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Percorreu-se um largo arco no capítulo anterior, ao se examinar as relações entre os militares e a sociedade brasileira desenvolvidas e estabelecidas em um amplo contexto histórico, partindo-se da Questão Militar no Império (1884-1887), transitando-se por todo o período republicano, até à redemocratização do Brasil em 1985, com sua consolidação legal por meio da Constituição Federal promulgada em 1988 (BRASIL, 1988).

Verificou-se que as Forças Armadas, em todos os períodos analisados, promoveram injunções e mesmo intervenções políticas sempre com vistas ao bem comum da nação brasileira, mormente no combate a doutrinas estranhas e ameaçadoras à cultura brasileira, como o comunismo, e mesmo ao longo de intervenções em nível político, como foi a Revolução de 1964, em momento algum as Forças Armadas deixaram de perseguir a implantação da democracia em nossa pátria, como pode se aferir por meio da condução, pelos militares, do processo de redemocratização findado politicamente em 1985 e legalmente consumado com a Constituição de 1988 (ALSINA JÚNIOR, 2009; BRASIL, 1988; D`ARAUJO, 2010; FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

A redemocratização, promovida pelo regime militar, inaugurou uma era que se estende até a atualidade, conhecida como Nova República, caracterizada pela plena vigência do Estado Democrático de Direito. Eleições em todos os níveis têm ocorrido a cada quatro anos, assegurando o aperfeiçoamento institucional e cultural da democracia (D`ARAUJO, 2010; FREITAS NETO, TASINAFO, 2011).

Porém, desde o governo Sarney até o atual governo Temer, sucessivas crises políticas, econômicas e sociais, somadas a escândalos de corrupção – os quais têm atingindo figuras dos altos escalões dos governos civis – têm estremecido a República brasileira (FAUSTO, 2015; FREITAS NETO, TASINAFO, 2011):

Em 1992 houve, como produto de uma das maiores crises políticas da história republicana do país, o impecheament de um presidente eleito, Fernando Collor de Mello. A crise foi solucionada sem que houvesse qualquer intervenção militar, o que foi tomado por quase todos os analistas como uma demonstração de profissionalismo dos militares brasileiros. (D`ARAUJO, 2010, p. 133).

A realçar negativamente o cenário nacional, cite-se o impeachment de Dilma Rousseff em 2016, a prisão do ex-presidente Lula em 2018 e o indiciamento ou mesmo prisão de vários outros próceres da República no bojo da Operação Lava Jato, conjunto de investigações iniciadas em 17 de março de 2014 e ainda em andamento, conduzidas pela Polícia Federal (PF) com apoio do Ministério Público Federal (MPF) e Justiça Federal (MPF, 2018; PF, 2018).

Conforme assevera Fausto (2015), “se observa uma tendência de deterioração das instituições do sistema político e da própria qualidade dos quadros políticos do país, em um círculo vicioso em que uma e outra coisa se alimentam mutuamente” (FAUSTO, 2015, p. 564).

Contudo, mesmo no turbulento cenário em que o Brasil se encontra, as Forças Armadas brasileiras, com todo seu histórico de interveniências em prol da sociedade brasileira, têm se mantido à parte em termos políticos, primando pela legalidade e o profissionalismo (D`ARAUJO, 2010; RAPOSO V., 2014).

No transcorrer das primeiras décadas do século XXI, o absenteísmo político das Forças Armadas está em compasso com o papel constitucional que lhes foi atribuído, o que não significa que as mesmas não estejam atentas ao corrente quadro do país. Nota-se certo paroxismo com tal comportamento: “Para um país com forte tradição intervencionista das Forças Armadas não é desprezível que, desde 1985, não tenham patrocinado nenhuma crise política nem se pronunciado sobre as crises que o país enfrentou” (D`ARAUJO, 2010, p. 109).

As Forças Armadas não patrocinam crises, elas intervêm justamente para solucionar crises, notadamente em momentos de iminência de ruptura da tessitura social da nação brasileira, conforme seu histórico bem demonstra (vide capítulo anterior).

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 84 e 142 (BRASIL, 1988), estatui peremptoriamente a subordinação ao poder civil das Forças Armadas, ao atribuir o seu comando e autoridade supremos ao Presidente da República, ao mesmo tempo em que lhe destina o papel de garantes dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer desses poderes, da lei e da ordem, tal como consta no Artigo 142 da Constituição (BRASIL, 1988).

Por extensão, cabe às Forças Armadas atuarem para a manutenção do Estado Democrático de Direito em que se constitui a República brasileira, de acordo com o artigo primeiro da Carta Magna (BRASIL, 1988).

Decerto que para o atendimento às demandas constitucionais, complementadas pelas atribuições subsidiárias explicitadas na Lei Complementar n.º 97 de 9 de junho de 1999 (BRASIL, 1999), as Forças Armadas devem estar preparadas e adestradas, prontas para serem empregadas de forma a contribuir para o desenvolvimento nacional, a defesa civil e a segurança, para garantia da Lei e da Ordem (BRASIL, 1999; BRASIL, 2001).

À época dos presidentes militares (1964-1965), as demandas organizacionais de cada força eram tratadas em nível presidencial. Com o advento da Nova República em 1985, essa tratativa mudou, com a alteração do poder político dos militares restringindo-se aos ministérios militares. A criação, em 10 de julho de 1999, do MD removeu os comandantes das Forças Armadas do primeiro escalão ministerial, com a concomitante extinção dos ministérios de cada força. Estabeleceu-se, por conseguinte, a subordinação dos Comandos das Forças Armadas ao Ministério da Defesa, o que atenuou ainda mais a representatividade dos militares no escopo da sociedade brasileira (BRASIL, 1999; D`ARAUJO, 2010; RAPOSO V., 2014).

Historicamente, conforme externado no capítulo anterior, as Forças Armadas e seus componentes sempre apresentaram de forma direta e muitas vezes veemente suas demandas às autoridades governamentais, fossem elas militares ou civis, além de nem sempre utilizarem os canais oficiais, mas sim outros, fossem eles oficiosos como a imprensa, fossem quaisquer outros tipos de manifestação, até mesmo revoltas, rebeliões e, em sua forma mais enérgica, intervenções políticas.

Ao findar da segunda década do século XXI, o contexto sociocultural e político brasileiro não admite manifestações extemporâneas e virulentas por parte do segmento militar; torna-se primordial o aperfeiçoamento dos canais de comunicação do segmento militar com os segmentos civis da sociedade da qual faz parte. “As evidências no Brasil são de uma menor presença militar no cenário político nacional a partir da Nova República, iniciada em 1985, e de uma crescente aceitação, pelos militares, de um novo padrão nas relações civil-militares” (D`ARAUJO, 2010, p. 108).

Por conseguinte, esse novo padrão, alicerçado sobretudo na Constituição Cidadã de 1988 e na implementação do Ministério da Defesa, ao mesmo tempo que norteia o preparo e emprego das Forças Armadas e define os canais legais para expressarem suas demandas orçamentárias, logísticas e operacionais, permite que se anteveja a oportunidade de se esboçar uma estrutura que vá ao encontro do

imprescindível aprimoramento das relações civil-militares, o que beneficiará, em última instância, a execução da política de defesa nacional.

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