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POLÍTICA CULTURAL DAS FORÇAS ARMADAS DO BRASIL: UMA PROPOSITURA

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Academic year: 2021

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FERNANDO MARQUES JUNIOR

POLÍTICA CULTURAL DAS FORÇAS ARMADAS DO

BRASIL: UMA PROPOSITURA

Trabalho de Conclusão de Curso - Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia.

Orientador: Gilberto de Souza Vianna - TCel

Rio de Janeiro 2018

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©2018 ESG

Este trabalho, nos termos de legislação que resguarda os direitos autorais, é considerado propriedade da ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA (ESG). É permitida a transcrição parcial de textos do trabalho, ou mencioná-los, para comentários e citações, desde que sem propósitos comerciais e que seja feita a referência bibliográfica completa.

Os conceitos expressos neste trabalho são de responsabilidade do autor e não expressam qualquer orientação institucional da ESG.

_____________________________ Fernando Marques Junior

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

M357p Marques Junior, Fernando.

Política Cultural das Forças Armadas do Brasil: uma propositura / Coronel Engenheiro Fernando Marques Junior. - Rio de Janeiro: ESG, 2018.

51 f.

Orientador: Tenente-Coronel do Quadro Complementar de Oficiais Gilberto de Souza Vianna.

Trabalho de Conclusão de Curso – Monografia apresentada ao Departamento de Estudos da Escola Superior de Guerra como requisito à obtenção do diploma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE), 2018.

1. Cultura. 2. Brasil. 3. Defesa. 4. Sistema. 5. Conjunto. I. Título. CDD – 355.684 Elaborada por Alessandra Alves dos Santos – CRB-7/6327

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A Deus, Senhor dos Exércitos, que com tanto amor e misericórdia tem cuidado de mim e de minha família, minha eterna adoração e gratidão.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus colegas estagiários da Turma Ética e Democracia, a melhor turma do Curso de Altos Estudos de Política e Estratégia (CAEPE) da Escola Superior de Guerra (ESG) que já houve e haverá, pelo convívio harmonioso, compreensivo e carinhoso de todas as horas.

Ao meu Orientador, Tenente-Coronel QCO Historiador Gilberto de Souza Vianna, por seus ensinamentos, direcionamentos e sábias instruções que me nortearam na realização deste trabalho.

Ao Corpo Docente da ESG, o qual aprendi ao longo deste ano a estimar e admirar, pelas aulas, palestras e ensinos que me permitiram, ainda mais, a valorizar em real grandeza a nossa nação, ao estudarmos o Brasil pensando em o bem comum como valor maior.

Ao Brigadeiro-Engenheiro Ronaldo Yuan, pelas orientações e apoio que tive e tenho ao longo de minha carreira como Oficial-Engenheiro da Força Aérea Brasileira.

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Confia no Senhor de todo o teu coração, e não te estribes no teu próprio entendimento.

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RESUMO

O objetivo deste estudo é constatar em que medida o estabelecimento de uma política estratégica cultural conjunta pelas Forças Armadas, sob a égide do Ministério da Defesa, poderá colaborar para otimizar a percepção e consequentemente a valoração do estamento militar junto ao povo brasileiro, com decorrentes benefícios para o cumprimento da missão constitucional das Forças Armadas. A metodologia adotada abarcou revisão de literatura atinente à inserção sociocultural das Forças Armadas na sociedade brasileira, em um recorte temporal estatuído entre o final do Império até os dias de hoje, levando em conta a cultura como elemento estratégico. A pesquisa bibliográfica e documental permitiu fidedigno rastreamento histórico-documental das características ideológicas e culturais que moldaram as relações das Forças Armadas com os segmentos civis da sociedade brasileira, a fim de se estatuir referências teóricas demarcatórias que proporcionaram a análise da atual situação das relações entre os setores civis e o estamento militar. Este estudo, ao seu término, leva à constatação da necessidade de se constituir um sistema estratégico cultural conjunto, o qual poderá consubstanciar-se em uma chefia no âmbito do Estado-Maior Conjunto das Forças Armadas, amalgamando os esforços das forças singulares no campo cultural, com o explícito propósito de impulsionar o diálogo contínuo com os setores civis da sociedade, mormente o político, midiático e acadêmico, e colaborar para a compreensão do papel das Forças Armadas junto à sociedade, com o intuito de se ter pleno atingimento dos objetivos nacionais de defesa.

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ABSTRACT

The objective of this study is to determine the extent to which the establishment of a joint strategic cultural policy by the Armed Forces, under the aegis of the Ministry of Defense, can collaborate to optimize the perception and consequently the valorization of the military establishment by the Brazilian people, with consequent benefits to fulfill the constitutional mission of the Armed Forces. The adopted methodology included a review of the literature concerning the sociocultural insertion of the Armed Forces in Brazilian society, in a temporal cut between the end of the Empire to the present days, taking into account culture as a strategic element. The bibliographic and documentary research allowed a reliable historical and documentary tracking of the ideological and cultural characteristics that shaped the relations of the Armed Forces with the civil segments of the Brazilian society, in order to establish theoretical demarcation references that provided the analysis of the current situation of the relations between the civilian sectors and the military. This study, at its end, leads to the realization of the need to establish a joint strategic cultural system, which may be based on a leadership within the Joint Chiefs of Staff of the Armed Forces, amalgamating the efforts of the singular forces in the cultural field , with the explicit purpose of promoting continuous dialogue with the civil sectors of society, especially political, media and academic, and collaborate to understand the role of the Armed Forces in society in order to achieve thoroughly the national goals of defense.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... ..8

2 REFERENCIAL TEÓRICO ... 12

3 CULTURA ... 16

4 MILITARES E A SOCIEDADE BRASILEIRA ... 23

5 AS FORÇAS ARMADAS NO SÉCULO XXI ... 37

6 SISTEMA CULTURAL CONJUNTO DAS FORÇAS ARMADAS ... 41

7 CONCLUSÃO... 46

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1 INTRODUÇÃO

As Forças Armadas brasileiras, historicamente, têm atuado como Poder Moderador no meio político brasileiro, desde a proclamação da República em 1889, sendo fator de formação, consolidação e integração da nossa nação.

No bojo da Revolução de 1964, conduziram até 1985, por meio de sucessivos governos militares, um período de desenvolvimento e estabilização sócio-política que não só livrou o Brasil da comunização, como também colocou a nossa economia, em que pese a crise do petróleo de 1973, entre as dez primeiras do mundo, com a criação de uma larga infraestrutura nos campos de energia; transportes; telecomunicações; financeiro; serviços, entre outros.

As Forças Armadas têm sido vistas como as instituições mais confiáveis pelos brasileiros, atingindo o patamar de 66%, segundo dados divulgados em 19 de outubro de 2017, no lançamento de uma publicação da empresa de pesquisa e de inteligência de mercado IPSOS, intitulada “Brasil 2018: Caiu a Máscara” (IPSOS, 2017).

Porém, essa confiabilidade não tem encontrado amplo respaldo entre segmentos civis da sociedade formadores de opinião como, por exemplo, a mídia e o meio acadêmico.

Decerto, fatores tais como o revisionismo da história brasileira, particularmente quanto ao período dos governos militares pós-1964, elaborado e propalado por setores de esquerda após a redemocratização em 1985, têm contribuído para esse desgaste da imagem das Forças Armadas.

Não obstante as Forças Armadas demonstrarem diuturnamente, em especial no período pós-redemocratização, a sua conduta, caráter e vocação democráticos, em prol do Estado Democrático de Direito, como garantes dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer desses poderes, da lei e da ordem, tal como consta no Artigo 142 da Constituição (BRASIL, 1988).

Destarte, faz-se primordial aquilatar em que medida o estabelecimento de uma política sociocultural pelas Forças Armadas poderá contribuir para otimizar o reconhecimento e a percepção de sua relevância para a nação, junto aos demais segmentos componentes da sociedade brasileira, com consequentes benefícios para a política de defesa nacional.

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Para tanto, demonstrar-se-á que o estabelecimento de uma política estratégica sociocultural pelas Forças Armadas sob a égide do Ministério da Defesa, estruturada de forma sistêmica e conjunta, contribuirá para um melhor conhecimento das atividades desenvolvidas pelas Forças Armadas.

Especialmente, essa política sociocultural castrense conjunta cooperará para o reconhecimento e adequada valoração das mesmas, por parte dos demais segmentos civis constituintes da sociedade brasileira, permitindo ao estamento militar atuar de forma articulada e oportuna junto à mídia e ao meio acadêmico, com o intuito de se debelar eventuais distorções e detrações de suas ações, pleitos e posicionamentos, e assim propiciará a valorização da política de defesa do país.

Contextualizar-se-á, historicamente, a inserção sociocultural das Forças Armadas na sociedade brasileira, observando-se aspectos ideológicos e culturais militares e nacionais.

A descrição dessa conjuntura limitar-se-á essencialmente ao período republicano, sem que se tenha deixado de levar em conta os episódios e o contexto em que se deu sua proclamação. Restringiu-se a análise ao exame dos aspectos socioculturais relevantes, em virtude de serem esses necessários e suficientes para se traçar o atual quadro das relações entre o estamento militar e os demais segmentos da sociedade.

Examinar-se-á as relações atualmente vigentes entre os segmentos civis e as Forças Armadas no âmbito da sociedade brasileira, identificando-se aspectos históricos, sociais e culturais que permeiam essas relações.

Fatores ideológicos e culturais da sociedade brasileira também serão levantados, mormente os que se apresentam no atual cenário brasileiro, sem se descuidar de outros momentos notáveis de nossa nação no campo ideológico e cultural. Tais fatores permitirão a devida abordagem e esboço da dinâmica em vigor que tem regido as relações entre os setores civis e os militares.

Examinar-se-á a estrutura cultural estabelecida no Ministério da Defesa (MD) e nas Forças Armadas, verificando-se o grau de integração e coordenação entre essas estruturas, e delas com os segmentos civis da sociedade.

Portanto, averiguar-se-á a estrutura existente no MD e Forças Armadas no campo cultural, bem como nas Forças, sem se aprofundar em suas origens e motivações, mas tendo por foco o nível de integração entre as mesmas, uma vez que o objetivo deste trabalho é o de se analisar em que medida uma política

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estratégica de cunho cultural sistêmica conjunta para as Forças Armadas, atuante junto aos segmentos civis da sociedade brasileira, poderá contribuir para a imagem das Forças Armadas e o atingimento dos propósitos da política de defesa nacional.

Nesse cenário, verificar-se-á a viabilidade de se estabelecer, de forma sistêmica e conjunta, sob a égide do MD, uma política estratégica sociocultural das Forças Armadas que contribua para a consecução da política de defesa nacional e permita aos segmentos civis da sociedade terem uma melhor percepção do estamento militar.

Faz-se, pois, mister uma política estratégica sociocultural atuante, articulada e coordenada entre as três Forças Armadas, sob a égide do MD, a qual as levará a uma melhor inserção no contexto social brasileiro, sendo, assim, fator catalisador para suas ações, pleitos e posicionamentos.

Portanto, propõe-se uma análise da presente conjuntura, com a propositura de ações sistemicamente coordenadas, a fim de se mitigar o atual quadro à luz da legislação vigente e, por conseguinte, se otimizar a imagem do estamento militar perante os demais segmentos da sociedade, bem como contribuir para a consecução da política de defesa nacional.

Para a elaboração deste trabalho, fez-se, portanto, inicialmente, uma revisão da literatura atinente à inserção sociocultural das Forças Armadas na sociedade brasileira, em um recorte temporal estatuído entre o final do Império até os dias de hoje, com o realce de aspectos considerados elucidativos no relacionamento dinâmico dos militares com os segmentos civis da sociedade nacional, observando-se aspectos ideológicos e culturais militares e nacionais, levando em conta a cultura como elemento estratégico.

A bibliografia examinada permitiu, portanto, fidedigno rastreamento histórico-documental das características ideológicas e culturais que moldaram as relações das Forças Armadas (Aeronáutica inclusa, a partir de 1941, com sua criação) com os segmentos civis da sociedade.

Em seguida, buscou-se referências teóricas demarcatórias para se analisar a atual situação das relações entre os segmentos civis e as Forças Armadas, no presente escopo da sociedade brasileira, identificando aspectos históricos, sociais e culturais relevantes que permeiam essas relações, ressaltando-se a importância da cultura, através de pesquisa documental e bibliográfica ostensiva.

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Examinou-se a estrutura cultural estabelecida no MD e nas Forças Armadas, através de pesquisa documental, verificando-se o grau de integração das mesmas.

Prosseguiu-se à pesquisa, coligindo as inferências obtidas das análises acima descritas em uma propositura de um sistema sociocultural estratégico em nível de Ministério da Defesa, que possa auxiliar na imagem e na obtenção dos propósitos das Forças Armadas contidos em sua política de defesa.

Destarte, atingiu-se o objetivo final desta pesquisa, caracterizada quanto aos meios como descritiva e explicativa, e de feição investigativa bibliográfica e documental.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO

As relações entre as Forças Armadas e os segmentos civis de nossa sociedade permeia a missão da Escola Superior de Guerra (ESG), sendo desde seus primórdios ponto relevante: criada em 1949, já em 1951, além dos militares, recebeu estagiários civis de elevada competência profissional de áreas variadas (ESG, 2014b).

A compreensão de que as Forças Armadas devem estar, pois, concatenadas com os demais segmentos formantes da sociedade brasileira, a fim de que se atinja o bem comum do nosso povo, é algo inconteste.

Nesse escopo, o segmento militar, como os demais, deve estar apto a realizar sua destinação constitucional em prol da nossa nação, em que o Poder Nacional seja entendido e analisado à luz dos aspectos hegemônicos na cultura de nossa sociedade, com a clara identificação desses aspectos “quanto às características, ao papel e ao destino dos seres humanos que a integram” (ESG, 2018, p. 11).

“Cultura é uma dessas raras ideias que têm sido tão essenciais para a esquerda política quanto são vitais para a direita” (EAGLETON, 2011, p. 11), uma máxima que vem sendo aplicada à história social do Brasil ao longo da República, em cujo contexto “os militares continuam sendo atores políticos e sociais relevantes” (D`ARAUJO, 2010, p. 39).

“Estimular o fundamental envolvimento de todos os segmentos da sociedade brasileira nos assuntos de defesa, para o desenvolvimento de uma cultura participativa e colaborativa de todos os cidadãos” (BRASIL, 2016, p. 12) é um dos posicionamentos sobre os quais o Brasil concebe sua Política de Defesa.

Além disso, é Objetivo Nacional de Defesa “Ampliar o envolvimento da sociedade brasileira nos assuntos de Defesa Nacional” (BRASIL, 2016, p. 13):

Trata-se de aumentar a percepção de toda a sociedade brasileira sobre a importância dos assuntos relacionados à defesa do País, incrementando-se a participação de todo cidadão nas discussões afetas ao tema e culminando com a geração de uma sólida cultura de defesa. (BRASIL, 2016, p. 13).

A adoção de medidas no campo educacional, com o propósito da construção, no seio da sociedade brasileira, “de uma cultura que valorize a

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cidadania, o patriotismo e o civismo” (BRASIL, 2016, p. 38), é preconizada pela Política Nacional de Defesa.

Por conseguinte, atualmente, em uma sociedade multifacetada e marcada por profundas transformações sociais, políticas e culturais, onde a rapidez de informações e o avanço de novas tecnologias se impõem, não se pode conceber que as Forças Armadas atuem de forma inopinada, singular, com significativo grau de descoordenação, ao promoverem tratativas junto à parcela civil da sociedade, em área diversas, tais como acadêmica, política, midiática, entre outras, para o atingimento de seus objetivos, os quais certamente têm em seu bojo respaldo para suas ações, pleitos e posicionamentos, decerto integralmente conectados à defesa de nossa nação, à segurança de nosso povo e ao desenvolvimento do nosso país.

A soberania de um país com 17.000 km de fronteiras terrestres (dez países vizinhos), mais de 7.000 km de fronteiras marítimas, ocupando em torno de 47% do continente sul-americano (mais de 8.500.000 km2), que se encontra entre as dez maiores economias mundiais (FMI, 2017), exige Forças Armadas bem preparadas e adestradas, prontas para serem empregadas em prol de sua defesa e também para executarem, a contento, em caráter complementar às suas atribuições constitucionais, ações subsidiárias que contribuam para o desenvolvimento nacional, a defesa civil e a segurança, para garantia da Lei e da Ordem (BRASIL, 1999).

No entanto, para que se tenha Forças Armadas à altura do requerido por nossa nação, faz-se mister que os diversos segmentos que compõem a sociedade brasileira tenham o retrato fidedigno das mesmas, a fim de que sejam devidamente valorizadas.

Destarte, os justos reconhecimento e prestígio das Forças Armadas servirão como fatores catalisadores e, portanto, favorecerão, em particular, os repasses orçamentários que propiciarão a manutenção, preparo e emprego delas em prol da defesa, segurança e desenvolvimento da nação e, por extensão, da sociedade brasileira, da qual fazem parte.

Ao longo do período republicano, as intervenções dos militares junto à sociedade brasileira foram motivadas por ideários distintos, em um arco que vai do Positivismo na Proclamação da República, passando por um Tenentismo ideologicamente difuso, mas de caráter contestatório, nas décadas de 20 e 30, quando os “tenentes” passaram a apoiar a Revolução de 1930 - em cujo bojo passaram a formular, e eventualmente aplicar, programas de caráter reformista nas

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áreas educacional, social e econômica –, passando-se, nas décadas de 50 e 60, por campanhas como a do petróleo, em que se tinha, também no meio militar, as alas “entreguistas” e “nacionalistas”, com um pós-guerra marcado pela Guerra Fria, até a Revolução de 1964, profundamente marcada por questões ideológicas (FAUSTO, 2015).

Portanto, independentemente do ideário, constata-se uma diuturna preocupação do estamento militar com os destinos do Brasil ao longo da nossa história republicana, que redundou em relações marcadas pelo intervencionismo castrense nas relações encetadas entre as Forças Armadas e os diversos segmentos civis da sociedade, sem que elas jamais perdessem seu papel moderador no meio político, o que ocorreu até a redemocratização em 1985, demarcada pela promulgação da Constituição de 1988.

A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 84 e 142 (BRASIL, 1988), deixa claro que as Forças Armadas estão sujeitas ao poder civil, ao atribuir o seu comando e autoridade supremos ao Presidente da República, república essa que se constitui em um Estado Democrático de Direito, conforme seu artigo primeiro (BRASIL, 1988).

Essa contextualização de cenário é basilar para que se analisem e se promovam inferências quanto às relações entre o segmento militar e os demais componentes da sociedade, em particular os meios acadêmico, midiático e político.

A entrega do poder em 1985 aos civis, com a Carta Magna de 1988 deixando explícitas a subordinação das Forças Armadas ao poder civil, alterou a representatividade do estamento militar no país. Em 1999, a criação do Ministério da Defesa retira do nível de primeiro escalão ministerial os comandantes das Forças Armadas, extinguindo os ministérios de cada Força Armada (BRASIL, 1999; D`ARAÚJO, 2010).

Ocorre, por conseguinte, a subordinação dos Comandos das Forças Armadas ao Ministério da Defesa, atenuando ainda mais a representatividade dos militares no escopo da sociedade brasileira (RAPOSO V., 2014).

A atenuação da representatividade é, pois, um fato. Observa-se, também, que mesmo com a total aceitação do regime democrático a partir de 1985, para cuja implantação foi decisivo, há, até os dias de hoje, passados mais de trinta anos, suspeição e temor por setores civis da sociedade quanto ao estamento militar como

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consequência do período de mais de vinte anos sob a batuta militar (ALSINA JUNIOR, 2009, p. 73).

Os aspectos supracitados, adicionados à baixa prioridade dada à política de defesa (ALSINA JUNIOR, 2009, p. 73 e 74), constituem-se em fatores motivadores para que as Forças Armadas despertem para a necessidade de se definir uma política que permita a formação de um sistema estratégico sociocultural conjunto.

Esse sistema atuará em prol da política de defesa de nosso país, auxiliando as Forças Armadas na consecução de seus objetivos, inclusive, atuando junto a segmentos formadores de opinião como a academia e a mídia, mitigando eventuais detrações e fortalecendo aspectos positivos das ações e posicionamentos do estamento militar. Ressalte-se que sua atuação deverá ser contínua, com vistas a contribuir para a formação, ao longo de gerações, no meio acadêmico e na mídia, de imagem fidedigna à realidade e ao ideário das Forças Armadas.

“Esse estudo parte do pressuposto de que quanto mais transparente e

discutida for a questão da defesa, melhores serão as soluções” (RAPOSO V., 2014, p. 11), e essa transparência e discussão dar-se-á no escopo desse sistema sociocultural conjunto das Forças Armadas a ser proposto, que será o promotor articulado e coordenado do estamento militar.

Esse sistema, sob a égide do MD, atuará junto aos setores civis da sociedade brasileira. “Assim, serão beneficiados os militares com a opinião da sociedade; a sociedade por participar de forma ativa dos destinos do país (RAPOSO V., 2014, p. 11).

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3 CULTURA

“Ato de plantar e cultivar”, do latim colere, eis a etimologia de cultura, que, se se em sua origem evidenciava procedimentos em uma esfera intrinsecamente material, ao longo da história da civilização humana migrou para o campo da metafísica, ou seja, para além do material, angariando o significado de cultivo e plantação do conhecimento (EAGLETON, 2011, p. 10; BOSI, 2005).

A incrementação do sentido de cultura acompanha o desenvolvimento da humanidade, e “passou-se muito tempo até que a palavra viesse a denotar uma entidade” (EAGLETON, 2011, p. 10). Portanto, a moderna noção de cultura, envolvendo um conjunto composto por conhecimentos, moral, ética, leis, artes, crenças, hábitos, enfim, quaisquer competências, usos e costumes concernentes a um ser humano em uma dimensão social, vigente na atualidade, veio a se solidificar com o passar dos séculos.

Cultura, pois, “guarda em si os resquícios de uma transição histórica de

grande importância” (EAGLETON, 2011, p. 11), como também traz em seu bojo temáticas basilares sob o ponto de vista do ser humano e de suas instituições em um contexto social, tais como “questões de liberdade e determinismo, o fazer e o sofrer, mudança e identidade, o dado e o criado” (EAGLETON, 2011, p. 11).

Expressa-se, dessa forma, no termo cultura uma dialética entre o que o ente cultiva, realiza para e na sociedade (“mundo”), e o que a sociedade (“mundo”) faz, exerce sobre o ente:

É uma noção “realista”, no sentido epistemológico, já que implica a existência de uma natureza ou matéria-prima além de nós; mas tem também uma dimensão “construtivista”, já que essa matéria-prima precisa ser elaborada numa forma humanamente significativa. (EAGLETON, 2011, p. 11).

Destarte, tem-se o realismo e o construtivismo como contribuintes para a tessitura cultural da sociedade humana, a qual, constituída por nós e pela matéria-prima que nos envolve, carece de promover a concepção dessa matéria-matéria-prima em um formato com sentido e conteúdo humanos. “Mas cultura também é uma questão de seguir regras, e isso também envolve uma interação entre o regulado e o não regulado” (EAGLETON, 2011, p. 13).

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“O seguimento de regras não é uma questão de anarquia nem de autocracia. Regras, como culturas, não são nem puramente aleatórias nem rigidamente determinadas – o que quer dizer que ambas envolvem a ideia de liberdade” (EAGLETON, 2011, p. 13).

Logo, a afirmativa acima implica em que, caso fosse possível haver uma pessoa integralmente isenta de convenções culturais, essa pessoa não seria mais livre do que outra plenamente sujeita às ditas convenções.

Por cultura abarcar os modos comuns e aprendidos, reguladores da vivência coletiva, transmitidos pelos indivíduos e grupos por meio da confluência de processos sociais, ela “compreende uma tensão entre fazer e ser feito, racionalidade e espontaneidade” (EAGLETON, 2011, p. 14), pois “Os seres humanos não são meros produtos de seus ambientes, mas tampouco são esses ambientes pura argila para a automoldagem arbitrária daqueles” (EAGLETON, 2011, p. 14).

Os choques e contestações culturais em uma sociedade permitem a ratificação e consolidação daquela cultura ou mesmo mudanças na mesma; em ambos os casos a sociedade migra para uma conjuntura diferente daquela de origem.

Constata-se, assim, que cultura permeia e conforma a vida cotidiana dos indivíduos em uma sociedade, na qual esses mesmos indivíduos naturalmente vivem situações de concorrência e antagonismos crônicos, impulsionados por demandas contrapostas; “mas o Estado é aquele âmbito transcendente no qual essas divisões podem ser harmoniosamente reconciliadas” (EAGLETON, 2011, p. 16).

Entretanto, a fim de que exercite seu papel de conciliador de demandas sociais, “o Estado já tem que ter estado em atividade na sociedade civil, aplacando seus rancores e refinando suas sensibilidades, e esse processo é o que conhecemos como cultura” (EAGLETON, 2011, p. 16).

Percebe-se no processo acima descrito que o Estado personifica a cultura, e essa, por seu turno, consubstancia a humanidade em sua comunalidade costumeira. “A cultura é uma espécie de pedagogia ética que nos torna aptos para a cidadania política ao liberar o eu ideal ou coletivo escondido dentro de cada um de nós, um eu que encontra sua representação suprema no âmbito universal do Estado.” (EAGLETON, 2011, p. 16).

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Para além de um conjunto de práticas, tradições, crenças, a cultura transcende aspectos do dia a dia de um dado grupo social, ainda que os contenha, tornando-se a característica imanente daquele grupo social.

Constata-se, dessa forma, que a cultura é indissociável da realidade social, pois sua presença é manifesta em qualquer sociedade. “A cultura é uma forma de sujeito universal agindo dentro de cada um de nós, exatamente como o Estado é a presença do universal dentro do âmbito particularista da sociedade civil” (EAGLETON, 2011, p. 18).

Cultura implica em um concreto processo social, pois ela é

concomitantemente produto coletivo e construção histórica da vida humana em um contexto social. Tradições, costumes, manifestações folclóricas, hábitos só fazem sentido enquanto integrantes e definidores de uma cultura específica, isto é, fora da realidade histórica da sociedade a que pertencem tais aspectos culturais não podem ser compreendidos.

Conquanto as múltiplas culturas humanas possuam suas especificidades, “todas as culturas estão envolvidas umas com as outras; nenhuma é isolada e pura, todas são híbridas, heterogêneas, extraordinariamente diferenciadas e não monolíticas”, segundo Edward Said (1993 apud EAGLETON, 2011, p. 28-29).

Em tempos midiáticos como os de hoje, os envolvimentos entre as mais diversas culturas do planeta encontram-se acelerados, em um ritmo frenético de cruzamento de informações. O advento da internet conjugado ao desenvolvimento e implementação de uma rede de telecomunicações mundial tem tornado a nossa Terra uma grande aldeia.

As sociedades mais fechadas de nosso planeta, mormente as comunistas, à medida em que vão aderindo ao capitalismo, mesmo que seja de estado, como a China e o Vietnã, ou simplesmente o adotam, como a Polônia, Rússia, Ucrânia e outros, necessitam incrementar as relações comerciais, seus canais de comunicações para a necessária agilidade dos negócios e consequentemente as culturais. Por isso, “É preciso lembrar, também, que nenhuma cultura humana é mais heterogênea do que o capitalismo” (EAGLETON, 2011, p. 29).

A cultura, enquanto crítica, “tenta evitar o modo puramente subjuntivo de ‘má’ utopia [...] um ‘como seria bom’ sem base alguma no real” (EAGLETON, 2011, p. 37).

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Esse posicionamento crítico da cultura possui um equivalente político, “[...] é a doença infantil conhecida como radicalismo de esquerda, que nega o presente em nome de algum futuro alternativo inconcebível” (EAGLETON, 2011, p. 37).

Contrariamente, a dita “boa” utopia busca a construção de pontes entre o presente e o futuro com base em forças do presente que detêm potencial para alterá-lo. “Um futuro desejável deve ser também um futuro exequível” (EAGLETON, 2011, p. 37).

“Enquanto isso, o mundo drasticamente reduzido do capitalismo transnacional colocou, de forma cada vez mais eclética, diversos modos de vida juntos” (EAGLETON, 2011, p. 183), fazendo com que os homens e as mulheres, ao mesmo tempo, tomassem consciência de suas identidades culturais de uma nova forma, levando-os, também por um novo caminho, à insegurança nesses novos papéis (EAGLETON, 2011, p. 183).

Neste milênio, a humanidade se depara - em que pesem a tecnologia, o conhecimento e o intenso fluxo de informações intercambiados entre os países do globo terrestre – praticamente com as mesmas questões que sempre a afligiram, às quais se somam algumas novas, como armamentos nucleares, drogas e endividamento (EAGLETON, 2011, p. 183-184).

“Como quaisquer outras questões materiais, esses assuntos têm um lado cultural; são associados a crenças e identidades, e cada vez mais emaranhados em sistemas doutrinários” (EAGLETON, 2011, p. 184).

Isto posto, “A cultura não é unicamente aquilo de que vivemos. Ela também é, em grande medida, aquilo para o que vivemos” (EAGLETON, 2011, p. 184). Por consequência, em sendo a nossa vivência a sociedade brasileira, debruçar-se sobre a nossa cultura faz-se mister.

3.1 CULTURA BRASILEIRA

O que se denomina cultura brasileira, é um amálgama, uma composição urdida com ingredientes os mais variados, cuja dinâmica se apresenta de forma intensa no cotidiano da nação brasileira, em suas variações, contraposições, divergências e confluências que estão a moldar a nossa identidade até os dias de hoje (BOSI, 1992; VANNUCHI, 2006).

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À medida em que a reflexão sobre cultura e identidade evita excesso de generalizações, há uma leitura mais lúcida do panorama cultural, em especial o de panoramas heterogêneos como o brasileiro, e permite-se uma apreciação das linhas de força principais, sem detrimento das demais, em um cenário conciso e transparente da formação e ressignificação diária da cultura brasileira (BOSI, 1992).

Por conseguinte, a pluralidade cultural predominante no Brasil é consequência, sim, da diversidade étnica, mas também das dimensões geográficas continentais do nosso país e das características plasmadas em cada região (BOSI, 1999).

Nesse contexto, os fatores acima explicitam uma matriz cultural diversificada, em que as linhas de força humanas no Brasil apresentam três veios primordiais: os índios habitantes do território brasileiro, o negro africano e o branco europeu. O indivíduo branco que participou da formação da cultura brasileira fazia parte de vários povos que aqui aportaram durante a época colonial (FREITAS NETO; TASINAFO, 2011).

Além dos majoritários portugueses, durante o período em que Portugal ficou sob o domínio da Espanha (União Ibérica, de 1580 a 1640) vieram os espanhóis. Os holandeses vieram para o Brasil durante a ocupação holandesa no Nordeste, de 1630 a 1654, e muitos ficaram no país, mesmo após a retomada portuguesa da região nordestina, além de franceses, ingleses e italianos que para cá imigraram ainda no período colonial (FREITAS NETO; TASINAFO, 2011).

A marca lusitana é a herança cultural fundamental de nossa nação, em que a história da imigração portuguesa no Brasil reflete a história da formação da sociedade brasileira. Os portugueses colonizaram o território brasileiro, e assim foram os condutores da formação inicial da população brasileira, em que encabeçaram um processo de miscigenação com índios e negros de 1500 a 1808, pois os portugueses eram os únicos europeus que podiam entrar livremente no Brasil durante mais de três séculos (FREITAS NETO; TASINAFO, 2011).

Portugal promoveu uma transplantação cultural para a então colônia brasileira, notadamente a língua portuguesa, falada em todo o território; as instituições políticas e administrativas, com sua processualística; a religião católica romana, ainda majoritária em nosso país, com suas festas e procissões; arquitetura e tipos de edificações próprias de cidades, vilas e povoados, entre outros (BOSI, 1992; FREITAS NETO, TASINAFO, 2011).

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Os índios brasileiros, basilares na formação do povo brasileiro, ao longo do período colonial foram subjugados e mesmo escravizados pelos portugueses. Sua rica contribuição se espraia pelas mais variadas facetas da sociedade brasileira, inclusive, do ponto de vista étnico contribuíram para o surgimento do caboclo, ao se mestiçarem com o branco, um indivíduo tipicamente brasileiro (FREITAS NETO; TASINAFO, 2011).

O negro africano foi trazido ao Brasil para ser empregado como mão de obra escrava. Entre os povos africanos que para cá vieram forçosamente, entre outros, cabe citar-se os sudaneses, os bantos e os malês, sudaneses islamizados (FREITAS NETO; TASINAFO, 2011).

A significativa influência negra na população brasileira é perceptível nas diversas expressões culturais de nossa sociedade, e em conjunto com os índios e portugueses, dão a feição cultural e facial do povo brasileiro (FREITAS NETO, TASINAFO, 2011; VANNUCHI, 2006).

A contribuição desses três eixos formadores do povo e da cultura brasileiros vê-se na culinária; no português “abrasileirado”, com vocabulário típico; nos ritos religiosos; no folclore; e nos hábitos, usos e costumes. Sem se desprezar de forma alguma os aportes culturais dos imigrantes alemães, italianos, japoneses, espanhóis, suíços, ucranianos, sírios, libaneses, pomeranos e outros que para o Brasil imigraram e que ainda continuam a vir, como coreanos, chineses, nigerianos, haitianos, colaborando para ampliar a mestiçagem cultural brasileira (FREITAS NETO, TASINAFO, 2011; VANNUCHI, 2006).

O entrecruzar diário das heranças, valores e conhecimentos das culturas que colaboraram e estão a colaborar para a construção da cultura brasileira faculta a percepção de que a identidade brasileira se encontra em plena elaboração, a demonstrar a característica de dinamicidade da cultura brasileira (BOSI, 1992; VANNUCHI, 2006).

O entendimento do caráter plural e da dinâmica da cultura brasileira é decisivo para a compreensão da mesma. Nesse contexto, insere-se a percepção da continentalidade cultural do nosso país: as especificidades geográficas e culturais em níveis local e regional, com seus diferentes patamares de desenvolvimento e processos de urbanização (BOSI, 1992, 2005).

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“Estamos sempre pensando em cultura como afirmação do cidadão brasileiro no trabalho, na família, no lazer, na prática religiosa, na sociedade civil, na vivência de um ofício ou de uma arte” (VANNUCHI, 2005, p. 68).

“E quando falamos em cultura popular não temos que pensar só no que está acontecendo lá nos cafundós do Piauí, isto é, em lugares onde sempre se reproduzem os costumes rústicos, mas numa cidade como São Paulo” (BOSI, 2005, p. 133).

Por função, os militares têm servido nos mais longínquos rincões do país, bem como nas grandes cidades, o que lhes permite, como classe, obterem uma visão tanto detalhada quanto ampla do panorama cultural da sociedade brasileira. Canalizar esse conhecimento para o bem comum da nação, por meio do atingimento pleno de suas missões, é tarefa a ser processada de forma conjunta pelos militares.

Historicamente, a participação dos militares no processo da formação cultural do povo brasileiro não se deu de forma isenta e nem o poderia, já que os militares advêm do povo e o compõem.

Notadamente, o estamento militar foi determinante na proclamação da república brasileira ao final do século XIX, tendo sido ativo partícipe ao longo do século XX no cenário político e social do país; com o fim do ciclo de governos militares em 1985, passou a uma postura restrita aos seus deveres constitucionais.

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4 MILITARES E A SOCIEDADE BRASILEIRA

Até o advento da Guerra do Paraguai (1864-1870), o Exército possuía pouca expressão política na estrutura de poder do Império. A vitória sobre o Paraguai aumentou a autoestima e a politização dos militares, mas não se refletiu em sua valorização e reconhecimento junto ao governo imperial (FAUSTO, 2015, p. 197-199; PEDROSA, 2001, p. 40-41).

“Muitos militares estavam ressentidos com as injustiças e o desprezo do Império pelo Exército [...] e sentiam-se discriminados diante de seu costumeiro qualificativo de segunda classe junto à sociedade imperial” (PEDROSA, 2001, p. 39-40).

Em virtude de medidas restritivas adotadas pelas autoridades imperiais, mormente o Ministério da Guerra, na área orçamentária, de remuneração, carreira – em particular critérios de promoção –, sentindo-se enfraquecidos e desprestigiados, oficiais superiores do Exército manifestaram-se através da imprensa, insurgindo-se contra essas medidas (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

Por conseguinte, configurou-se, dessa forma, a Questão Militar, uma série de escaramuças entre militares e autoridades civis ocorridos entre 1884 e 1887. A Questão Militar, embora não visasse o fim da monarquia, precipitou-o, tendo auxiliado na preparação do ambiente propício à proclamação da República (FAUSTO, 2015, p. 197-199).

Logo, “na Questão Militar foram lançadas as bases da intervenção do Exército na política, começando por levar o Império de roldão” (PEDROSA, 2001, p. 39). Por questões de valoração da classe militar no seio da sociedade imperial

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brasileira, tem-se aqui o marco da inserção e influência de relevância dos militares na esfera política e social do país.

Com o passar do tempo, a ideia de República passou a ganhar terreno no meio militar, tendo para isso sido primordial a influência do Positivismo, “corrente de pensamento cujos princípios básicos foram formulados pelo pensador francês Augusto Comte (1798-1857) [...] Comte considerava ser a ditadura republicana a melhor forma de governo para as condições de sua época” (FAUSTO, 2015, p. 198).

“Teoricamente, o ditador republicano deveria ser representativo, mas poderia afastar-se do povo em nome do bem da República. Ele seria eleito por toda a vida e poderia influir na escolha de seu sucessor” (FAUSTO, 2015, p. 198-199).

Todavia, o Positivismo raramente foi absorvido de forma ortodoxa nos meios militares e civis brasileiros, tendo sido aceitos “aqueles mais afinados com suas percepções. A ditadura republicana assumiu a forma da defesa de um executivo forte e intervencionista, capaz de modernizar o país, ou simplesmente a da ditadura militar” (FAUSTO, 2015, p. 199).

O Positivismo, centrado em princípios racionais, expressos em o lema “ordem e progresso” afixados em nossa bandeira (D´ARAUJO, 2010, p. 128) e “com sua ênfase na ação do Estado e na neutralização dos políticos tradicionais, continha uma fórmula de modernização conservadora do país, que era muito atraente para os militares (FAUSTO, 2015, p. 199).

Militar, engenheiro, professor e político, Benjamin Constant (1836-1891) é o expoente da doutrina positivista no país, e foi um dos líderes do movimento que acarretou na proclamação da República em 1889. Entre os dias 14 e 15 de novembro, um grupo de militares liderado por Marechal Deodoro da Fonseca derrubou o presidente do gabinete imperial, visconde de Ouro Preto, e logo em seguida impôs o golpe a Dom Pedro II. Estava proclamada a República (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

“Como se não bastasse o fato de o Exército ter proclamado a República e governado o País nos seus primeiros anos, firmou-se a nova consciência dos militares em relação ao seu papel na sociedade” (PEDROSA, 2001, p. 39). Os militares despertaram para a política ao se posicionarem junto às elites governamentais quanto às suas atribuições na sociedade brasileira.

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Como episódio, a passagem do Império para a República foi quase um passeio. Em compensação, os anos posteriores ao 15 de novembro se caracterizaram por uma grande incerteza. Os vários grupos que disputavam o poder tinham interesses diversos e divergiam em suas concepções de como organizar a República. (FAUSTO, 2015, p. 211).

O período conhecido como a Primeira República (1889-1930), de fato, apresentou turbulências sociais, políticas e econômicas, como, por exemplo, o “encilhamento”, já no primeiro ano da República, uma febre de negócios e de especulação financeir nas bolsas de valores, com a elevação do custo de vida e a decorrente crise econômica em 1891, ano da promulgação da primeira constituição republicana do Brasil, com a derrubada do preço das ações e falências de estabelecimentos comerciais e bancários (FAUSTO, 2015).

Foi um período deveras conturbado, em que eventos desestabilizadores ocorreram, a citar: Revolta da Armada 1894); Revolução Federalista (1893-1895); Guerra de Canudos (1893-1897); Revolta da Vacina (1904); Revolta da Chibata (1910); Guerra do Contestado (1912-1916); Sedição de Juazeiro (1914); greves operárias (1917-1919); Revolta dos Dezoito do Forte (1922); Revolução Libertadora (1923); finalmente culminando com a Revolução de 1930, que encerrou o primeiro período republicano (FAUSTO, 2015).

Deve-se destacar que a mão forte do Marechal Floriano Peixoto nos primeiros anos da República foi fundamental para firmá-la. Floriano assumiu a Presidência da República após a renúncia de Deodoro em 23 de novembro de 1891, como Vice-Presidente que era, e governou o país até 15 de novembro de 1894, quando a partir daí as oligarquias agrárias sucederam-se no poder através de presidentes civis, à exceção do Marechal Hermes da Fonseca, eleito para o período 1910-1914, até findar o período em 1930 (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

Os militares foram, pois, essenciais para a confirmação da jovem República, por meio de Floriano Peixoto, que utilizou o Exército para combater a desordem e os exageros decorrentes do federalismo, concedendo aos militares condições para cimentarem sua autoridade, a República e a unidade do Brasil (PEDROSA, 2001).

Justiça se faça, estava na mística militar e na crença do povo que o Exército e a Marinha eram a única força capaz de manter a governabilidade no colapso político que se seguiu à proclamação da República. Foram assim lançadas as bases para a atuação dos militares nas atividades do Governo e na política, o que, segundo Floriano Peixoto, se faria em caráter emergencial, com o reconhecimento de que o ideal seria o governo civil. (PEDROSA, 2001, p. 38).

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“Foi sob inspiração positivista (ordem e progresso) que se construiu o intervencionismo militar temperado pelo sentido de unidade nacional, e soberania herdada do Império na configuração do Brasil grande e unitário” (PEDROSA, 2001, p. 39).

Entre 1906 e 1910, três turmas de oficiais do Exército foram enviadas à Alemanha para se aperfeiçoarem em estágios no exército alemão. Tornaram-se conhecidos como os “jovens turcos”, por alusão a oficiais turcos que também tinham estagiado no exército alemão e se envolveram com um partido reformista e nacionalista ao retornarem ao seu país (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001). Esses oficiais voltaram da Alemanha “cheios de fervor profissional e influências renovadoras” (PEDROSA, 2001, p. 56).

Como consequência, a formação e treinamento dos oficiais melhorou na Escola Militar do Realengo, criada em 1911, pois a Escola Militar da Praia Vermelha fora fechada definitivamente em 1904, ano de sua última revolta, mantendo-se em funcionamento a Escola de Guerra de Porto Alegre (FAUSTO, 2015, p. 268).

“O ensino no Realengo era muito diverso do que existira em sua antecessora. O currículo concentrava-se em matérias de conhecimento militar, sem a diversidade da velha escola influenciada pelo positivismo” (FAUSTO, 2015, p. 268). Não havia o propósito de formar soldados-cidadãos que se imiscuíssem na conjuntura sociopolítica brasileira, tão somente soldados profissionais (FAUSTO, 2015, p. 268).

Porém, “Apesar de sua maior profissionalização, os oficiais do Exército não poderiam deixar de ter uma concepção sobre a sociedade e sobre o sistema de poder existente” (FAUSTO, 2015, p. 268).

Esses “jovens turcos” foram os fundadores da revista A Defesa Nacional, cujo primeiro número saiu no dia 10 de outubro de 1913. Propunha-se, sob o espírito armamentista da época, uma reforma no Exército Brasileiro. “Não era apenas uma reforma de cima para baixo, de ministros, mas também um movimento de jovens, cuja campanha reformista alterou a face do Exército” (PEDROSA, 2001, p. 56).

A revista, entre artigos técnicos, desde seu primeiro número, no editorial, propagava as bases para o Exército atuar no âmbito sociopolítico, pois os interesses castrenses entrelaçam-se com os interesses nacionais, e que em uma sociedade de nacionalidade emergente, o Exército é fator decisivo, mesmo único, de

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transformação social e política ou de estabilização social (PEDROSA, 2001, p. 56-58).

“Anos depois, em 1920, a renovação do Exército se ampliou com a vinda da missão francesa. A Alemanha perdera a guerra e era inevitável a procura de um outro modelo” (FAUSTO, 2015, p. 268).

Contudo, ainda durante a presidência do Marechal Hermes da Fonseca (1910-1914), implantou-se a “política de salvação” das instituições republicanas, mediante intervenções políticas sob o comando dos militares nos estados, a fim de se “reduzir o poder das oligarquias nas áreas onde isso parecia mais fácil e onde eram mais chocantes as desigualdades” (FAUSTO, 2015, p. 268-269).

Os “salvacionistas” “afirmavam que a queda das oligarquias era necessidade do progresso e da saúde política da Nação. Fora a primeira onda de um maremoto político e militar” (PEDROSA, 2001, p. 53).

O processo sociopolítico brasileiro após a Primeira Guerra Mundial (1914-1918) foi condicionado pelas mudanças socioeconômicas do país, com o surgimento de uma significativa classe média urbana em função do crescente processo de industrialização e de urbanização. Esse setor da sociedade passa a pleitear participação nas instâncias governamentais bem como reforma das instituições políticas, e conduzia seu apoio às figuras e movimentos que lutassem pela transformação da República de oligárquica para liberal, a dizer: eleições limpas, respeito aos direitos individuais, educação pública, entre outras reivindicações (FAUSTO, 2015).

“Falava-se de reforma social, mas a maior esperança era depositada na educação do povo, no voto secreto, na criação da justiça eleitoral” (FAUSTO, 2015, p. 261). “Como reflexo de todo o mundo, a economia nacional estava em crise e a questão social emergia [...] As instituições políticas estavam sob a mira de intelectuais, militares e organizações trabalhistas” (PEDROSA, 2001, p. 63).

“Quanto aos militares, o ambiente nacional era propício ao descontentamento, porque aumentavam as queixas sobre o tratamento dispensado pelas elites ao Exército” (PEDROSA, 2001, p. 64), explicitado pelo tratamento repressivo que lhes foi dado ao longo dos governos dos presidentes Epitácio Pessoa (1919-1922) e Artur Bernardes (1922-1926), em especial a prisão do Marechal e ex-presidente Hermes da Fonseca e o fechamento do Clube Militar em 02 de julho de 1922 pelo ainda presidente Epitácio Pessoa (FAUSTO, 2015).

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Nesse contexto efervescente da conjuntura nacional, eclode o movimento tenentista (Tenentismo), cujo primeiro ato de rebeldia deu-se em 05 de julho de 1922: a Revolta dos 18 do Forte. Outras ações tenentistas de relevo a se citar foram a Coluna Miguel Costa – Luís Carlos Prestes (1925-1927), a Revolução de 1924 (julho/agosto) e a Comuna de Manaus (julho/agosto de 1924). Todas as ações foram subjugadas pelo governo (FAUSTO, 2015, p. 263-268). “Apesar de suas queixas, o alto comando militar manteve-se alheio a uma ruptura pelas armas” (FAUSTO, 2015, p. 263).

Tenentismo “porque teve como suas principais figuras oficiais de nível intermediário do Exército – tenentes em primeiro lugar e capitães” (FAUSTO, 2015, p. 263), “oficiais jovens, motivados pela ideia de renovação política e repulsa à corrupção eleitoral e administrativa dos sucessivos governos” (PEDROSA, 2001, p. 71), e ultrajados pelo desapreço de Epitácio Pessoa e Artur Bernardes para com o Exército (FAUSTO, 2015, p. 263).

“Os ‘tenentes’ podem ser vistos como herdeiros dos ‘salvacionistas’, em um contexto de agravamento de problemas no interior do Exército e fora dele. Além disso, já não havia um presidente militar, mas civis encarados com muitas restrições” (FAUSTO, 2015, p. 269).

Pensavam em obter pelas armas a regeneração dos costumes, universalizar o voto, acabar com os regionalismos e os potentados locais, promover uma administração mais centralizada, autoritária e nacionalista que não permitisse o retorno dos carcomidos da República Velha. (PEDROSA, 2001, p. 71).

“Eles iniciaram, em 1922, um movimento revolucionário com ideias de reforma do estado sob autoritarismo salvador” (PEDROSA, 2001, p. 71), “agiram muito e falaram pouco [...] um indício forte de que, nos anos de 1920, eles não tinham uma proposta clara de reformulação política” (FAUSTO, 2015, p. 269).

Há o Tenentismo antes de 1930, “um movimento de rebeldia contra o governo da República” (FAUSTO, 2015, p. 263), e o Tenentismo depois de 1930: “os ‘tenentes’ entraram no governo e procuraram lhe dar um rumo que promovesse seus objetivos” (FAUSTO, 2015, p. 263).

Em 1929, o presidente Washington Luís insiste na candidatura de um paulista à sua sucessão, o então governador de São Paulo, Júlio Prestes, o que empurra gaúchos e mineiros para um acordo, consubstanciado na Aliança Liberal.

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Surge, assim, uma forte cisão entre as elites dos grandes estados brasileiros, mormente São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul, o que “acabaria por levar ao fim da Primeira República” (FAUSTO, 2015, p. 273).

Júlio Prestes, candidato da situação, vence as eleições de 1º de março de 1930, em detrimento do candidato oposicionista da Aliança Liberal, o gaúcho Getúlio Vargas. Um grupo de políticos da Aliança Liberal não aceita o resultado e fecha um acordo com os militares rebeldes do movimento tenentista (FAUSTO, 2015, p. 276).

“A única exceção importante foi Luís Carlos Prestes” (FAUSTO, 2015, p. 276), que em maio de 1930 “lançou um manifesto no qual se declarava socialista revolucionário e condenava o apoio às oligarquias dissidentes” (FAUSTO, 2015, p. 276), o qual repercutiu estrondosamente tanto para as classes elitistas como para o público em geral (FAUSTO, 2015).

A revolução eclodiu em 03 de outubro de 1930 em Minas Gerais e Rio Grande do Sul, resultando em “a posse de Getúlio Vargas na presidência, em 3 de novembro de 1930 [...] marcou o fim da Primeira República e o início de novos tempos” (FAUSTO, 2015, p. 278). “Caíram os quadros oligárquicos tradicionais, os ‘carcomidos da política’ [...] Subiram os militares, os técnicos diplomados, os jovens políticos e, um pouco mais tarde, os industriais” (FAUSTO, 2015, p. 279).

Um novo tipo de Estado nasceu após 1930, distinguindo-se do Estado oligárquico não apenas pela centralização e pelo maior grau de autonomia como também por outros elementos. Devemos acentuar pelo menos três dentre eles: 1. a atuação econômica [...] para [...] promover a industrialização; 2. a atuação social, tendente a dar algum tipo de proteção aos trabalhadores urbanos [...] 3. o papel central atribuído às Forças Armadas – em especial o Exército – como suporte da criação de uma indústria de base e sobretudo como fator de garantia da ordem interna. (FAUSTO, 2015, p. 280).

Tem-se aqui a chegada ao poder dos “tenentes”. “Finalmente, tiveram poder os revolucionários de 1922 para completar as reformas sociais e do Estado brasileiro [...] Era o que desejavam para a consolidação da unidade nacional” (PEDROSA, 2001, p. 178). “Propunham o atendimento mais uniforme das necessidades das várias regiões do país, alguns planos econômicos, a instalação de uma indústria básica [...] e apresentavam um programa de nacionalização” (FAUSTO, 2015, p. 291).

Entretanto, os “tenentes” também advogavam um governo federal centralizado, autoritário e estável, o prolongamento da ditadura Vargas e a outorga

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de uma constituição que estipulasse, concomitante à representação individual, a representação por classe trabalhadora. Tudo isto foi feito ao longo do longevo período Vargas, 1930-1945 (FAUSTO, 2015, p. 291). “No curso de sua vivência, tornou-se, no entanto, um exemplo histórico de arbítrio político, vícios administrativos e esboço de futuros problemas para a Nação” (PEDROSA, 2001, p. 178).

Por conseguinte, a partir do período ditatorial de Vargas, os militares passam a exercer papel de destaque no cenário nacional, com consequências nos setores políticos, sociais, econômicos e culturais de nossa nação até a atualidade. “Com o corporativismo político em marcha a partir dos anos 30 apoiaram um projeto centralizador de Estado que teria as Forças Armadas como árbitro” (D`ARAUJO, 2010, p. 129).

Fizeram desse seu novo papel político um instrumento para que as Forças Armadas fossem prestigiadas, conduzindo-a à modernização em termos de equipamentos e armamentos, bem como sob o prisma profissional do treinamento/adestramento (D`ARAUJO, 2010, p. 129).

As negociações do Brasil com os Aliados a fim de que o país os apoiasse acarretaram na vinda do exterior de novos armamentos e equipamentos para as Forças Armadas; também ocasionaram a criação da indústria de base brasileira, em particular a do aço, direcionado às premências bélicas nacionais. “Os militares foram grandes beneficiários do regime autoritário de Vargas” (D`ARAUJO, 2010, p. 129).

“Nos anos 1930 as Forças Armadas brasileiras eram constituídas apenas pela Marinha e o Exército - a Aeronáutica foi criada em 1941” (D`ARAUJO, 2010, p. 129). O Exército compunha-se de cidadãos oriundos das classes menos favorecidas, enquanto a Marinha caracterizava-se por ter seus oficiais advindos das classes abastadas (D`ARAUJO, 2010, p. 129).

Durante a Primeira República (1989-1930), o Exército estivera internamente dividido em tendências, não se constituindo, até então, na instituição nacional com a hierarquia e disciplina que lhe seria posteriormente característica: sua consolidação deu-se no governo Vargas, ao atingir maior capacidade de comando nacional e um poder de ingerência política que nem Getúlio Vargas conseguiu deter. “A partir de 1930 os militares jamais deixariam de estar presentes nas grandes questões políticas nacionais e, em 1964, se transformariam em governo” (D`ARAUJO, 2010, p. 129).

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O processo de modernização e nacionalização das Forças Armadas iniciado nos anos 30 teve por objetivo, conforme afirmara um dos seus principais condutores, General Góis Monteiro, “acabar com a política no Exército e impor a política do Exército. Ou seja, eliminar a absorção da política que vinha da sociedade para dentro do Exército e impor a política do Exército à sociedade” (D`ARAUJO, 2010, p. 130).

Assim o Exército procedeu, em especial durante o Estado Novo (1937-1945), fase em que Getúlio Vargas acirrou o aspecto ditatorial de seu governo, tendo por motivação o combate à ameaça comunista. Nesse período, o Brasil foi submetido a um regime de exceção, apoiado pelos militares, uma espécie de governança “semicivil”, sob a tutela militar (D`ARAUJO, 2010, p. 130).

Em 1945, após mais de dez anos sendo sustentado politicamente pelas Forças Armadas, essas mesmas forças o depuseram mediante um golpe de Estado, e se começou um ciclo democrático no Brasil que perdurou até 1964, em que os militares atuaram incisivamente no cenário político e social, agentes políticos de primeira linha a influenciar os destinos do país. “Até 1964 foram dezenas de pronunciamentos e manifestos militares e várias tentativas de golpe envolvendo as Forças Armadas” (D`ARAUJO, 2010, p. 130).

“Nos anos 1950 as disputas políticas dentro dos quartéis eram imensas, comprometendo a hierarquia e a disciplina” (D`ARAUJO, 2010, p. 131). “Nesse turbilhão, as Forças Armadas sentiram o momento para uma definição ideológica nas questões de natureza econômica: desenvolvimentismo nacionalista ou nacionalismo radical” (PEDROSA, 2001, p. 227).

“A divisão básica se dava entre nacionalistas e seus adversários, chamados depreciativamente de ‘entreguistas’” (FAUSTO, 2015, p. 347). Essa divisão abrangia não só os temas de política econômica interna como também o posicionamento brasileiro na conjuntura das relações internacionais; esse último desencadeou calorosos embates no seio das Forças Armadas e da sociedade brasileira (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001), inclusive refletiu-se na Campanha “O Petróleo É Nosso”, que teve lugar entre os anos de 1948 e 1953 – ano em que se instituiu o monopólio estatal do petróleo e criou-se a PETROBRAS (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

A demarcar o protagonismo e a participação dos militares na vida do país, nas quatro eleições presidenciais realizadas no período em tela, entre os dois candidatos mais votados de cada eleição esteve sempre um Oficial-General das

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Forças Armadas, a destacar a primeira eleição em 1945, em que o Marechal Dutra obteve 55% dos votos contra 35% concedidos ao Brigadeiro Eduardo Gomes, e a única em que um militar ganhou as eleições (FAUSTO, 2015, p. 339-393).

O findar da Segunda Guerra Mundial deu lugar à Guerra Fria entre as superpotências capitalista Estados Unidos da América (EUA) e a comunista União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), fria porque os embates militares entre esses países sempre se deram via outros países, de forma indireta, afora a acirrada competição nos campos tecnológico, político e econômico (D`ARAUJO, 2010; FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

Portanto, a temática do comunismo ganhou tal relevância em nosso país que, ao longo de toda a República brasileira, essa foi tanto a questão que mais mobilizou as Forças Armadas como o motivo para as interrupções autoritárias na política nacional. A nação brasileira, tanto no meio civil como no militar, já se organizava contra o “perigo comunista” desde a Revolução Russa de 1917 (D`ARAUJO, 2010; PEDROSA, 2001).

“O anticomunismo transformou-se em plataforma política nacional apoiada em bases políticas, religiosas e, principalmente, militares” (D`ARAUJO, 2010, p. 130).

“Mas, apesar da argamassa do anticomunismo, até 1964 as Forças Armadas não estavam politicamente coesas a ponto de se manterem no poder, nem a sociedade as legitimava para esse papel” (D`ARAUJO, 2010, p. 131).

Um evento a corroborar as desavenças então existentes entre as Forças Armadas é o episódio ocorrido em 11 de novembro de 1955, conhecido como Movimento da Legalidade, em que o então Ministro da Guerra, Marechal Lott, apoiado majoritariamente pelo Exército, mobilizou tropas que ocuparam prédios governamentais, jornais, estações de rádio e cercaram bases navais e aéreas, no Rio de Janeiro, impossibilitando um enfrentamento entre as forças, a fim de permitir a posse de Juscelino Kubitschek (JK) e de seu vice, João Goulart (Jango), o que de fato ocorreu em 31 de janeiro de 1956 (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

“Os comandos do Exército se colocaram ao lado de Lott, enquanto os ministros da Marinha e da Aeronáutica denunciavam a ação como ‘ilegal e subversiva’” (FAUSTO, 2015, p. 359). Constata-se, destarte, o grau de divergência política à época entre as forças.

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No governo de JK (1956-1961), ocorreram duas rebeliões de oficiais da Aeronáutica, uma em Jacareacanga, Pará (1956), e a outra em Aragarças, Goiás (1959), ambas “em áreas distantes dos centros vitais do país [...] mostra como elas representavam mais a expressão simbólica dos inconformados do que uma ameaça efetiva” (FAUSTO, 2015, p. 361).

Em seguida ao governo JK, veio o efêmero governo Jânio Quadros, de janeiro a agosto de 1961, quando renunciou, propiciando a subida ao poder de seu vice, Jango, e de seu círculo de apoiadores, como, por exemplo, Leonel Brizola, Miguel Arraes, Francisco Julião e Luís Carlos Prestes (FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

“No dia 10 de janeiro de 1964, [...] Prestes estava novamente em Moscou para informar aos soviéticos que os comunistas no Brasil conduziam setores estratégicos do Governo e se preparavam para tomar suas rédeas” (PEDROSA, 2011, p. 294).

Com a desfaçatez e atitudes insensatas cada vez mais disparatadas de Jango e de seus sustentadores políticos, no afã de implantar uma ditadura comunista no Brasil, verifica-se, pois, uma deterioração cada vez aguda do quadro político e social do Brasil entre a renúncia de Jânio Quadros e o dia 31 de março de 1964, quando é deflagrada a Revolução de 1964, movimento também conhecido como Golpe de 1964, em que as Forças Armadas e lideranças civis, instadas por larga maioria da sociedade brasileira, evitam a comunização do Brasil (D`ARAUJO, 2010; FAUSTO, 2015; PEDROSA, 2001).

“O golpe de 1964 foi, acima de tudo, um golpe anticomunista” (D`ARAUJO, 2010, p. 131), e inaugurou um ciclo de vinte e um anos (1964-1985) de governos militares. “Mas os militares não governaram sozinhos e muitas vezes não controlaram de perto os civis que com eles partilharam o poder” (FAUSTO, 2015, p. 436).

“De fato, o regime não teve características fascistas” (FAUSTO, 2015, p. 436): esforços não foram envidados para direcionar as massas populares em apoio ao regime militar; não se implantou o partido único; muito menos uma ideologia a fim de conquistar os setores letrados (FAUSTO, 2015; SILVEIRA, CARVALHO, 2016).

“Pelo contrário, a ideologia de esquerda continuou a ser dominante nas universidades e nos meios culturais em geral” (FAUSTO, 2015, p. 436). Aliás, considera-se que, à exceção do governo Medici (1969-1974), em que se combateu a

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luta armada comunista, “o Brasil pós-1964 se caracterizou por mais uma situação autoritária do que por um regime autoritário” (FAUSTO, 2015, p. 437); dessa forma, pode-se afirmar que “em meio a medidas de exceção e arbitrariedades, os governantes não assumiram o princípio de que um regime autoritário era desejável para o país e superior à democracia” (FAUSTO, 2015, p. 437).

O período militar foi uma época de desenvolvimento acelerado, com uma política econômica baseada em capitais externos, grandes empresas nacionais e investimentos do próprio Estado no âmbito estratégico, como em educação, saúde popular, nos setores industrial, agropecuário, de mineração, de infraestrutura, com intensa expansão das telecomunicações, da malha viária e da matriz energética em virtude, por exemplo, da construção de usinas hidrelétricas (Itaipu Binacional, Tucuruí, entre outras) e nuclear (Angra I) (FAUSTO, 2015; FREITAS NETO, TASINAFO, 2011; SILVEIRA, CARVALHO, 2016).

“As medidas obtiveram sucesso e o ajuste fiscal possibilitou, no primeiro ano do regime militar, reduzir a inflação a 30% ao ano, em oposição a 100% do último ano do governo Goulart” (SILVEIRA; CARVALHO, 2016, p. 27). A equipe econômica do governo Castelo Branco (1964-1967) agiu de maneira rápida e pragmática, “apresentando um consistente conjunto de medidas que, ao estabilizar política e economicamente o país, solapou as bases dos movimentos reivindicatórios” (SILVEIRA; CARVALHO, 2016, p. 26).

O crescimento econômico, a partir de 1968, apresentava taxas altas. Em 1973 atingiu 13,6% ao ano. Esse período ficou conhecido como ‘milagre

brasileiro’. O crescimento ocorreu graças à maciça entrada de capital

estrangeiro, o que consequentemente aumentou o endividamento do país. (FREITAS NETO; TASINAFO, 2011, p. 917).

A política e a economia conduzidas pelo regime militar tiveram seus pilares no binômio segurança e desenvolvimento. “Essa orientação, centrada na doutrina de segurança nacional e desenvolvimentista, vinha da ESG, sendo seu principal artífice o general Golbery do Couto e Silva” (FREITAS NETO; TASINAFO, 2011, p. 918).

A doutrina de segurança nacional nasceu na ESG, fundada em 20 de agosto de 1949, com a assessoramento de militares norte-americanos, cuja missão permaneceu no Brasil de 1948 a 1960. Desde sua criação, tem por missão desenvolver atividades acadêmicas para a compreensão das realidades nacional e

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