• Nenhum resultado encontrado

1. LUIGI PIRANDELLO: UM PERCURSO LITERÁRIO

1.2 A formação de Luigi Pirandello

Figura - 06. Pirandello em seu gabinete.

Pirandello é filho de comerciantes de uma mina de enxofre. A situação financeira confortável leva a família a pensar em uma formação técnica para o escritor, mas sua paixão pela literatura o fez optar pelas Letras. Por questões familiares, muda-se para Palermo, ainda garoto, onde conclui os estudos de nível médio e inicia os estudos superiores. É o encontro com um mundo novo que, diferentemente de sua cidade, contribui para sua formação intelectual. Palermo representa para o autor um período forte de formação nos estudos e na vida cultural. É na capital da província que ele busca por um posicionamento como escritor, pois é daquele mundo novo que vem suas primeiras poesias. Naquela cidade, o autor se insere em uma nova categoria de campo, o qual é visto por Ferdinando Virdia como:

(...) qualquer coisa de diferente de Girgenti, em Palermo as suas impressões jovens foram aquelas de um mundo novo, uma grande e ilustre cidade que repentinamente alarga os horizontes do jovem, move sua fantasia, a ilumina, e dessa repentina modificação ficará qualquer traço em sentido da descoberta de um mundo mais ou menos mítico em romances e novelas. São estes, entre 1880 e 1886, os anos de formação de Pirandello no plano

dos estudos e das descobertas culturais (VIRDIA, 1985, p. 19). 17

É importante ressaltar que os últimos anos do século XIX foram de importante enriquecimento cultural para o autor, por ser um momento de inquietude intelectual entre artistas que, em geral, ambicionavam um novo modelo de estética literária. Ressalta-se também que o autor observa o mundo do ponto em que se encontra. Em Palermo, Pirandello se insere em outra realidade. Seu olhar sobre a sociedade lhe proporciona as condições de testemunho de seu tempo. Tal posição começa a se delinear a partir da consciência de que a inserção no sistema literário requer uma preparação que envolve estudo, dedicação, pesquisa, reflexão, para daí organizar seu projeto de escritor.

A entrada de um escritor em um campo literário implica sua participação num espaço social no qual atuam outros tipos de escritores, os quais participam das mesmas forças de poder ali existentes.

Partindo do conhecimento que se tem sobre os deslocamentos de um escritor, entende-se que a obra surge de acordo com as relações de seu criador em determinado espaço. Em As regras da arte, Pierre Bourdieu apresenta um exemplo de como um escritor se relaciona dentro do campo, recorrendo ao romance A educação sentimental (1864), de Gustave Flaubert. Ao interpretar a adolescência de Frederic, Bourdieu afirma que:

Entrar na vida, como se diz, é aceitar entrar em um ou outro dos jogos sociais socialmente reconhecidos, e iniciar o investimento inaugural, a um só tempo econômico e psicológico, que está implicado na participação dos jogos sérios de que é feito o mundo social (BOURDIEU, 1996, p. 27).

É interessante ressaltar que entrar em um sistema literário significa abraçar uma causa, ou seja, investir em si mesmo, dentro de um espaço em que atuam forças opostas como a política, a econômica, a intelectual, entre outras. O ingresso no campo literário para o escritor é como o ingresso no mundo da adolescência de que fala Flaubert, isto é, para buscar

17 “(...) Qualcosa di assolutamente differente di girgenti, e a Palermo le sue impressioni giovanili furono quelle di

un mondo nuovo, una grande e illustre città che improvvisamente allarga gli orizzonti del ragazzo, muove la sua fantasia, la illumina, e di questa improvvisa mutazione rimarrà qualche traccia, nel senso della scoperta di un mondo pressoché favoloso, in romanze e novelle. Sono questi, tra il 1880 e il 1886, gli anni formativi di Pirandello sul piano degli studi e delle scoperte culturali.”

um equilíbrio dentro de um espaço desconhecido, regido por forças, organizado a partir de normas específicas e gerais que requerem do participante uma adequação às regras de convívio com outros escritores que compõem o campo. Essa convivência é discutida por Dominique Maingueneau como uma tribo:

A existência de uma tribo não significa necessariamente a frequência assídua aos mesmos lugares. Ela pode resultar de trocas de correspondências, de encontros ocasionais, de semelhança nos modos de vida, de projetos convergentes... (MAINGUENEAU, 2001, p. 31).

O ingresso no campo literário significa pertencer a um grupo e desenvolver ali uma troca de convivência. Portanto, a conquista de um espaço dentro do campo não implica isolamento. Mas é importante observar que os membros da tribo são regidos por leis comuns e, ao mesmo tempo, por uma lei maior, como se pode verificar segundo Pierre Bourdieu:

O campo do poder é o espaço das relações de forças entre agentes ou instituições que tem em comum possuir o capital necessário para ocupar posições diferentes nos diferentes campos (econômico ou cultural, especialmente). Ele é o lugar onde os detentores de poder (ou de espécies de

capital) diferentes que, como as lutas simbólicas entre os artistas e os

burgueses do século XIX, têm por apostas a transformação ou a conservação do valor relativo das diferentes espécies de capital que determina, ele próprio, a cada momento as forças suscetíveis de ser lançadas nessas lutas (BOURDIEU, 1996, p. 244).

Observa-se que o campo literário é um espaço onde um escritor enfrenta fortes pressões para conseguir colocar sua obra em circulação na sociedade. As regras que regem o campo literário envolvem uma série de poderes de relações. Portanto, o modo como ele se comporta no campo influencia positiva ou negativamente a exposição de suas ideias como escritor.