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2.3 Integração da gestão financeira e gestão de impacto

2.3.2 Formação de carteiras com múltiplos objetivos

Um desenvolvimento axiomático das propriedades desejáveis das funções utilidade considerando eventos de incerteza foi apresentado por von Neumann e Morgenstern (1944). Apesar do ganho analítico possível com essa abstração matemática, os autores confessam que as funções utilidade são, em grande medida, incomensuráveis.

Um aprofundamento das técnicas para o uso das funções utilidade para representar preferências decisórias de agentes que tenham múltiplos objetivos em problemas de otimização pode ser encontrado em Keeney e Raiffa (1993). Em uma perspectiva mais ampla, o trabalho de Mishan e Quad (2007) fornece um arcabouço teórico para realização de análises custo-benefício para decisões de investimento ou políticas públicas, no qual consideram não somente os benefícios dos agentes envolvidos, como as externalidades socioambientais das decisões.

preferido de investimento. Segundo Engau (2009), também é possível o uso de métodos interativos para solução dos problemas de carteiras com múltiplos objetivos.

Por essa abordagem, o tomador de decisão é apresentado constantemente a subproblemas, o que facilitaria a articulação de suas preferências na convergência do algoritmo para a busca da solução ótima.

Para Fliege e Werner (2014) e Kolm et al. (2014), o risco de estimação representa um tópico popular e muito pesquisado, principalmente no contexto de otimização de portfólios, pois as estimativas de retorno e as covariâncias utilizadas no modelo de otimização média-variância são muito sensíveis às mudanças nos dados de entrada.

Para lidar com esse problema, os autores listam que vários métodos bayesianos foram propostos para a obtenção de um estimador mais eficiente. Outra abordagem sugerida por Fliege e Werner (2014) é o uso da otimização robusta para lidar com a incerteza das estimativas. Para Kolm et al. (2014), a visão abrangente fornecida para a gestão dos portfólios possível pela estrutura bayesiana é muito valiosa na prática, pois permite que os sistemas de previsão usem fontes de informação externas e intervenções subjetivas (isso é, modificação do modelo devido a julgamento), além de fontes de informação tradicionais. O modelo de gestão de carteiras de Black e Litterman (1991), por exemplo, vale-se da estatística bayesiana para incorporar opiniões de especialistas acerca da expectativa de retorno de um ou mais ativos do portfólio e, ainda, permite atribuir diferentes graus de confiança para cada uma delas.

Saltuk e Idrissi (2012) propõem que a inclusão de objetivos socioambientais poderia ser feita acrescentando mais dimensões no modelo de seleção de carteiras de forma a construir fronteiras eficientes de múltiplas dimensões. No caso específico do estudo, os autores trabalham com uma fronteira eficiente tridimensional, pois, além das variáveis tradicionais envolvendo o retorno financeiro e o risco dos investimentos, eles sugerem incorporar ao modelo uma variável genérica chamada “impacto” para refletir o retorno socioambiental esperado de cada alternativa de investimento.

Segundo Agrawal e Hockerts (2019), a discussão dos riscos e das recompensas dos investimentos de impacto podem ser feitas usando a teoria de portfólios, contudo a falta de dados longitudinais e de uma população suficiente de investimentos de impacto dificulta a exploração do desempenho desse setor.

Ballestero et al. (2012) desenvolveram um modelo multicritério integrado à teoria de porftólios para o uso da técnica de screening para a gestão de carteira de ações

com objetivos éticos e financeiros. Na modelagem desenvolvida, os ativos são avaliados somente em relação aos seus retornos e riscos financeiros, contudo, há, na função objetivo, a parametrização da função de preferência do investidor para privilegiar ativos categorizados no grupo de impacto socioambiental.

Não obstante ser possível o paralelo entre a teoria de carteiras tradicional e a gestão de portfólios de impacto, é conveniente pontuar algumas diferenças entre tais tipos de investimentos, características essas apresentadas na Tabela 5.

Dentre as diferenças apontadas na Tabela 5, destaca-se a dificuldade de se quantificar os objetivos socioambientais nos portfólios de investimento de impacto, tanto na forma de expectativa quanto na própria mensuração dos efeitos quando já transcorrido um determinado prazo de uma intervenção.

Em relação às unidades de mensuração, os retornos financeiros são calculados diretamente do valor final da carteira em relação ao seu custo. Já em relação ao retorno socioambiental, é comum mensurar os ganhos em termos de desvios-padrão em relação ao grupo contrafactual, para uma base de custo de implementação da política.

Tal forma é uma boa prática, pois permite comparar, de uma maneira mais fácil, os resultados estimados em diferentes estudos. Assim, a fórmula para apurar o ganho de uma intervenção para um dado custo monetário de implementação é dada por:

0− b̂0

(33)

em que:

 b̂0 é o valor médio da variável mensurada no grupo de tratamento em t+1;

 b̂0 é o valor médio da variável mensurada no grupo de controle em t+1; e

 b̂ é o valor médio da variável mensurada no grupo de controle antes da intervenção (t=1).

Nota-se que a hipótese da Equação 33 é a de um grupo de controle ideal tanto no período anterior quanto no período posterior ao tratamento, de forma que a única diferença entre o grupo de tratamento e controle seja oriunda do próprio tratamento.

Tabela 5

Diferenças entre a teoria de carteiras tradicional e a gestão de portfólios de impacto

Teoria de carteiras tradicional Gestão de portfólios de impacto Retorno ex post é de fácil mensuração e se dá de

maneira instantânea. Retorno ex post é de mensuração difícil, cara e demorada.

Retorno negativo é sempre possível. Normalmente, a ausência de impacto é o pior caso possível.

Fácil definir unidades de mensuração (retorno e

risco financeiro). Difícil definição da unidade de mensuração.

Impacto da ação se dá em momento preciso. Impacto da ação se dá em momento impreciso.

Retorno esperado (ex ante) se dá em função de dados históricos e/ou fluxos de caixa descontados.

Retorno esperado (ex ante) se dá em função de estudos empíricos (RCT, quase-experimentos etc.) e premissas para extrapolação do contexto;

ou simplesmente da teoria econômica e/ou de crenças pessoais.

Risco é geralmente mensurado em função da

volatidade de retornos financeiros passados. Risco está associado à incerteza da estimativa (erro-padrão da estimativa).

Não se preocupa com variáveis não mensuradas ou efeitos colaterais.

Se preocupa com variáveis não mensuradas e efeitos colaterais.

Impacto se dá em uma única variável. Impacto pode ocorrer em múltiplas variáveis.

Horizonte do investimento é irrelevante para a decisão da carteira (na teoria de carteira de Markowitz).

Tempo pode ser relevante para definição da carteira (acúmulo de conhecimento e redução de risco).

Correlação entre ativos geralmente é maior que

zero. Correlação entre investimentos geralmente é

igual a zero.

Custo do investimento é preciso. Custo do investimento é impreciso.

Tamanho do investimento geralmente é

irrelevante. Tamanho do investimento pode afetar o padrão

de retornos e riscos.

Aferição da função utilidade (preferências) do

investidor é de dificuldade média. Há grande dificuldade na definição da função utilidade do investidor.

Mensuração em termos de variação percentual no

valor investido. Mensuração geralmente se dá em termos de

ganhos de desvios-padrão em relação ao ano base do contrafactual.

Fonte: Elaborado pelo autor com informações de Markowitz (1952), Kolm et al. (2014), Agrawal e Hockerts (2019), Glennerster e Takavarasha (2013) e Gertler et al. (2017).

Por fim, cabe destacar que o ganho da diversificação deve ser ainda mais aproveitado nos objetivos socioambientais, uma vez que, normalmente, a correlação entre os efeitos de diferentes programas deve ser próxima de zero. Tal fato poderá ser aproveitado para mitigar os riscos de não atingimento de metas socioambientais, com a diversificação dos investimentos em programas que buscam os mesmos objetivos, mas guardam pouca relação entre si.