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Formação educativa popular em saúde: novas aberturas

CAPÍTULO I: O CUIDADO INTEGRAL DO SER E AS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM

1.2 Formação educativa popular em saúde: novas aberturas

9 Constitui-se na elaboração de uma anamnese não baseada numa nosologia apenas, mas, numa construção histórica familiar em que o usuário participe ativamente das escolhas que estão sendo feitas no seu processo de saúde versus doença. O projeto corresponde a uma produção de sujeitos autônomos no seu processo de sofrimento, dor, recuperação, reabilitação. Considera, sobremaneira, a individualidade do sujeito, incentivando-o a assumir responsabilidades no seu próprio processo de autocuidado. São considerados aspectos múltiplos da vida da pessoa como trabalho, planos de vida, saúde, educação, relações familiares, laços afetivos, reinserção social etc.

As políticas públicas de saúde desenvolvidas, hoje, no Brasil, apresentam um respaldo seguro em relação ao processo de formação educativa em saúde. Houve tempos em que os profissionais de saúde não tinham acesso à garantia de formações educativas no seu próprio ambiente de trabalho. Se qualquer profissional sentisse necessidade ou interesse em aprofundar determinado núcleo de saber, ou mesmo, em aperfeiçoar alguns procedimentos, ou ainda, em fazer uma reciclagem de atualização, teria que contar com sua própria renda salarial.

Após a implantação da Política de Educação Permanente em Saúde, regulamentada pela lei 1.996 do ano de 2007, ocorreu a inserção da prática pedagógica problematizadora e contextualizada com a realidade vivencial promotora de uma aprendizagem completa e dinâmica, além de solução de problemas das dificuldades apresentadas. Esta lei contemporânea dá subsídio para a construção de projetos específicos que contribuam, fortemente, com a edificação de espaços formativos que possam ser ofertados para os profissionais de saúde no âmbito do SUS. A implantação desta política foi alcançada a partir de longo período de carência, no setor saúde, de profissionais qualificados, motivados e envolvidos com o seu exercício dinâmico das práticas em saúde, assim como, de um extenso momento de escassez de habilidades para desenvolver manuseio no lidar com o processo de saúde versus doença.

Com a inserção de formações educativas em saúde, iniciou-se um novo caminho para a introdução de novas lógicas de cuidado em saúde a ser desenvolvidas e destacadas. Além de ofertar uma formação de qualidade voltada para as reais necessidades da população, os profissionais de saúde se sentiram valorizados, pois, obtiveram a oportunidade de aprender, in loco, o que poderia no mesmo momento, ser colocado em prática nos espaços dos serviços de saúde, uma vez que, o processo formativo, em questão, não só garantia que estas formações fossem construídas, ofertadas e realizadas no próprio local de trabalho, como também, estimulava a parceria com instituições de ensino de âmbito público que fomentassem tais práticas.

Outro grupo que se beneficiou, muito, com esse tipo de política de educação permanente em saúde, foi o dos próprios estudantes, os quais receberam como cenário para exercer suas práticas (estágios) o setor dos serviços da saúde como grande espaço educativo. Ou seja, desde a implantação da Política de Educação Permanente em Saúde, as formações educativas que estão sendo desenvolvidas no Brasil, correspondem à ações focadas em trabalhar questões centrais de interesse e necessidade dos usuários – cidadãos. Estes são os mais beneficiados em seu processo de saúde.

Os recursos financeiros utilizados para ofertar as formações, tanto formações de curto e de longo prazo, passaram a ser garantidas pelo Ministério da Saúde para esse fim. Acredita- se que esse tipo de prática realizada para os profissionais de saúde e para os próprios gestores, se caracteriza em um investimento para a saúde pública como um todo. Neste sentido, todos que fazem a saúde se beneficiam, desde os próprios profissionais de saúde, e gestores, com vistas, principalmente, aos usuários – que receberam um tipo de cuidado diferenciado.

Para Ceccim e Feuerwerker (2004, p. 59),

A educação permanente em saúde, incorporada ao cotidiano da gestão setorial e da condução gerencial dos serviços de saúde, colocaria o SUS como um interlocutor nato das instituições formadoras, na formulação e implementação dos projetos político-pedagógicos de formação profissional, e não mero campo de estágio ou aprendizagem prática.

Ainda na sua visão, a educação em serviço condiz com as novas propostas que estão sendo alicerçadas no campo de saúde, dadas a partir de uma linha de trabalho pautada na lógica da educação popular em saúde, a qual permite a promoção do diálogo entre diversos setores, pessoas, instituições, como também, o estreito entrelaçamento entre a gestão, atenção, ensino e controle social no enfrentamento dos problemas concretos de cada equipe de saúde, em seu território geopolítico de atuação.

No desenvolvimento destas formações educativas, para a área de saúde, cabe considerar, como primordial e essencial, a imagem do “quadrilátero da formação, o qual é constituído por ensino; gestão setorial; práticas de atenção e controle social. São a esses quatro pilares que Ceccim e Feuerwerker (2004) fazem referência e os consideram de caráter fundamental, para se trabalhar dentro das práticas cotidianas em saúde, pois propõem construir e organizar uma educação responsável por processos interativos e de ação voltados para a realidade dos cidadãos que gritam por operar mudanças (desejo de futuro), assim como

mobilizar caminhos (negociar e pactuar processos), convocar protagonismos (pedagogia in acto) e detectar a paisagem interativa e móvel de indivíduos, coletivos e instituições, como cenário de conhecimentos e invenções (cartografia permanente). No quadrilátero estão aspectos éticos, estéticos, tecnológicos e organizacionais, operando em correspondência, agenciando atos permanentemente reavaliados e contextualizados (CECCIM; FEUERWERKER, 2004, p.59).

O que se pode enxergar na contemporaneidade brasileira, ao longo do processo histórico da construção das políticas públicas de saúde, é a forte articulação que existe entre o campo da educação, atrelada aos conceitos, teórico e metodológico, da educação popular, afetando a mudança de comportamento e as cosmovisões dos profissionais de saúde, a

sociedade e o próprio campo da saúde, em especial, a área de atuação na saúde coletiva. As práticas de saúde que estão sendo desenvolvidas se apresentam entrelaçadas às práticas educativas, pois o Brasil coloca a necessidade urgente de relacionar, constantemente, a educação e o ensino da saúde como domínio específico do conhecimento e como problemática singular da cidadania. Trata-se não apenas de dispositivo ou ponto de encontro, mas de “um território onde se verificam nomadismos e hibridizações com potência teórica, política e pragmática própria, inaugurando um campo conceitual que contribui para a renovação da saúde coletiva ou da educação (em saúde)” (CECCIM; FERLA, 2009, p 454).

A educação permanente em saúde estimula o debate dos reais problemas concretos que surgem dentro do ambiente de trabalho, os quais são orientadores da organização do curso face às prioridades políticas definidas pela gestão. Desta maneira, de forma implicada no cotidiano das práticas, são produzidos relatos de experiências sobre incômodos da realidade vivenciada por parte dos trabalhadores, os quais buscam informações e imersão em novos saberes acumulados como insumos ao processo de descoberta de novos e fertéis caminhos de intervenção e transformação daquela realidade. Logo, são produzidos novos saberes e práticas.

Foucault (2006b) ilustra uma metáfora, interessante, a respeito de um rio, comparando-o ao corpo do ser humano. Ele afirma que a correnteza de um rio pode se apresentar sempre seguindo o mesmo percurso, a mesma localização geográfica, em direção a um mesmo fim. Porém, o que se apresenta dentro deste rio é sempre algo novo. Seu fluido interno é sempre diferente. O que passou não volta. Todos os dias, o rio carrega novas situações específicas. Assim como acontece com o rio, acontece também com o corpo humano. O corpo pode ser o mesmo, no entanto, suas experiências vão sendo transformadas ao longo dos anos e das décadas. A essas experiências transformadoras vividas pelo corpo Foucault denomina de estética de existência.

Nas experiências que são desenvolvidas dentro da dimensão do cuidado as práticas educativas populares em saúde estão voltadas para aquelas transformações descritas sobre a correnteza do rio. Tais experiências transformadoras são capazes de fomentar a liberdade do ser humano no seu processo de autonomia perante suas escolhas, seu corpo, seus desejos, seus anseios, conquistas.

CAPÍTULO II – CONCEITUAÇÃO SOBRE