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CAPÍTULO 1 PROFISSÃO DOCENTE: O TORNAR-SE PROFESSOR

1.2 FORMAÇÃO INICIAL DE PROFESSORES

A formação de professores é um processo que antecede a entrada no ensino superior e perdura durante todo o desenvolvimento profissional. Quando os estudantes entram em um curso de licenciatura, trazem consigo conhecimentos sobre ensino, aprendizagem e relação professor-aluno, os quais foram construídos a partir das vivências durante sua escolarização básica. É salutar considerar a necessidade de estabelecer um “fio condutor que vá produzindo os sentidos e explicitando os significados ao longo de toda a vida do professor, garantindo, ao mesmo tempo, os nexos entre a formação inicial e continuada e as experiências vividas” (MIZUKAMI, 2003, p. 16). Entretanto, é durante a formação inicial que, de fato, ocorre a formação profissional para a docência, momento em que os estudantes de ciências e biologia terão acesso aos conhecimentos pedagógicos especializados, próprios da profissão professor (MARTINEZ, 2014).

Os conteúdos apreendidos no curso de formação inicial têm a função de embasar as práticas e exercer o papel de referencial para tomadas de decisão que, ao longo da jornada de trabalho, se apresentam ao professor em início de carreira.

[a] formação assume um papel que transcende o ensino que pretende uma mera atualização científica pedagógica e didática e se transforma na possibilidade de criar espaços de participação e reflexão (IMBERNÓN, 2011, p. 15).

O processo de construção dos conhecimentos especializados da docência é inaugurado na formação inicial e tem como propósito formar “professores para os anos finais do ensino fundamental e ensino médio, ou seja, para a docência em disciplinas específicas das áreas do conhecimento que compõe os currículos da educação básica nestes segmentos” (ROMANOWSKI, 2011, p. 14903). Desse modo, a formação inicial caracteriza-se como processo de significação da profissão docente e representa o princípio da aprendizagem profissional (IMBERNÓN, 2011).

Este período formativo requer planejamento e deve promover as bases da docência ao futuro professor de ciências e biologia e da construção do conhecimento pedagógico especializado. Em outras palavras, deve fornecer um “corpus de conhecimentos que o ajudarão a ler a realidade e a enfrentá-la” (GAUTHIER, 1998, p. 24), pois como afirmam Shulman (1986, 1987, 1997) e Gauthier (1998) para ensinar é necessário um conjunto de saberes específicos, próprios do ofício de professor.

O termo “profissionalidade docente”, de acordo com Contreras (2012), possui derivação terminológica da palavra profissão, apontando que a expressão “profissionalidade” refere-se às qualidades da prática docente, conforme as demandas do trabalho educativo. Ela também pode ser compreendida à luz de Gimeno Sacristán (1999, p. 65), no que se refere “à afirmação do que é específico na ação docente, isto é, o conjunto de comportamentos, conhecimentos, destrezas, atitudes e valores que constituem a especificidade de ser professor”. Tal conceito nos permite pensar que, quando discorremos sobre a profissionalidade, não o fazemos somente no intuito de descrever o desempenho do trabalho de ensinar, mas o compreendemos no sentido de expressão dos valores que os docentes pretendem alcançar e desenvolver nas questões inerentes à profissão. Assim, a profissionalidade é um elemento fundamental para a construção de uma identidade docente, pois perpassa o processo interno apreendido como construção dessa

identidade. Em outras palavras, “[a] formação de professores pode desempenhar um papel importante na configuração de uma nova realidade docente, ao passo que propicie as bases da docência” (MARTINEZ, 2014, p. 20).

A formação inicial é um momento que oportuniza a ressignificação das experiências e representações da profissão professor, bem como de reprodução destas representações construídas durante a trajetória do sujeito. Vale salientar que, conforme pontua Nóvoa (1992, p. 25), “a formação não se constrói por acumulação”, mas pela disposição constante de autocrítica e autoanálise do trabalho desenvolvido, sendo que os modelos presentes na formação inicial nem sempre contemplam essa possibilidade.

Entretanto, as pesquisas apontam que a formação pedagógica não se articula com a formação específica, e se restringe aos mesmos campos disciplinares do esquema 3+1 (ROMANOWSKI, 2011). Essa desarticulação, por sua vez, não possibilita uma melhor preparação para o exercício da docência. Da mesma forma, os conhecimentos pedagógicos ocupam posição secundária em relação aos conhecimentos dos conteúdos nos cursos de licenciatura, o que coaduna com nossa pesquisa de Mestrado já mencionada (MARTINEZ, 2014). Contraditoriamente, “os saberes da ação pedagógica legitimados pelas pesquisas são atualmente o tipo de saber menos desenvolvido no reservatório de saberes do professor, e também, paradoxalmente, o mais necessário à profissionalização do ensino” (GAUTHIER et al., 2006, p. 34). Logo, há lacunas no processo de construção da profissionalidade docente, o que dificulta “[a]s qualidades da prática profissional dos professores em função do que requer o trabalho educativo” (CONTRERAS, 2002, p. 74).

Por conseguinte, ao deparar-se com a escola, o professor tende a orientar seu trabalho a partir da resolução imediata de problemas cotidianos. Pérez Gómez (1995, p. 96), refere-se a este professor como técnico-especialista, que tem suas raízes “na concepção epistemológica da prática herdada do positivismo, que prevaleceu ao longo de todo o século XX, servindo de referência para a educação e socialização dos profissionais em geral e dos docentes em particular”. Trata-se da aplicação da racionalidade técnica, e a atividade docente acaba sendo reduzida à aplicação instrumental de um conjunto de saberes para a resolução de problemas.

Sabemos que a prática docente é imprescindível no trabalho do professor, mas, conforme definida por Gimeno Sacristán (1999, p. 73) “a prática é a cristalização coletiva da experiência histórica das ações, é o resultado da

consolidação de padrões de ação sedimentados em tradições e formas visíveis de desenvolver a atividade”.

Dubet (1994) afirma que o ofício desta profissão é uma construção individual, baseada na experiência e na relação com o outro. "A maior parte dos professores descrevem suas práticas não em termos de papéis, mas em termos de experiência" (DUBET, 1994, p. 16). Nesse contexto, a prática é ao mesmo tempo fruto e alimento das ações. Para que a prática educativa seja significativa, é necessário que o licenciando construa uma base teórica sólida durante sua formação inicial.

Compreendemos que o estágio curricular obrigatório torna-se elemento fundante para a formação docente, como bem expressa Canário (2000, p. 13):

No caso da formação profissional de professores, que as escolas sejam encaradas como os lugares fundamentais de aprendizagem profissional e não como meros lugares de “aplicação”. A aceitação deste pressuposto implica que os contactos estreitos com os contextos de trabalho sejam o mais precoces possível e estejam presentes ao longo de todo o percurso de formação inicial, não se circunscrevendo a uma etapa final. Só desta forma é possível favorecer um percurso iterativo entre formação e trabalho que permite o movimento duplo de mobilização, para a acção, de saberes teóricos, e, ao mesmo tempo, a formalização (teórica) de saberes adquiridos por via experiencial.

O estágio é locus de vivência, de experiência, propicia solidez aos conhecimentos pedagógicos e fortalece a profissionalidade docente. A articulação entre a universidade e a escola pode contribuir significativamente no processo formativo dos futuros docentes. Compreendemos que, a partir do estágio, a escola torna-se uma instância imprescindível no processo de formação de professores, e poderá contribuir na transição de discente para professor. O estágio curricular pode se constituir no locus de reflexão e formação da identidade, conforme aponta a pesquisa de Andruchak (2016), visto ser um espaço que possibilita que o licenciando reconheça-se como um futuro profissional, oportunizando vivências e experiências docentes.