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4 FORMAÇÃO CONTINUADA E OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

4.5 A FORMAÇÃO DO LEITOR CRÍTICO

A responsabilidade de ajudar o aluno a transcender a decodificação do código escrito compete à escola. A leitura e a escrita precisam fazer sentido e estar vinculadas à vida do sujeito, possibilitando a sua inserção no meio cultural ao qual pertence, tornando-o capaz de produzir e interpretar textos. Como ensinar a ler e a escrever são atribuições da escola, há o desafio indispensável para todas as áreas/disciplinas escolares, uma vez que se constituem como base para o desenvolvimento da capacidade de aprender e constituem competências para a formação do estudante.

Mais importante que reter informações obtidas pela leitura tradicional dos textos, nas áreas que compõem o currículo escolar, as atividades de leitura e de escrita focadas na interpretação proporcionam aos alunos condições para que possam, de uma forma permanente e autônoma, identificar novas informações pela leitura do mundo, e expressá- las, escrevendo para e no mundo. Segundo Kleiman (1987, p. 8),

Leitura implica uma atividade de procura pelo leitor, no seu passado de lembranças e conhecimentos daqueles que são relevantes à compreensão de um texto que fornece pistas e sugere caminhos, mas que certamente não explicita tudo o que seria possível explicitar.

Assim, leitura e escrita constituem-se como competências não apenas de uso burocrático, mas de compreensão da vida cotidiana em sociedade.

Para Morais (1996), a compreensão dos processos de aprendizagem da leitura e da escrita demanda o entendimento dos mecanismos cognitivos que sustentam a capacidade de leitura e o processo de aprendizagem dessa capacidade. Por meio da psicologia cognitiva, esse autor procura explicitar a estruturação e a organização dessas capacidades. Na leitura, o aprendiz tem de estabelecer a correspondência entre a palavra escrita e as faladas e determinar o significado que elas comportam. Tem, portanto, de desenvolver habilidades de decodificação e também de reconstrução de sentido.

A proficiência em leitura depende, ainda, de outras habilidades e conhecimentos desenvolvidos em fase precedente ao seu aprendizado escolar. Isso demanda a ampliação de vocabulário, de familiaridade com diferentes gêneros discursivos, de habilidades de compreensão oral e de consciência metalinguística. Sobretudo, depende do conhecimento das convenções que envolvem o uso do código escrito, mas que seja relacionado e significativo ao seu meio.

Apesar dos avanços significativos, dos últimos anos, dos estudos sobre o processo de apreensão da leitura e da escrita, na relação direta com professores alfabetizadores, observa-se, em alguns casos, que a prática da escola parece distanciada da funcionalidade da linguagem escrita no contexto da sociedade, limitando-se aos usos mecânicos e descontextualizados. Esse pensamento corrobora com a afirmação de Vigotski (1998, p. 139):

Até agora, a escrita ocupou um lugar muito estreito na prática escolar, em relação ao papel fundamental que ela desempenha no desenvolvimento cultural da criança. Ensina-se as crianças a desenhar letras e a construir palavras com elas, mas não se ensina a linguagem escrita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem como tal.

Isso ocorre, provavelmente, pelo fato de o processo de aprendizagem da leitura e da escrita, ao longo do tempo, ter sido organizado e orientado por metodologias propostas nas cartilhas acompanhadas de cartazes alusivos às silabações. Essas metodologias pressupõem que os alfabetizandos detêm os mesmos conhecimentos e as mesmas experiências com a escrita e a leitura. Melhor dizendo, presume-se que as crianças chegam à escola sem construções teórico-práticas a respeito do ler e do escrever. Nesse caso, a

proposta escolar de alfabetização tem o mesmo ponto de partida, sem considerar os diferentes níveis ou graus de inserção da criança no mundo letrado.

No entanto, a aprendizagem da escrita é processual e se constrói em ritmo diferente em cada indivíduo. Assim, é natural que, numa situação de alfabetização, as crianças estejam em níveis diferentes de alfabetismo, considerando que:

O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendizado das crianças começa muito antes de elas frequentarem a escola. Qualquer situação de aprendizagem com a qual a criança se defronta na escola tem sempre uma história prévia. Por exemplo, as crianças começam a estudar aritmética na escola, mas muito antes tiveram alguma experiência com quantidades – tiveram que lidar com operações de divisão, adição, subtração e determinação de tamanho. Conseqüentemente, as crianças têm sua própria aritmética pré-escolar, que somente os psicólogos míopes podem ignorar (VIGOTSKI, 1998, p. 110).

O pensamento vigotskiano, nessa perspectiva, dando conta de que a criança chega à escola com conhecimentos socialmente construídos, situa-se no conjunto das ideias sobre aprendizagem da escrita em que a criança não parte do zero. Num processo essencialmente social e interativo, ela se apropria da língua escrita em virtude de sua imersão no mundo letrado. De forma mais abrangente, Vigotski (1998, p. 97) estabelece a relação entre o aprendizado e o desenvolvimento em crianças, por intermédio de um conceito teórico. E dessa forma concebeu o conceito de zona de desenvolvimento proximal como: a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por meio da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado por meio da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

O nível de desenvolvimento real caracteriza o desenvolvimento retrospectivamente, referindo-se às funções mentais já madurecidas, ou seja, o domínio daquilo que o indivíduo controla e consegue resolver de maneira autônoma, independente. Enquanto que as funções que pertencem à zona de desenvolvimento proximal podem ser verificadas pela necessidade de ajuda ou de apoio que o indivíduo tem para resolver problemas. Contando com um suporte mediador adequado e suficiente, as funções que hoje estão na zona de desenvolvimento proximal vão se consolidar, transformando-se em funções reais que, de ora em diante, já não mais exigem a ajuda de outras pessoas para a resolução de problemas.

Vigotski observa que na atividade de criação não há reprodução de impressões ou ações anteriores da experiência humana e sim uma atividade combinatória ou criadora, pois

O cérebro não é apenas o órgão que conserva e reproduz nossa experiência anterior, mas também o que combina e reelabora, de forma criadora, elementos da experiência anterior, erigindo novas situações e novo comportamento.

Se a atividade do homem se restringisse à mera reprodução do velho, ele seria um ser voltado somente para o passado, adaptando-se ao futuro apenas na medida em que este reproduzisse aquele. É exatamente a atividade criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro, erigindo e modificando o seu presente (VIGOTSKI, 2003, p. 237).

Nessa direção, a imaginação humana, que é a base de toda atividade criadora, está presente em todos os campos da vida cultural e torna possível a criação artística, científica e técnica. Por isso, tudo o que nos cerca e que é fruto do trabalho do homem, o mundo da cultura, diferentemente do mundo da natureza, é produto da imaginação e da criação humana. Dessa forma, reafirma-se que desenvolvimento e aprendizagem se inter- relacionam e não devem ser desconsiderados nos processos de apropriação da leitura e da escrita.