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Capítulo 02. Do movimento dos saraus ao Sarau do Binho

2.1 Sarau do Binho

2.1.3.3. A força das águas

Como forma de atuação para além da cidade de São Paulo, o Sarau do Binho também é requisitado a eventos na região metropolitana de São Paulo, ou em cidades próximas, como a participação na feira do livro no IV Festival da Mantiqueira, em São Francisco Xavier, distrito de São José dos Campos, a 150 km de São Paulo.

Geralmente as apresentações do sarau são solicitadas em eventos sobre a prática da leitura, eventos culturais ou políticos que discutam a inserção do cidadão comum, na vida engajada através da cultura, com o recorte e contribuição da cultura periférica através da experiência dos saraus.

São Francisco Xavier tem a população de aproximadamente 3 mil habitantes, caracteriza-se como polo turístico por situar-se na Serra da Mantiqueira, região de cidades conhecidas, como Monteiro Lobato e Campos do Jordão, assim como por possuir uma imensa área verde e um número acentuado de cachoeiras, atraindo uma quantidades significativa de turistas da região metropolitana de São Paulo com o objetivo de passar o fim de semana com a família em uma cidade calma, com clima serrano e em chalés próximos à natureza. Com programação variada, desde apresentações artísticas, debates sobre obras literárias, agricultura orgânica e preservação da natureza, além da própria feira de livros, o festival configura-se no distrito como responsável a lançar a cidade de São José dos Campos na região como polo turístico.

O Sarau do Binho foi convidado para este evento em fevereiro de 2014, tendo como combinado o pagamento do transporte, alimentação, hospedagem e cachê. Para a apresentação foram uma Van e três carros, totalizando 26 pessoas ligadas ao teatro, música, engajamento político, documentaristas, poetas e aqueles que não necessariamente se apresentam, mas que ajudam na organização, transporte e na solução de algum eventual problema.

Como de costume, o ponto de partida foi a casa da família Padial, as pessoas chegando, trocando ideias com bastante expectativas, Suzi, a centralizadora da organização e da preocupação com o bem-estar do grupo, carinhosamente confere listas, pessoas, malas, liga para um, lembra de outros, passa recomendações sobre a viagem e o comboio parte ansioso.

Nesses eventos em que o grupo passa a maior pargte do tempo junto, devido ao transporte, hospedagem e alimentação, as conversas, as palavras, projetos, desabafos e novidades tornam-se elementos catalisadores da união das pessoas, mesmo não sendo assalariados, no máximo remunerados a cada apresentação, desfrutam tal tempo junto fazendo com que nasçam ideias que contribuam com o coletivo.

Na cidade de destino na hora do almoço, depois de quatro horas de locomoção, as primeiras ações são chegar aos responsáveis pelo evento e pegar as instruções do almoço e da hospedagem.

Resolvidos os problemas de logística, as recomendações ao grupo são se espalharem pela cidade com a responsabilidade de estarem no coreto da praça central um pouco antes das apresentações se iniciarem. Fazer parte do Sarau também é se abrir para novidades, seja em experiências artísticas, culturais, ou na oportunidade de conhecer novos lugares, pois, de todas as pessoas do grupo, poucas conheciam a cidade e nenhuma havia permanecido e desfrutado de estadia na serra.

Depois de caminharem pelos arredores do centro e terem visto as atividades do Festival, próximo ao horário das apresentações, aos poucos os integrantes do Sarau aproximavam-se da praça, Geraldo Magela, fundador do grupo Candearte, passa a testar o som e cantar algumas músicas características das suas apresentações, como o coco, essa atitude parece um sinal, que, mesmo não combinado, atrai as pessoas, em uma espécie de ritual de aproximação dos integrantes do Sarau, pois de todos os lados chegam os integrantes com a camiseta do Sarau do Binho, outra especificidade de grupo, sejam camisetas com a frase “Sarau do Binho VIVE!”, ou a famosa frase “Uma andorinha só não faz verão, mas pode acordar o bando todo!”.

Diferentemente de outros movimentos ou outros saraus, o Sarau do Binho organiza suas apresentações de forma livre, seu anfitrião, o Binho, aproxima-se do palco, testa o microfone, com a sua fala solta, calma, humilde e envolvente, profere: “Boa noite, este é o Sarau do Binho, movimento cultural

que ocorre no bairro de Campo Limpo, zona sul de São Paulo desde 1995/1996 com as noites da vela”, em seguida discorre sobre assuntos ligados

à saúde e principalmente aos alimentos, seja pela manipulação dos oligopólios das multinacionais no ramo de alimentos ou recomendações para tomar muita água, ou informações sobre a vesícula, para depois olhar para a plateia, para os integrantes do Sarau e chamar aleatoriamente, de acordo com o seu conhecimento e experiência de como agradar e impactar o público, iniciando com exibições calmas, poéticas, musicais, para encerrar no ápice da agitação com a dança do coco e com a ciranda dirigida pelo Geraldo Magela do Grupo Candearte, reconhecida como característica marcante do Sarau do Binho,

desde o tempo do reduzido espaço do “BBinho”, a dança sempre é carregada de abraços, sorrisos e o calor humano gerado pela proximidade.

Nessas exibições, com o envolvimento dos aplausos e a contribuição dos artistas, o público fica cativado a participar, neste dia foram três pessoas da plateia que subiram ao palco e recitaram suas poesias e cantaram algumas músicas de domínio popular.

Ao término das apresentações e com a agitação de todos, Binho encerra a participação do Sarau agradecendo o convite feito pelos organizadores do evento, faz o pedido especial da noite: “olhe para o lado e dê três abraços em

pessoas diferentes”, espontaneamente todos começam a agradecer a

participação e energia daquela intervenção.

Depois do agito final, os integrantes do Sarau do Binho reúnem-se e combinam o retorno de Van para a pousada e em seguida se dispersam na multidão para aproveitar o resto da noite, vender CDs, livros, ou tirar alguma dúvida levantada por alguém do público.

As relações no grupo são de convivência e afinidade no geral, e pequenos grupos em específico são formados, seja por grau de parentesco ou pela convivência nas apresentações, fazendo com que, após as apresentações, o destino seja o passeio, a troca de informações, a diversão, pois é comum os seus integrantes levarem instrumentos e tocarem em algum local, reunindo também outras pessoas.

Acompanhei o grupo no retorno à pousada, pois a Suzi havia me convidado, no caminho percebi que a pousada era um pouco longe da praça central, pois voltamos para a estrada e subimos uma parte íngreme da serra durante 16 km.

Na pousada, na madrugada de domingo, comecei a perceber que o local era diferente daquilo que havia imaginado, com o nome de Pousada do Rochedo, a propriedade estendia-se pelos dois lados da pequena estrada de terra, com diversos chalés separados, ouvia-se o barulho de água, mas como estava noite imaginei um pequeno rio próximo. Pela manhã, todos ficaram impressionados com o visual serrano, com a neblina encobrindo o horizonte repleto de araucárias, acompanhado pelo som de cachoeiras ao redor.

Ao decorrer da manhã, as pessoas foram se dirigindo à casa central para o café da manhã, aleatoriamente se aproximando, e o assunto girava em

torno das experiências passadas, saúde, e, ao término da refeição, o destino de todos foi a contemplação da natureza e os atributos da pousada, onde, segundo o dono, há 30 nascente, dois lagos e oito cachoeiras espalhadas pelos 32 hectares.

Em conversa com o grupo, o seu Antônio, proprietário da pousada, relatou sua chegada ao local, na década de 1970, o reflorestamento feito por ele e seus empregados, a reconstituição das nascente, o retorno dos animais, das cachoeiras, pois, quando ele adquiriu o terreno, o mesmo era completamente pasto, com as nascentes secas, neste momento nos aconselhou a pegar a trilha ao lado da casa central e desfrutarmos das cachoeiras próximas, a menos de 500 metros de onde estávamos, alertando que pelo caminho passaríamos por castanheiras raras na região.

Percebi o quanto eram importantes esses momentos de descoberta e aprendizado, principalmente por saber que o grupo em si possuía algumas pessoas que estavam buscando ideias de preservação e contato maior com a natureza, através da espiritualidade e do autoconhecimento, proporcionando que o Sarau do Binho como um todo se fortaleça de forma autônoma, involuntária e tranquila, demonstrando que a cada dia a observação dos pequenos gestos, dos movimentos livres e a apreensão do não dito, a troca de olhares e outras formas gestuais fazem com que os laços entre os integrantes sejam estabelecidos e levados a uma relação duradoura de estima, carinho e amizades entre si, para além do Sarau.

Foto: Os integrantes do Sarau do Binho no início das apresentações. 05/04/2014 (Diego Elias)

Foto: Momento da história da Pousada Rochedo. Da esquerda para a direita: Binho, Geraldo Magela, Seu Antônio e a Suzi Soares. 06/04/2014. (Diego Elias)

Foto: Som de Geraldo Magela aos pés da Castanheira. 05/06/2014 (Diego Elias)

2.1.3. 4 - A brincadeira da palavra... “Brechoteca” – livros, histórias e

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