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A formação profissional técnica de nível médio na área da saúde no Brasil: desafios e

perspectivas

Maria Auxiliadora Córdova Christófaro

Apresentação

Para este painel sobre a “Os Desafios e as Perspectivas da Formação dos Trabalhadores Técnicos em Saúde: a Situação dos Países do Mercosul”, o convite fora feito, muito acertada-mente, para a Dra. Ana Estela Hadad – Secretária de Gestão do Trabalho e da Educa-ção na Saúde (SGTES) do Ministério da Saúde (MS) brasileiro. Contudo, motivos alheios a sua vontade, comunicados à Organização do Evento, justificam sua ausência. Assim sendo, a minha indicação pela SGTES para participar deste painel é uma oportunidade especial e uma responsabilidade que muito me honram.

Os pontos apresentados durante o Painel, e sistematizados neste texto, se base-aram em apresentações do DEGES1 em diferentes eventos – contudo, a síntese feita é da minha inteira responsabilidade. Espero tratar com pertinência os desafios e pers-pectivas da formação profissional técnica de nível médio no Brasil, e assim atender aos objetivos propostos.

Antecedentes

A formação de técnicos em saúde no Brasil é objeto de regulação desde o início do século XX. No contexto de abertura política que caracterizou o final da década de 1970 e início da década de 1980, as diversas categorias que compunham a força de trabalho da saúde se organizaram e reivindicaram o estabelecimento de po-líticas que definissem a educação na área da saúde, apontando para a necessidade de validação de estudos anteriores e também de conhecimentos tácitos de uma forma qualificada e legal.

Diferentes normativas, consubstanciadas ao longo dos processos políticos e so-ciais que marcam a história do país, regulam a educação brasileira e, no seu bojo, tam-bém a formação técnica profissional de nível médio.

A partir da década de 70 – um marco nos estudos sobre a força de trabalho em saúde (FTS) no Brasil – a formação de Técnicos em Saúde torna-se matéria de reivin-dicações dos próprios trabalhadores, haja vista as conclusões desses levantamentos. A existência de aproximadamente trezentos mil trabalhadores inseridos na rede de servi-ços de saúde (públicos e privados, hospitalares, ambulatoriais de atenção primária em saúde) sem a qualificação específica para a área de saúde, como estabelecido nas normativas legais, foi um ponto axial nas discussões e proposições que se seguiram. Os levantamentos feitos nessa ocasião identificaram, também, um leque de denominações usadas nos diferentes serviços, para referir-se a esses trabalhadores. Certamente, um artifício que, ao longo da história, foi usado à revelia da regulação da educação, do trabalho e das leis relativas ao exercício das distintas profissões da área da saúde no país. Essa prática que se alongou por todo o século XX, ainda é uma realidade – o que tornou premente a definição de políticas e programas de formação que superassem essas situações, claramente de risco para o usuário dos serviços e para o trabalhador.

Essa situação mostrou outras tantas questões, uma delas relacionada à “identi-dade profissional” desse trabalhador que não era técnico e era absorvido pelos servi-ços de Saúde como tal. O termo “trabalhador técnico”, portanto, servia para designar um segmento de múltiplos trabalhadores que, sem identidade profissional, serviam a diferentes demandas, mas sempre se situando na confluência do trabalho do profissio-nal com formação superior (médico ou enfermeiro, por exemplo) o que gerava impasses insolúveis no plano da organização e operacionalização do processo de trabalho: “do técnico sem lugar, ao lugar do técnico na área da saúde” é uma questão que se torna ponto de partida.

No cotidiano do trabalho, eram frequentes as discussões focadas no “fazer” des-se trabalhador des-sem qualificação, em especial, dada a incoerência entre quem realmente

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executava o trabalho e como o exercício das profissões era regulado. A área da enfer-magem contava com a maior parte desse segmento de trabalhadores sem qualificação específica e com múltiplas denominações (atendente de enfermagem, agente de saúde, ajudante de saúde, entre outros tantos). Potencializando esta situação havia aqueles trabalhadores, genericamente, identificados como “técnicos”, entre os quais existiam os que tinham formação como estabelecido no sistema nacional de educação e aque-les sem formação. Além dos levantamentos que quantificaram essa situação outros estudos buscaram qualificá-la. Assim, fez-se um amplo mapeamento da inserção des-ses trabalhadores e o que faziam. Ao serem perguntados sobre o que faziam no cotidi-ano dos Serviços de Saúde onde estavam inseridos, as respostas mais comuns mostra-vam a dubiedade da situação, exemplo: “Depende do horário em que trabalho: se for pela manhã, faço determinadas ações, se for à noite, outras”. Outro ponto identificado foi que a maioria dos técnicos com formação haviam sido formados por cursos oferecidos por instituições do setor privado de ensino, com um custo altíssimo.

Em geral, a orientação pedagógica desses cursos privilegiava o treinamento para a execução de procedimentos, baseados em conhecimentos de manuais, além do que, não há investimento na qualificação pedagógica do corpo docente. Esse era o quadro que, ao final da década de 1970 e inicio da década de 1980, estava configurado e que foi o eixo que induziu à articulação entre as organizações das categorias profissionais, os Ministérios da Saúde e da Educação, para que se buscasse estratégias para sua rever-são. A primeira alternativa planejada e desenvolvida no sentido de superar essa situa-ção foi o Projeto Larga Escala. Esse projeto baseou-se na estruturasitua-ção de escolas públi-cas de formação de técnicos em saúde para atender à necessidade de formação dos trabalhadores sem qualificação específica tendo como docente o próprio profissional do Serviço que, também, exercia a função de supervisor do processo de formação.

A escola, para desenvolver esse Projeto, foi instituída para discutir, elaborar e formular projetos de formação levando em consideração todas as áreas técnicas de saúde, tendo como eixo metodológico a integração ensino-serviço. Todos os processos administrativos e a coordenação pedagógica eram centralizados e a efetivação do cur-so era descentralizada para a Unidade de inserção dos alunos. Para a realização do Projeto Larga Escala, foi necessária uma parceria entre o Ministério da Educação, o Ministério da Saúde, o Ministério da Previdência Social, a Organização Pan-americana da Saúde, as secretarias estaduais das 27 Unidades Federadas, os Conselhos Estaduais de Educação, as instituições escolares e os serviços de saúde dos estados e municípios. Esse foi um projeto que marcou profundamente o quadro vigente ao final da década de 1970, reorientando a área da educação profissional técnica no Brasil.