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6. O avanço do capital e a formação do MAB

7.7 Formação política do MAB no contexto da Educação do Campo

A Educação do Campo, que vem sendo construída pelos sujeitos coletivos dos movimentos sociais populares do campo surge, assim como o Movimento dos Atingidos por Barragens, no decorrer da década de 1990, num contexto social marcado por intenso conflito entre o capital e trabalho. É uma educação que se contrapõe ao modelo da atual política educativa, na qual o mercado determina e pauta o projeto pedagógico visando ao atendimento das demandas da acumulação capitalista, onde a educação deixa de ser direito e passa a ser mercadoria.

117 Estabelecem uma diferença entre conquistas políticas e conquistas concretas, que significa cesta básica,

Tendo presente que no campo existe uma diversidade de povos e de comunidades (indígenas, camponeses, pesqueiros, extrativistas, agricultores, ribeirinhos, sem terra, quilombolas, entre outros) um dos desafios na construção da Educação do Campo é pensar uma educação que considere as diferentes realidades dos sujeitos que vivem no/do campo, que tem uma raiz cultural própria, um jeito de viver e de trabalhar, distinta do mundo urbano, com diferentes maneiras de ver e de se relacionar com o tempo, o espaço, o meio ambiente, bem como de viver e de organizar a família, a comunidade, o trabalho e a educação.

Caldart (2010) destaca que a origem da Educação do Campo está na luta que os trabalhadores do campo, organizados em movimentos sociais fazem pelo direito à terra e à educação vinculados a um projeto de desenvolvimento do campo e do Brasil, mais especificamente no processo de formação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Segundo a autora

A Educação do Campo se constitui a partir de uma contradição que é a própria contradição de classe no campo: existe uma incompatibilidade de origem entra a agricultura capitalista e a Educação do Campo, exatamente porque a primeira sobrevive da exclusão e morte dos camponeses, que são os sujeitos principais da segunda (CALDART, 2004:19).

No que diz respeito aos fundamentos teóricos da Educação do Campo, Caldart (2004) aponta três referenciais pedagógicos com os quais a Educação do Campo dialoga e que também estão presentes nos princípios pedagógicos que fundamentam a formação política do Movimento dos Atingidos por Barragens.

O primeiro diz respeito ao pensamento pedagógico socialista, que traz a dimensão pedagógica do trabalho e da organização coletiva e a reflexão sobre o sentido da cultura no processo histórico a partir de uma perspectiva humanista e crítica.

O segundo referencial diz respeito ao legado pedagógico decorrente das experiências da educação popular, que consideram o diálogo com as matrizes pedagógicas da opressão (dimensão educativa da condição de oprimido) e da cultura (cultura como formadora do ser humano), especialmente em Paulo Freire. Nesse sentido “A Educação do Campo talvez possa ser considerada uma das realizações práticas da pedagogia do oprimido, à medida que afirma os pobres do campo como sujeitos legítimos de um projeto emancipatório, e por isso mesmo, educativo” (CALDART, 2004:21).

E o terceiro vem de uma reflexão teórica mais atual, a Pedagogia do Movimento, que se produz a partir das experiências educativas dos movimentos sociais, e em especial do MST. Na Pedagogia do Movimento identifica-se o modo e a intencionalidade pedagógica por meio da qual o MST educa as pessoas que dele fazem parte, para além da escola. . E isto é bem mais amplo que uma escola. Mas descobrimos no caminho que a escola cabe e pode ter um lugar de destaque nesta pedagogia, desde que sintonizada com a intencionalidade pedagógica do próprio Movimento, e de seu projeto histórico (CALDART, 2005). Trata-se então de construir uma tradição pedagógica com referência no campo e nas lutas sociais. Ou seja, cada ocupação, marcha, acampamento e assentamento representa passos de um processo pedagógico e educativo no qual

[...] a Educação do Campo faz o diálogo com a teoria pedagógica desde a realidade particular dos camponeses, mas preocupada com a educação do conjunto da população trabalhadora do campo e, mais amplamente, com a formação humana. E, sobretudo, trata de construir uma educação do povo do campo e não apenas com ele, nem muito menos para ele (CALDART, 2004:18, grifos da autora).

No MAB também está presente a matriz pedagógica que Caldart (2009) apresenta como Pedagogia do Movimento, no qual o princípio educativo acontece dentro da luta e da vivência da organicidade do movimento. No que diz respeito à experiência educativa do MAB podemos destacar que a Pedagogia do Movimento emerge no processo de construção do próprio Movimento. Cabe destacar aqui a especificidade da luta contra hegemônica no contexto da questão energética na qual está situado o MAB, onde a organicidade da classe trabalhadora se defronta com uma dinâmica veloz e agressiva do avanço do capital. Dessa forma, existe uma condição de urgência no processo da luta de classes que determina também a necessidade de um processo de formação mais intenso, que acompanhe e até mesmo se antecipe ao rápido avanço do capital sobre os territórios camponeses. É o que se expressa claramente no quadro histórico apresentado no Capítulo 6, onde se percebe a resposta simultânea na evolução da concepção de formação política do MAB em correlação com as mudanças no modo pelo qual o capital avança no setor energético.

Sobre a organicidade enquanto princípio educativo a educanda M.A.L em seu relato comenta sobre sua experiência no curso de militantes do MAB.

[...] quando eu entrei no Movimento pela primeira vez, que eu fui né, e vi o educador Mauro com aquele outro, o Ranulfo, na fila pra esperar o almoço, lavando banheiro, lavando prato, eu fiquei admirada, porque isso no meu lado, eu achava que quem tinha um estudo né, mais elevado que nem eles tem né, pra instruir as outras pessoas tinha que ter uma mesa separada, mas não, pelo contrário sabe, tudo na filinha, tudo trabalhando...eu disse: gente é aqui, é esse o meu lugar viu! Eu me achei, eu vou ficar aqui. Então foi isso, a primeira coisa que eu fiquei admirada nessa questão, porque não tem divisão, todo mundo é igual né, e nós tamo lutando por uma sociedade mais justa, igual. (M.A.L. educanda do P.A. Joana D’Arc)

A organicidade, a auto-organização dos educandos, os coletivos pedagógicos, a participação dos educandos na coordenação coletiva dos cursos de formação (CPP) são princípios pedagógicos que o MAB assume no seu processo de formação política que estão presentes na organicidade do próprio Movimento e também na concepção da educação do campo. Assim como, também são princípios que se aproximam da visão socialista de mundo e da escola humanista de Gramsci. Nesse sentido destacamos que as matrizes pedagógicas dos cursos de formação do MAB trazem consigo matrizes pedagógicas da Pedagogia do Movimento, como a luta social, a organização coletiva, a pedagogia da terra, a pedagogia da cultura, da história e da alternância (CALDART, 2009).

A Escola Nacional de Formação Política do MAB se inspirou na pedagogia da alternância118 da educação do campo para organizar os tempos e espaços educativos em dois momentos distintos, mas não excludentes: i) o Tempo Escola (TE) onde acontecem aulas teóricas e práticas; e ii) o Tempo Comunidade (TC) que é o momento no qual os educandos realizam atividades na sua realidade, na sua comunidade.

Na visão do educando W.R.A do curso de militantes do MAB/RO a formação do MAB e a Educação do Campo partilham princípios, pois o “processo de formação dentro do MAB é dialogar diretamente com a realidade do povo e a Educação do Campo tem isso também, dialogar diretamente com a realidade local”, e concluir afirmando que educação e formação andam juntas. Assim, a formação do MAB assume um caráter político e vai construindo e fortalecendo a identidade, a cultura, os valores coletivos, o trabalho, as territorialidades e a dignidade dos atingidos por barragens na perspectiva de construir um projeto socialista para o país.

Com relação ao debate político acerca da realidade do campo mediante o avanço do capital podemos afirmar que a formação política que o MAB vem construindo agrega

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forças ao paradigma da Educação do Campo ao trazer novas práticas, valores, saberes e temas para o debate, como a questão da disputa e mercantilização da água, do hidronegócio e do modelo energético brasileiro cuja matriz é hídrica, e com a construção das hidrelétricas expropriam populações gerando novos conflitos no campo.

8. CONSIDERAÇÕES (NEM TÃO) FINAIS

A partir do exposto, apresentamos aqui algumas conclusões (provisórias) depreendidas neste estudo de caso.

Na busca por identificar e caracterizar as intencionalidades político-pedagógicas do processo de formação de militantes do MAB surgiu a necessidade de entender a relação entre o Movimento e a expansão do capital, a política de construção de hidrelétricas e a trajetória do MAB, cruzando a linha histórica do setor elétrico brasileiro com a da organização e formação política do Movimento dentro da sociedade capitalista, procurando assim, demarcar a contradição da qual o MAB emerge.

Para tanto trouxemos os dados referentes ao setor elétrico brasileiro no contexto de reestruturação produtiva do capital com base no crescimento a todo custo e a todo preço, sem limites para sua expansão, o que o torna essencialmente destrutivo (Mészáros, 2011). Esse avanço do capital se configura num modelo de desenvolvimento que, no setor energético brasileiro, favoreceu grandes grupos econômicos nacionais e internacionais que ficaram com o controle da energia no país e se materializa na construção das usinas hidrelétricas para atender as demandas do capital em detrimento das demandas sociais.

E aqui cabe nos reportar a Carvalho (2008:21) que ao analisar a luta por direitos no Brasil contemporâneo destaca que nas duas últimas décadas houve uma mudança profunda no papel do Estado brasileiro. Segundo ela vivemos uma confluência contraditória de dois movimentos, tendo por um lado o que ela chama de Estado ajustador, no qual o Estado sob a égide do mercado ajusta-se à nova ordem do capital, apoiando a dominância do “pensamento único” e forjando um falso consenso visando inviabilizar qualquer alternativa de “outro caminho”. No caso o Estado opera na desregulamentação, na desnacionalização e na privatização dos bens priorizando as exigências das novas formas de valorização do capital financeiro e funcionando a serviço desse capital, como vem acontecendo no setor energético brasileiro.

Ainda segundo a autora, os processos de ajustes de subordinação do Estado ao capital têm gerado uma coletividade que não tem acesso aos direitos econômicos e sociais. Assim, ao delegar para as empresas construtoras de barragens a responsabilidade pela definição de quem é ou não atingido, assim como de quantificar a indenização que irão

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