lonardoni et al (2016), apesar de toda a repressão, a sociedade civil buscou maneiras de por fim ao sistema ditatorial – o que fez surgir vários focos de manifestações, como por exemplo, a guerrilha armada na zona urbana e rural, greves operárias e movimentos contra a carestia.

Com isso, de acordo com Lonardoni et al (2016), a partir de meados da década de 1970 surgiram novos movimentos sociais, inclusive, dentro da Igreja Católica (movimento da Teologia da Libertação), na área da Saúde, Educação, e muitos outros. Todos buscavam uma ruptura com a dominação sob a qual a classe trabalhadora e a população pauperizada sofriam, e buscavam garantir seus interesses na nova Constituição5 que ainda seria construída.

Em relação às mobilizações em torno da assistência social, é interessante pensar o papel que cumpriram as Associações dos Servidores da LBA, tanto as estaduais (ASSELBAS) quanto a nacional (ANASSELBAS), que se articulavam gerando debate e proposições para a efetiva inserção da assistência social na Constituição Federal como política social, direito do cidadão e dever do Estado.

4 É importante dizer que os movimentos sociais não podem ser pensados, apenas como meros

resultados de lutas por melhores condições de vida. Os movimentos sociais devem ser vistos, também (e neles, é claro, os seus agentes), como produtores da história, como forças instituintes que, além de questionar o estado autoritário e capitalista, questionaram suas práticas, bem como a própria centralização/burocratização tão presente nos partidos políticos. (RESENDE, 1985, p.38) 5 A Assembleia Constituinte foi instalada em 1 de fevereiro de 1987, no Congresso Nacional a fim de elaborar a nova Constituição brasileira. Os trabalhos da Constituinte encerraram-se em 2 de Setembro de 1988, quando foi aprovado o texto final da nova Constituição (Assembleia Nacional Constituinte de 1987. In: Wikipédia: enciclopédia livre. Disponível em:

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Durante o processo da Constituinte, os movimentos sociais influenciaram a vida política no Brasil. Segundo Lonardoni (et al, 2016) os movimentos sociais desenvolveram papel fundamental para afirmação das políticas públicas e, especificamente da assistência social.

Assim, nos parece ser muito importante reafirmar que os movimentos sociais, através das suas lutas, contribuíram de maneira significativa para trabalhar o rosto do Brasil e a configuração das políticas sociais nacionais. E foi nesse contexto de grande mobilização social que teve início uma intensa discussão para a formulação de uma política pública de assistência social efetiva, constitucionalmente assegurada.

Diante da abertura política e das pressões dos movimentos sociais, o governo de José Sarney (1985-1990), desenvolveu uma série de reformas institucionais. A intenção era proporcionar maior desenvolvimento na área social e econômica. Para alcançar tal objetivo, foi desenvolvido o Plano Nacional de Desenvolvimento da Nova República (I PND-NR), um plano para assistência social, de 1985.

Para Lopes (1990, p.75):

O I PND-NR se concentrou nos seguintes aspectos: crescimento econômico; combate à pobreza, às desigualdades e ao desemprego; educação, alimentação, saúde, saneamento, habitação, previdência e assistência social; justiça e segurança pública.

Quanto à parte econômica o I PND-NR evitou quantificações que pudessem representar compromissos mensuráveis. Enfatizou, principalmente a mudança no padrão de negociação da dívida externa e a necessidade de reduzir as transferências de recursos ao exterior (LOPES, 1990, p.75).

No entanto, foi somente no final da década de 1980, com o processo da Constituinte, que se instala um complexo processo de debates e articulações com vistas ao nascimento da política de assistência social, inscrita no campo democrático dos direitos sociais. Já a consolidação da Constituição Federal de 1998 (CF/88) ofereceu a oportunidade de reflexão e mudança no campo das políticas sociais, pois inaugurou um padrão de proteção social afirmativo, de direitos através da proposição da superação das práticas assistenciais e clientelistas. Esta nova concepção de política social teve impacto na assistência social.

De acordo com a CF/88, aprovada em 5 de outubro, que surge uma nova concepção para a assistência social, incluindo-a na esfera da seguridade social. No texto constitucional podemos ler: Art.194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à

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saúde, à previdência e à assistência social (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2003, p. 193).

A Política de Assistência Social presente na CF/88 pelos artigos 203 e 204:

Art.203 A Assistência Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I- a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II- o amparo às crianças e adolescentes carentes; III- a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV- a habilitação e a reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V- a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

Art.204 As ações governamentais na área da assistência social serão realizadas com recursos do orçamento da seguridade social, previstos no art.195,além de outras fontes, e organizadas com base nas seguintes diretrizes:

I– descentralização político-administrativa, cabendo a coordenação e as normas gerais à esfera federal e a coordenação e a execução dos respectivos programas às esferas estadual e municipal, bem como a entidades beneficentes e de assistência social;

II– participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações em todos os níveis. (CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL, 2003, p. 130)

Segundo Sposati (2004), a Constituição de 1988 nega o falso conceito de que os beneficiários da assistência social são marginais, pois dessa forma estaria vitimando-os, afinal suas necessidades são fruto da estrutura social e não de uma desfuncionalidade pessoal. Ela tem, portanto, como público alvo os segmentos em situação de risco social e vulnerabilidade, não sendo mais destinada somente à população pobre. Em termos gerais, a CF/88 propiciou um alargamento formal das políticas sociais no que diz respeito à saúde, à educação, à previdência e à assistência social.

Todavia, na década de 1990, as classes proprietárias e empresariais (assim como seus representantes políticos), legitimadas pelo crescente processo de internacionalização da economia, passaram a cercear os avanços constitucionais que implicavam maior regulação estatal, pedindo, ao mesmo tempo: desestatização,

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desregulamentação econômica e social, privatização do patrimônio e serviços públicos e flexibilização do trabalho e da produção (PEREIRA, 2000, P.157).

Assim, o começo da década de 1990 assistiu a um intenso processo de difusão da ideologia neoliberal que colaborou para a não concretização dos direitos sociais previstos na Constituição.

Os adeptos internacionais do neoliberalismo orientam aos países da periferia do capitalismo que suas políticas sociais sejam focalizadas e compensatórias, implementadas apenas no âmbito da própria pobreza e para os pobres, sem levar em conta os determinantes estruturais que originam tal condição social. Uma das consequências dessa orientação é o fim das conquistas no que tange aos direitos universais, conforme veremos no capítulo a seguir.

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CAPÍTULO 2

O NEOLIBERALISMO E O DESMONTE DAS POLÍTICAS SOCIAIS

A Constituição Federal de 1988 legitima, no Brasil, um novo modelo de proteção Social que reconhece os direitos sociais da classe trabalhadora, assegurando serviços na área da saúde, previdência e assistência social, amparada naquilo que chamamos de tripé da seguridade social.

Sendo assim, a Constituição viabiliza a legitimação de direitos sociais a fim de prevenir, reduzir e cobrir sequelas sociais (BEHRING; BOSCHETTI, 2006). Nela, segundo as autoras supracitadas, a grande maioria dos serviços prestados pelo Estado não dependem do custeio individual e são orientados pelos princípios da universalidade, uniformidade e equivalência dos serviços e benefícios. Além disso, a CF/88 segue uma lógica de seletividade e distribuição de serviços e benefícios, irredutibilidade do valor dos benefícios, caráter democrático e descentralizado da administração. Ou seja, a Carta Magna – resultante também de muita luta social – vai atribuir um caráter mais universal às políticas sociais, aproximando-se do modelo redistributivo voltado para a proteção de toda a sociedade.

As transformações sociais, econômicas e políticas ocorridas no contexto do capitalismo contemporâneo tiveram e continuam tendo muitos impactos nas políticas sociais, particularmente para a seguridade social, o que tem provocado rebatimentos na política de assistência social.

A partir do final da década de 1980 e início da década de 1990, no Brasil, sob a influência do neoliberalismo, é possível identificar um modelo de intervenção estatal focalizado, baseado na lógica do mercado e marcado pela desregulamentação dos direitos sociais. Neste modelo, o Estado deve ser acionado quando os outros mecanismos de satisfação da necessidade sociais como a família e/ou o próprio mercado não estão em condições de resolver determinadas exigências do indivíduo. Observamos então, a partir desses pressupostos, a proposta de ajuste estrutural do Estado que repercute nas políticas sociais.

Para uma melhor compreensão dos processos recentes de ajuste estrutural no Estado e das políticas sociais, é primordial compreender as transformações experimentadas na esfera do capital, em especial a partir dos anos 70 (quando o mesmo se reconfigura).

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Remetendo-nos às análises de Behring e Boschetti (2006), que sustentam a afirmação de que entre as décadas de 60 e 70 o capitalismo experimentou um padrão de desenvolvimento capaz de garantir episódios de crescimento no seu interior, observamos a expansão também da garantia dos direitos sociais neste contexto que as estudiosas chamam de “idade de ouro do capitalismo”.

Essa conjuntura exigiu a presença ativa do Estado como provedor de bens e serviços sociais. Assim, ocorreu a ampliação da cidadania, ultrapassando os direitos civis e políticos, identificados e aceitos pela ideologia liberal. Ao contrário da cidadania civil e política, que pressupõe a ausência do Estado para a sua garantia, a cidadania social necessita da presença ativa e decisiva do Estado na provisão social, através da efetividade das políticas sociais (PEREIRA et al, 2006).

De acordo com Pereira et al (2006), este padrão de desenvolvimento do capitalismo começou a dar sinais de crise a partir do final da década de 1960, quando as economias dos países de capitalismo central começaram a dar indícios de declínio. “A queda das taxas de lucro, as variações da produtividade, o endividamento internacional e o desemprego são indícios daquele processo” (MOTA, 19895, p. 49).

A resposta do capital às baixas taxas de lucro, a partir dos anos de 1970, foi a chamada reestruturação produtiva que ocorreu através da revolução tecnológica e organizacional na produção, e almeja um diferencial de produtividade do trabalho como fonte de superlucros (PEREIRA et al, 2006). Além disso, observamos a crescente globalização da economia e o retorno dos ideais liberais, através do neoliberalismo, que consiste na sustentação do Estado mínimo para o social, uma vez que o mercado é o principal e insubstituível mecanismo de regulação social.

Assim sendo, a superação da crise do capital mundial, iniciada na década de 1970, se deu pela via da reestruturação produtiva e do ajuste neoliberal, o que acarreta a desregulamentação de direitos sociais, o corte dos gastos sociais e o apelo ao mérito individual.

Em relação à reestruturação produtiva (PEREIRA et al, 2006), a prerrogativa é flexibilidade – ou a chamada acumulação flexível – que tem por objetivo o máximo de produtividade da força de trabalho com o mínimo de gastos.

Todas essas mudanças foram acompanhadas pela “constituição de um regime de acumulação mundial financeiro, ou melhor, uma nova configuração do capitalismo mundial e dos mecanismos que comandam seu desempenho e sua regulação” (PEREIRA et al, 2006).

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Ao final do longo período expansivo do capitalismo, baseado no crescimento econômico e intervenção do Estado, se iniciou um longo período recessivo caracterizado pela taxa de crescimento inferior à alcançada nas décadas de 50 e 60. Segundo Pereira et al (2006), os impactos e consequências da crise, e as soluções para o seu combate, diferenciam-se entre os países dependendo da sua inserção internacional na economia mundial e das particularidades dos estágios de desenvolvimento histórico de cada nação que determinam respostas sociais e políticas próprias.

Neste contexto de modificação do padrão de acumulação, as exigências e imposições do capital para os países chamados de terceiro mundo, através de seus órgãos multilaterais6, vão ser exigências relacionadas ao ajuste estrutural do Estado. Este ajuste estrutural se deu através de privatizações de empresas estatais, desregulamentações das economias nacionais e reforma do papel do Estado. Infelizmente é esta perspectiva que vem determinando as tendências das políticas sociais no Brasil. Em oposição à universalização e a integração com as outras esferas da seguridade social, as políticas sociais passam a ser centralizadas em programas sociais emergenciais, focalizados e tendem a privatização.

Para fazer tal afirmativa, baseamo-nos em Pereira (2006), sobre as propostas do modelo neoliberal para a América Latina, prevendo a liberalização comercial e financeira a todo custo, entrando em aberta contradição com o intenso neoprotecionismo nos países centrais.

No caso brasileiro, “o ajuste tornou-se particularmente dramático nos últimos anos, tanto do ponto de vista econômico quanto do social” (SOARES, 2000, p. 35 In PEREIRA, 2006).

No Brasil, durante a década de 1990, apesar da resistência às políticas de desregulamentação financeira e abertura comercial irrestrita dos anos anteriores, foram implementadas políticas de ajuste de maneira intensa e em curto prazo.

Como resultado desse ajuste estrutural no Brasil, Pereira (2006) aponta a conformação de um sistema dicotômico de proteção social que não se refere mais a inserção ou não no mercado formal de trabalho, mas sim a níveis de renda que se traduzem em diferentes graus de capacidade contributiva dos diferentes segmentos sociais. Neste sistema são “(...) possíveis de serem incluídos pelo processo de

6

Como exemplo de organismos multinacionais citamos o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Banco Interamericano para a Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD), Fundo Monetário Internacional (FMI) e etc.

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globalização, e aqueles definitivamente excluídos desse processo (...)” (COHN, 1999, p. 189 In PEREIRA, 2006).

Observamos então a tendência cruel da universalização de um patamar básico e miserável de acesso a determinados níveis de serviços sociais financiados com recursos públicos e orçamentários, e o crescimento de “(...) um sistema privado, no geral continuando a ser subsidiado (através, por exemplo, do instrumento de renúncia fiscal) e destinado aos segmentos sociais de maior poder econômico” (COHN, 1999, p. 189 In PEREIRA,2006).

Perpetua-se, então, de acordo Pereira (2006), um intenso processo de “liberalização” da seguridade social, onde a proteção será somente para os mais miseráveis. Ou seja, as ações de proteção social advindas de recursos do Estado só focalizarão uma parte da população, logicamente, aquela que se encontra abaixo da linha de pobreza e exige uma ação mais imediata do Estado.

(...) assistimos em toda a década de 1990 e anos 2000, a desregulamentação da Constituição Federal de 1988 através de um verdadeiro ataque da agenda universalista prevista, que mesmo antes de ser implementada na íntegra já sofreu um desmonte (PEREIRA, 2006, p.10).

Outra característica das políticas sociais no contexto neoliberal, além do caráter emergencial e focalizado e da tendência à privatização, é o apelo à solidariedade individual e voluntária, assim como às ações de organizações filantrópicas e organizações não governamentais. Segundo Pereira (2006), este apelo à solidariedade e à parceria com a chamada sociedade civil, desresponsabiliza o Estado das suas obrigações, despolitiza as relações sociais, desloca a questão social da esfera pública e insere-a no contexto de filantropia. Este processo contribui para a desregulamentação dos direitos sociais e para a descentralização das ações do Estado.

Segundo Silva (2003, p.238), citado por Yasbek, et.al (2003, p.31):

O exposto sugere que o enfrentamento da pobreza no país vem sendo orientado por uma lógica, de um lado, representada pela adoção de um conjunto desarticulado, insuficiente e descontínuo de programas sociais compensatórios, que na década de 1990, passam a se orientar pelos princípios da ‘focalização’, da ‘descentralização’, e da ‘parceria’ assentados no ideário neoliberal, tudo movido pela ideologia da solidariedade’ e da reedição da filantropia e da caridade, agora estendida ao âmbito empresarial. De outro lado, é mantido o Modelo Econômico baseado na sobre-exploração do trabalho e na concentração da riqueza socialmente produzida, cuja expressão é o aumento do desemprego, o incremento do

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trabalho instável e precarizado; a diminuição da renda do trabalho e a consequente expansão da pobreza (SILVA, 2003 In YASBEK et al, 2003)

Diante de todas as metamorfoses do Estado tratadas até aqui, constata-se um desmonte das políticas sociais no Brasil, caracterizando um ataque às propostas da Constituição de 1988. Segundo Behring (2006), esse processo é tido como uma verdadeira contrarreforma do Estado Brasileiro.

No entanto, cabe ressaltar que a Constituição de 1988 impõe a perspectiva de um padrão público universal de direitos sociais. Nesse sentido, ela significou um dos mais importantes avanços na política brasileira, apontando para a possibilidade de estruturação de um sistema amplo de proteção social. Todavia, diante das exigências neoliberais, os princípios estabelecidos pela Constituição e que deveriam provocar mudanças no sistema de proteção social brasileiro, foram desprezados e submetidos a uma nova lógica de privatização, focalização, seletividade e descentralização.

2.1 A política de assistência social, o neoliberalismo e sua lógica mercadológica.

Foi com a Constituição Federal de 1988 que a política de assistência social foi consolidada como direito, compondo então o tripé da seguridade social brasileira. Este foi um dos grandes avanços da política de assistência (SOUSA e GONÇALVES, 2014) consolidada constitucionalmente no campo dos direitos.

Segundo Sousa e Gonçalves (2014), a Constituição de 1988, no artigo 194 estabelece a seguridade social a partir de um tripé composto pela política de saúde, previdência e assistência social, estabelecendo-a como uma proposta de proteção social e de direitos, representada por:

Art. 194. A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:

I - universalidade da cobertura e do atendimento;

II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;

III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;

V - eqüidade na forma de participação no custeio; VI - diversidade da base de financiamento;

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VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados.

VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (BRASIL, 1993).

De tal modo, a política de assistência social, que passa a integrar o tripé da seguridade social, torna-se uma forma de proteção social àqueles que dela necessitarem e configura-se como política não contributiva de caráter universal. Da mesma forma que as outras políticas que compõe o tripé da seguridade social, a assistência social é um direito constitucionalmente afirmado e se configura como uma política de estado.

Para Lopes (2006) citado por Sousa e Gonçalves (2014), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS), criada em 2004, e o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), criado em 2005, são a materialização de uma agenda democrática, cuja biografia tem raízes históricas nas lutas e contradições que compõem esse direito social – que foram e são objeto da atenção de intelectuais, da atuação de militantes e da ação de trabalhadores sociais em todo o país.

Esse processo histórico de alguma duração, perto de quatro décadas, continua a requisitar muita atenção porque, conforme pontuado anteriormente, as décadas de 1990 e 2000, no Brasil, foram marcadas pelo novo modelo de acumulação capitalista, concretizado no avanço do projeto neoliberal que ameaçou de maneira significativa os direitos conquistados. No campo das políticas públicas, esta “retrovisão” (LOPES, 2006, p.77) nos coloca o enfrentamento dos desafios colossais que envolvem a defesa desse inédito sistema de direitos sociais arduamente conquistados.

Nesse sentido é importante salientar que a articulação com os movimentos sociais trouxe um avanço expressivo à assistência social, colocando-a no campo do direito e da responsabilidade do Estado.

Os movimentos pró-assistência social passam a ser articulados com a presença de órgãos da categoria dos assistentes sociais que, através do então CNAS e CEFAS – hoje CRESS e CFESS – vão se movimentar com a ANASSELBA, Frente Nacional de Gestores Municipais e Estaduais, Movimentos pelos Direitos das Pessoas com Deficiência, dos Idosos, das Crianças e Adolescentes, pesquisadores de várias universidades pleiteando a regulamentação da assistência social (SPOSATI, 2004).

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Por isso, e em resposta às exigências constitucionais, além da PNAS e do SUAS, a Lei Orgânica da Assistência Social – LOAS (1993)7 nos parece importante,

pois foi ela foi que “definiu os objetivos, as diretrizes e estabeleceu um padrão de operacionalização (...) da política de assistência social” (NEGRI, 2011, p. 109 In SOUSA e GONÇALVES, 2014), como previsto em seu artigo 1º:

A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas. (BRASIL, LOAS, 1993).

Desta maneira, de acordo com Negri (2011, p.110) citada por Sousa e Gonçalves (2014):

Com a LOAS a política de assistência social teve sua concepção transformada, avançando na superação de sua percepção assistencialista, passando para o campo da política pública de responsabilidade do Estado. Isso ocorreu através das estratégias da descentralização político-administrativa, da instituição do comando único e na constituição dos Conselhos, Conferências, Fóruns, Planos e Fundos, promovendo o controle social sobre a política de assistência social (NEGRI, 2011 In SOUSA E GONÇALVES, 2014).

Naquilo que diz respeito a PNAS é importante ressaltar que ela vai materializar as diretrizes da LOAS (SOUSA e GONÇALVES, 2014), padronizando, ampliando e implementando, através de seu texto, os serviços de assistência social com uma proposta de organização em todo território brasileiro.

Já o SUAS, para Sousa e Gonçalves (2014), representa um grande salto na organização da política de assistência social, determinando que esta deve ser gestada de forma descentralizada, hierarquizada e participativa8. A proposta deste novo sistema de gestão da política de assistência social respeita as diferenças entre os municípios e a realidade da população urbana e rural, sendo que, estipula os níveis diferentes de gestão dos municípios de acordo com a proteção social que é ofertada (básica e especial)9, normatizando os padrões de serviços, estabelecendo

7

Lei nº. 8.742/93

8

Ressaltamos que a participação dos usuários nas instâncias decisórias da política de assistência social é considerada um dos grandes avanços nesse processo, pois coloca o usuário como protagonista da política de assistência social, dando vez e voz a quem era considerado mero receptor de ações assistencialistas.

9“A proteção social básica tem como objetivo prevenir situações de risco por meio do desenvolvimento de potencialidades e aquisições e o fortalecimento de vínculos familiares e comunitários. Destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade social decorrente da pobreza, privação (ausência de renda, precário ou nulo acesso aos serviços públicos, dentre outros)

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qualidade no atendimento e indicadores de avaliação, assim como as funções de proteção social e vigilância socioassistencial.

É possível constatar, de acordo com Sousa e Gonçalves (2014), que a construção do SUAS objetivava a ruptura do assistencialismo, da benesse, de ações do primeiro-damismo e outras ações que são perpassadas pelo ranço conservador brasileiro, constituindo-se assim como um grande avanço na política de assistência social brasileira.

Sabe-se que as políticas sociais sempre foram submetidas às necessidades das políticas econômicas e estiveram a serviço dos interesses da classe dominante, no entanto, de acordo com Behring e Boschetti (2008), apesar das dificuldades da efetivação das políticas sociais no contexto brasileiro, elas “podem assumir tanto um caráter de espaço de concretização de direitos dos trabalhadores, quanto ser funcional à acumulação do capital e à manutenção do status vigente” (BEHRING e BOSCHETTI, 2008, p. 195 In SOUSA e GONÇALVES, 2014).

Por isso, naquilo que diz respeito à política de assistência social, é possível dizer que há um conflito “macrossocietário”10 (BEHRING, 2008 In SOUSA e GONÇALVES, 2014) e isso se reflete na forma como ela se apresenta nos dias de hoje, principalmente no que diz respeito aos programas de transferência de renda extremamente focalizados e seletivos, que contrariam a lógica da universalidade e também evidenciam o caráter contraditório da atual política de assistência social.

Compreendemos, de acordo com Sousa e Gonçalves (2014), que se por um lado, a política de assistência social é amparada pela seguridade social,

e/ou fragilização de vínculos afetivos - relacionais e de pertencimento social (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências, dentre outras).”

(...) “A proteção social especial é a modalidade de atendimento assistencial destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas sócio-educativas, situação de rua, situação trabalho infantil, entre outras. São situações que requerem acompanhamento individual e maior flexibilidade nas soluções protetivas, comportam encaminhamentos monitorados, apoios e processos que assegurem qualidade na atenção protetiva e efetividade na reinserção almejada. Os serviços de proteção especial têm estreita interface com o sistema de garantia de direitos, exigindo muitas vezes uma gestão mais complexa e compartilhada com o Poder Judiciário, Ministério Público e outros órgãos e ações do Executivo. Proteção Social básica e especial.” (In: http://www.desenvolvimentosocial.sp.gov.br/portal.php/assistencia_especial. Acesso em: 20/07/2016)

10

As dificuldades da efetividade das políticas sociais no contexto brasileiro insere-se diretamente no modelo societário capitalista neoliberal de priorização do mercado financeiro. Compreendemos que a políticas públicas são combinadas por políticas econômicas e sociais, tendo o Estado como seu formulador e executor. No Brasil, historicamente, as políticas sociais estiveram submetidas às necessidades das políticas econômicas e a serviço dos interesses da classe dominante. Sendo, a política de assistência social fruto desse conflito macrossocietário (BEHRING, 2008).

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caracterizada como política de proteção social, por outro, em sua efetivação, ela se torna uma política restritiva e excludente, alcançando apenas aqueles sujeitos que estiverem em extrema pobreza. Por isso constatamos que para atingir a efetivação da política de assistência social é necessário superar o seu caráter seletivo e focalizado.

Diante desta conjuntura, um grave problema torna-se crescente: o aumento da população que está uma pouco acima da linha da pobreza e não se enquadra no perfil dos assistidos pela assistência social. Compondo esta realidade, a filantropia, expressa pelo trabalho das ONGs, que na sua grande maioria atua na lógica da benevolência e da caridade, ganha destaque no cenário nacional.

Considerando que um dos grandes avanços da política de assistência social foi romper com o modo arcaico de enfrentar as expressões da questão social (SOUSA e GONÇALVES, 2014) através da lógica assistencialista, a tentativa de resolver essas questões por meio da filantropia é um verdadeiro retrocesso no âmbito da Política de assistência social, visto que, deixar uma parcela dos cidadãos desprotegidos dá ao Estado respaldo à continuidade de formas assistencialistas para enfrentar a pobreza.

Além disso, “as formas focalizadas de atuação das políticas sociais, através dos programas de transferência de renda, são resultado da política neoliberal que dá preferência em manter em equilíbrio o capital financeiro (SOUSA e GONÇALVES, 2014)”. Essa preferência contraria um dos objetivos preconizados na política de assistência social, que é o da emancipação do usuário. Ao partir da ideia de que o caráter de emancipação não deve ser considerado apenas do ponto de vista econômico, os programas de transferência de renda colocam a proteção social sob a égide da proteção do mercado.

Nesse sentido, segundo Sousa e Gonçalves (2014), torna-se evidente que, o que existe de concreto na política é uma proposta de emancipação econômica, porém, o verdadeiro sentido da emancipação nos remete à politização e a participação política, tendo como resultado a liberdade dos sujeitos sociais. Ou seja, uma das opções para atingir a emancipação seria nos espaços coletivos, de controle social, nos conselhos e etc., e não estritamente no mercado.

Acontece que, em tempos neoliberais, o máximo de “coletividade” que trata a política de assistência social, relaciona-se a família e ao lugar que a ela ocupa no campo da PNAS. Na Política, a matricialidade sociofamiliar transforma a família como centro da assistência social (SOUSA e GONÇALVES, 2014).

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Podemos avaliar, de acordo com Souza e Gonçalves (2014), que a matricialidade sociofamiliar é um avanço, considerando que antes da consolidação da política de assistência social os serviços assistenciais estavam voltados aos segmentos sociais.

Porém, pela forma como a família é responsabilizada, a política de assistência social se torna contraditória, transformando-se em uma armadilha. Proteger as famílias de forma ampla é dever do Estado. No entanto, não cabe ao Estado responsabilizá-las pelas mazelas que as assolam. Esta responsabilização está na forma que a política de assistência social se relaciona com estas famílias, através de programas que pretendem normatizar e/ou ajustar as famílias no âmbito do sistema vigente (BEHRING; BOSCHETTI, 2006, 162 In SOUSA e GONÇALVES, 2014).

Conforme nos escreve Mioto (2008), a independência familiar disposta na PNAS no chama a atenção para a “redução da dependência em relação aos serviços públicos e para ‘redescoberta’ da autonomia familiar enquanto possibilidade de resolver seus problemas e atender suas necessidades” (MIOTO, 2008, p.139 In SOUSA e GONÇALVES, 2014).

Nesse sentido, percebe-se que a matricialidade sociofamiliar tem conduzido a família por um viés onde a mesma torna-se responsável por sua situação e não dependa dos serviços públicos, fazendo com que resolva sozinha os seus problemas.

Enfim, a trajetória recente de instituição e consolidação da política de assistência social acontece concomitante à ampliação de programas sociais cujos princípios e valores intrínsecos são contrastantes e antagônicos à política de assistência social fundada no patamar de política pública.

Nesse cenário, a trajetória de implantação e defesa da assistência social se confronta com as diretrizes das políticas sociais em tempos neoliberais que se mostram contrárias ao princípio fundante da assistência social no marco da seguridade social.

Assim, a institucionalização e a operacionalização das políticas sociais contemporâneas têm impactado na materialidade dos serviços e benefícios sociais, de modo a delimitá-los e restringi-los, em consonância com a tendência mundial da lógica de acumulação de capital.

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2.2 A assistência social e o Programa Bolsa Família

O Programa Bolsa Família11 é um programa vinculado à política de

assistência, que surgiu no ano de 2003, com a finalidade de articular as políticas sociais da assistência num único eixo, unificando uma série de benefícios e programas de transferência de renda (PTF), através de um único cadastro, chamado CADÚNICO.

Assim, o Programa Bolsa Família passou a unificar os seguintes Programas já existentes: Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio Gás, Cartão Alimentação, o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil – PETI, e o Agente Jovem.

O Bolsa Família está inserido num contexto de renovação do modelo de Proteção Social, proposto pelo Sistema Único de Assistência Social (SUAS), e que pressupões uma articulação entre a rede e os profissionais dessa rede. Além disso, sua intenção foi a de reduzir a situação de pobreza e extrema pobreza que atinge dezesseis milhões de brasileiros, segundo dados12 do Ministério de Desenvolvimento Social.

O Programa Bolsa família possui três eixos principais: o primeiro diz respeito à transferência de renda (que é direta e em nome da mulher, de preferência); o segundo diz respeito às condicionalidades que a família tem que cumprir para receber o benefício; e o terceiro eixo trata de outros serviços da rede que são oferecidos visando à integração desta família e sua inserção social.

Em relação às condicionalidades do Programa, podem ter acesso a ele todas as famílias com renda por pessoa de até R$ 85,00 mensais e famílias com renda por pessoa entre R$ 85,00 e R$ 170,00 mensais, desde que tenham crianças ou adolescentes de 0 a 17 anos. Além disso, as crianças da família devem atender à frequência mínima escolar exigida (que é de R$ 85% para crianças de até dezessete anos), e devem realizar consultas periódicas no PSF (Programa de Saúde da Família).

Além dos critérios acima descritos, naquilo que diz respeito à concessão do benefício, ela depende da relação de quantas famílias já foram atendidas no município com a estimativa de famílias pobres da localidade, respeitando-se o limite orçamentário do programa.

11

Este Programa integra o Plano Brasil Sem Miséria (desenvolvido durante a gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva).

12

A consulta ao sítio online do Ministério de Desenvolvimento Social foi realizada em julho de 2016, para fins de elaboração deste Trabalho de Conclusão de curso.

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Em consulta ao site do Ministério de Desenvolvimento Social, além de critério de concessão, o Programa Bolsa Família possui mecanismos de controle para manter o foco nas famílias que vivem em condição de pobreza e de extrema pobreza. Por isso, de acordo com o sítio online ministerial, periodicamente saem famílias do programa, principalmente porque não atualizaram as informações cadastrais ou porque melhoraram de renda, não se adequando mais ao perfil para receber o benefício. Ainda de acordo com a página, o descumprimento dos compromissos nas áreas de educação e de saúde também podem levar ao cancelamento do benefício.

Esta breve exposição do PBS nos aponta sua natureza comum aos atuais programas de transferência de renda em expansão global. Neles o beneficiário, sujeito passivo, é submetido a uma série de exigências e condicionalidades a serem cumpridas para o recebimento do benefício.

Ou seja, a lógica de ativação do beneficiário rumo à superação individual da sua condição de pobreza prioriza a lógica de autorresponsabilização, o que significa retornar a questão da pobreza para o plano moral. No PBF, por exemplo, a partir da leitura crítica dos critérios de permanência no programa, percebemos que existe uma premissa de que pais pobres são, de alguma forma, culpados se seus filhos não vão à escola ou ao médico,

Esse pensamento enfatiza a ideologia individualista, na qual cada um é o único culpado por suas derrotas e também o único responsável por suas vitórias. Um dos efeitos nefastos dessa ideologia é a culpabilização dos beneficiários que não conseguem por si só alcançar o sucesso pessoal.

Nos parece que o Programa Bolsa Família ratifica as afirmações feitas até este momento neste TCC, principalmente em relação ao desmonte da universalização dos direitos previstos pela CF/88, pois com ele o Estado também deixa de se responsabilizar pela garantia estendida de direitos e passa a desenvolver medidas focalizadas e emergenciais para atender o “mais pobre” entre os pobres. Vejamos se essas características gerais do BPC também de apresentam na concessão do benefício no município de Macaé.

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