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PROFESSORES

GUIOMAR NAMO DE MELLO

APRESENTAÇÃO

A importância de bons professores é uma unanimidade na sociedade e nos meios educacionais. A qualidade da formação do professor, por exemplo, foi o único aspecto da política educacional sobre o qual não houve divergências no intenso debate que se deu durante a elaboração e aprovação da BNCC para a educação infantil e para o ensino fundamental1. No entanto, embora sempre proclamada pelos educadores, o reconhecimento da importância do professor para o desempenho dos alunos, sobretudo os de baixa renda, nem sempre foi unanimidade na área.

Nos anos 1960 e 1970, diante da desigualdade educacional que aumentava desde o pós-guerra, alguns estudiosos se perguntaram o quanto a

origem social determina o sucesso na escola. Por meio de estudos que correlacionavam variáveis da vida do aluno – nível socioeconômico, grau de escolaridade dos pais, entre outras – com desempenho escolar, constatou-se que 90% desse último são determinados pela origem social e pela cultura da socialização familiar, que não são fatores controlados pela escolaridade. Esse resultado foi comprovado por vários estudos, a começar pelo de Coleman et. al. (1966), seguido por vários outros, entre os quais o de Jencks et. al. (1972). Abalou-se, com isso, o otimismo pedagógico que caracterizou o movimento da escola nova ou escola ativa, desde o final do século 19, e no Brasil inspirou educadores e intelectuais que assinaram o Manifesto dos Pioneiros em 1932.

1 BNCC - Base Nacional Curricular Comum da Educação Básica, etapas da Educação Infantil e Ensino Fundamental I e II, já homologada pelo Ministro da Educação.

Constatar que a origem social é a maior determinante do destino dos alunos contribuiu para uma fase de pessimismo quanto ao valor da escola para combater as desigualdades que se tornou hegemônica nos anos 1960 a 1980. Mas, contraditoriamente, acabou por gerar um enorme efeito positivo para a investigação educacional porque impôs uma mudança na pergunta. Dado que a origem social – fator que não é controlado pela escolaridade – responde por 90% do desempenho do aluno, a indagação passa a ser: como atuam e que peso relativo possuem os 10% que não são explicados pela origem social.

Foi uma mudança de perspectiva metodológica importante, na qual se destacaram autores como Goodlad, J.I. (2004) e Marzano et all (2012), obtendo respostas diferentes em dois pontos relevantes: (a) a variação do desempenho devida aos fatores intraescolares, embora pequena, tem um peso específico e relevante para os resultados de aprendizagem; e (b) o que mais contribui para a influência que esses fatores internos da escola têm sobre o desempenho é a qualidade do trabalho do professor seguido, embora com importância bem menor, pelo estilo de liderança existente na escola. Todos os demais elementos que compõem a miríade de variáveis atuantes na escola e na sala de aula têm efeito residual. Até onde as evidências permitem, vale a afirmação do relató- rio da OCDE denominado significativamente de “Teachers Matter”:

Existe atualmente um volume considerável de investigações que indicam que a qualidade dos professores e de seu ensino é o fator mais importante para explicar o desempenho dos alunos. Existe também considerável evidência de que os pro- fessores variam quanto à sua eficácia. As diferenças entre os resultados dos alunos às vezes são maiores dentro da própria escola do que entre escolas. O ensino é um trabalho exigente e nem todos conseguem ser bons professores e manter esse padrão ao longo do tempo. No entanto o enfoque geral para a seleção e admissão de professores tem seguido a tendência de considerar os professores como se todos fossem equiva- lentes e de focalizar mais a quantidade dos professores do que as qualidades que eles possuem ou podem desenvolver (OCDE, 2006).

Essa mudança metodológica não teria sido possível se a investigação educa- cional não contasse com dois recursos decisivos que foram resultados confiá- veis das avaliações nacionais e internacionais do desempenho dos alunos e o avanço na capacidade de processamento de dados. Haycock K. (1998) escla- rece bem esse efeito:

O advento de parâmetros acadêmicos, de testagens anuais consistentes e de computadores poderosos permitiu fazer o

que não havíamos feito nunca – medir a efetividade de profes- sores individuais na promoção da aprendizagem dos alunos. E isso, por seu lado, jogou luz na importância crítica dos pro- fessores para superar a defasagem acadêmica. O fantasma da banalidade que assombrou o debate das políticas edu- cacionais por décadas – a ideia de que escolas e professores têm uma capacidade limitada para ajudar os alunos – par- ticularmente os alunos desfavorecidos – foi definitivamente enterrado. Alunos negros e pobres podem aprender de acordo com os padrões mais exigentes, tão bem quanto quaisquer outros, desde que tenham professores competentes. Essa reversão metodológica teve dois efeitos importantes. Em primeiro lugar colocou o professor, seu trabalho e as condições em que ele é executado, em lugar central na agenda da investigação e da política educacional. Em segundo, reforçou e consolidou a importância dos fatores intraescolares – especialmente o professor, para a promoção da justiça social e da democracia. No contexto brasileiro, esses dois fatos deram novo significado às aspirações e aos sonhos dos pioneiros de 1932.

Enquanto a escolaridade básica era reposicionada quanto ao seu poder de promover ascensão social e melhoria de vida dos mais pobres, mudanças econômicas e sociais de longo alcance, a revolução tecnológica e o advento da sociedade do conhecimento colocaram novas demandas para os sistemas edu- cacionais. O conteúdo a ser aprendido e o modo como a escola o ensina passa- ram a ser questionados em função das necessárias capacidades cognitivas e sociais para viver em sociedades complexas e saturadas de informações, que devem ser acessadas e interpretadas por todos os cidadãos.

As demandas de um novo perfil cognitivo e social da cidadania e da economia globalizada vêm impulsionando reformas educacionais que têm duas vertentes mais importantes: o que se deve aprender e ensinar e como avaliar a aprendizagem, considerando uma escolarização não mais de mino- rias, mas de grandes massas populacionais. Para corresponder a essas novas expectativas, a maioria dos países buscou ou está buscando imprimir mais relevância e pertinência aos conteúdos curriculares, sintonizando-os com as demandas educacionais de um novo milênio. É nesse movimento que se insere o esforço curricular brasileiro de estabelecer uma base comum e nacional para as competências essenciais que os alunos terão de desenvolver ao longo da educação básica.

A BNCC vai exigir maior rigor, pertinência e contextualização no tratamento dos conteúdos. Essas condições didáticas e pedagógicas não terão materialidade na sala de aula se ali não estiver um professor preparado para

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práticas que não são nada triviais no contexto de diversidade de uma escola efetivamente inclusiva e democrática. E, retomando as vozes que se fizeram ouvir no debate da BNCC, o professor brasileiro, salvaguardando boas práti- cas pontuais, não está sendo preparado para essa tarefa.