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Formação pedagógica de professores universitários de Cálculo Diferencial e Integral e desafios profissionais

Uma questão que precisa ser analisada é o que sabem os professores de Cálculo sobre como ensinar essa Disciplina? O que eles sabem sobre os papeis do professor universitário? Para tentar entender o cenário da docência de Cálculo e responder a essas perguntas, é indispensável analisar a formação do docente matemático.

Para estar apto a ser um professor de Cálculo, os requisitos mínimos são Pós- Graduação stricto sensu em Matemática. Isso implica em Curso de Especialização, Mestrado ou Doutorado em Matemática Pura ou Aplicada. Durante essa formação, o futuro docente tem contato com diferentes conteúdos matemáticos, que, em última instância, visam à formação de um pesquisador na área de Matemática (no caso do Doutorado).

Além da formação específica de matemática, observa-se em cursos de mestrado ou doutorado uma formação pedagógica praticamente inexistente, que se restringe a estágios de docência. Durante esses estágios, ocorre em muitos casos, a entrega de disciplinas da graduação em matemática (com pouca ou quase nenhuma orientação) para que alunos de pós- graduação assumam, ministrando parte das aulas e trabalhando com correção de exercícios e provas.

Infelizmente, essa realidade faz com que os docentes de Cálculo tenham como principal referência sobre o ensino dessa Disciplina, suas experiências escolares e de graduação. Como todo professor, já estavam mergulhados no seu espaço de trabalho antes mesmo do início de suas carreiras. Sobre essa imersão, Tardif (2000, p. 13) afirma: “essa imersão se manifesta através de toda uma bagagem de conhecimentos anteriores, de crenças, de representações e de certezas sobre a prática docente. Esses fenômenos permanecem fortes e estáveis ao longo do tempo.”.

Ademais, os saberes profissionais do docente de Cálculo também vão se constituindo com sua prática, principalmente nos primeiros anos de carreira. Suas experiências profissionais, suas tentativas e erros, vão moldando esse professor. Sobre isso, Tardif (2000, p. 14) também ressalta:

Essa aprendizagem, frequentemente difícil e ligada àquilo que denominamos sobrevivência profissional, quando o professor deve dar provas de sua capacidade, ocasiona a chamada edificação de um saber experiencial, que se transforma muito cedo em certezas profissionais, em truques do ofício, em rotinas, em modelos de gestão da classe e de transmissão da matéria.

Com relação aos saberes advindos da socialização profissional, inevitavelmente, por serem maioria em departamentos de matemática, os docentes matemáticos têm menos oportunidades de incorporarem às práticas, conhecimentos que por ventura podem vir de professores com formação em educação matemática. Em termos profissionais, ao conviverem em sua maioria com pessoas de formação idêntica à sua, cria-se uma rotina que pouco oferece discussões sobre o trabalho pedagógico em sala e acréscimos aos conhecimentos pedagógicos. Os desafios que são enfrentados pelos docentes de matemática no ensino superior também estão relacionados às diferentes habilidades e competências que são exigidas desse professor. Não basta uma formação sólida em Cálculo, são requisitos para esse profissional saber transformar e adaptar os conteúdos à realidade das turmas e às condições de aprendizagens de seus alunos. Sem contar com a necessidade de motivar os alunos, controlar a turma, fazer com que os alunos entendam a matéria, saber dar explicações e acompanhar o desenvolvimento das atividades dos discentes. Tudo isso mostra um panorama que vai requerer muito além do que apenas uma competência técnica matemática desse profissional.

Outra dimensão que precisa ser considerada sobre o trabalho docente pode ser pensada a partir da seguinte frase de Tardif (2000, p. 16): “o objeto do trabalho do docente são seres humanos e, por conseguinte, os saberes dos professores carregam as marcas do ser humano”. Em primeiro lugar, os docentes precisam considerar as individualidades dos seus alunos, as particularidades que levam a cada estudante aprender em momentos e situações diferentes. Apesar de trabalharem em turmas numerosas, como são frequentemente as turmas de Cálculo 1, os docentes precisam estar dispostos a conhecer os alunos enquanto indivíduos. Essa marca da individualidade é uma característica do ser humano, e precisa ser entendida pelos profissionais de ensino como um ponto chave em seu trabalho. Ao ensinar um teorema matemático, por exemplo, o professor necessita de sensibilidade para saber se os alunos (indivíduos) que compõe a sua turma, compreenderam as explicações. Isso implica considerar que a evolução das aprendizagens não se dará de forma uniforme.

Em segundo lugar, considerando ainda a dimensão humana do trabalho docente, existe a questão que Tardif (2000, p. 17) chamou de “componente ético e emocional” do saber

profissional do professor. Em seu trabalho, o docente terá que lidar com situações que provocarão nos outros e em si mesmo emoções, sendo necessário um discernimento das consequências de suas ações, o que pode levá-lo a questionamentos sobre sua maneira de ensinar e um autoconhecimento de seus sentimentos. Além disso, o professor não poderá obrigar seus alunos a aprenderem no ritmo e tempo que quiserem, será necessária uma atividade emocional e social. Sobre isso Tardif (2000, p. 17) afirma: “motivar os alunos é uma atividade emocional e social que exige mediações complexas da interação humana: a sedução, a persuasão, a autoridade, a retórica, as recompensas, as punições etc.”. Isso pode levar a problemas éticos relacionados a indiferença e abusos, pois alguns professores podem ter mais atenção a certos grupos de alunos, o que comprometerá a aprendizagem e o rendimento discente.

Ainda sobre a formação do professor de Cálculo, imerso em seu universo de pesquisador de matemática pura ou aplicada, esse profissional muitas vezes não se percebe como um profissional do ensino. Isso traz certamente graves consequências para sua prática pedagógica, pois, com essa percepção, não estará disposto a conhecer os estudos sobre avaliação para as aprendizagens, didática do Cálculo e pesquisar sua prática de sala de aula. Assim, sem um cuidado didático para transpor as informações para os cursos superiores, esses profissionais (sem se enxergarem como docentes) podem também não enxergar seus alunos como indivíduos, que possuem conhecimentos prévios e uma história e experiências matemáticas distintas.

Não obstante, esse problema pode ser pior quando as turmas de Cálculo fazem parte de cursos de licenciatura. Futuros professores da educação básica tendo contato com docentes que não se veem como formadores de professores podem vivenciar uma realidade desanimadora. Aliado a isso, podem ser encontradas práticas de avaliação que não desenvolvam as aprendizagens, profissionais que não trabalham engajados com o projeto pedagógico do curso e não conhecem as teorias educacionais e problemas associados ao processo de ensino-aprendizagem.

Metodologia