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O objetivo deste capítulo é apresentar o modo como a psicanálise se insere no debate sobre a produção de conhecimento, localizando a verdade enquanto uma questão central. Trata- se, entretanto, de uma concepção específica de verdade, a qual demanda uma exposição sobre como essa mesma noção articula um método específico de raciocínio e um novo tipo de objeto, ambos marcados por uma negatividade. Desse modo, sustentaremos que a psicanálise se insere no debate sobre a produção de conhecimento apresentando um estilo de raciocínio particular.

Para tanto, dividiremos a apresentação em duas partes. Primeiramente, comentaremos um texto de Françoise Balibar que nos ajudará a marcar as diferenças, em linhas gerais, sobre o modo como a questão da verdade é trabalhada por Hacking e o caminho que a ela é dado no pensamento de Lacan. A partir dessa apresentação mais geral, iremos retomar a discussão indicada no capítulo anterior sobre negação e resistência, com o intuito de demonstrar que maneira como a psicanálise se constitui demanda um tipo de objeto e um método de raciocínio particulares. Finalmente, discutiremos brevemente algumas técnicas de estabilização desse estilo de raciocínio, contemplando assim os três pontos principais apresentados por Hacking. A partir dessa apresentação, poderemos trabalhar os pontos de conjugação e distanciamento da psicanálise e da filosofia da ciência de Ian Hacking numa abordagem crítica sobre o papel da verdade na produção de conhecimento sobre sofrimento psíquico.

3.1 – A verdade e nada mais

Como apontado rapidamente, apresentaremos uma discussão realizada pela física e filósofa da ciência Françoise Balibar como um modo de introduzir as diferenças entre Hacking e Lacan na abordagem da questão da verdade. Como vimos até agora, Hacking faz um diagnóstico sobre um problema inerente à redução do conhecimento científico à verdade, indicando que não é possível produzir um conhecimento absoluto e atemporal. Mais que isso, indica problemas decorrentes da aplicação de diferentes teorias da verdade (Kirkham, 1992) à práxis científica, concentrando-se, em linhas gerais, na passagem problemática da formalização à efetividade do conhecimento. Sua solução se sustenta numa historicização do conhecimento, em que a veracidade é apresentada enquanto possibilidades de enunciação do verdadeiro.

Essa solução carrega em si a recusa de um programa normativo de definição do que é ciência, apontando que a impossibilidade de definição do fazer científico a partir somente de argumentos epistemológicos ou metodológicos aponta para a necessidade de consideração de

que os diferentes estilos de raciocínio científico estabelecem recortes parciais e específicos, e não respondem a nenhum critério exterior para garantir sua validade. Sua pertinência é determinada, assim, a partir de sua funcionalidade social, a qual pode ser definida a partir da articulação de diversos fatores (utilidade do conhecimento, poder explicativo, capacidade em lidar com crises etc.). Junto a isso, o autor realiza um trabalho detalhado sobre os efeitos ontológicos do conhecimento, afirmando assim a historicidade dos modos de experiência dos indivíduos. A relação entre conhecimento e efeitos ontológicos também não inclui uma verdade epistemológica em seu funcionamento, de modo que os efeitos são decorrentes tanto de saberes consistentes como de saberes frágeis.

Lacan, por sua vez, também parte de um diagnóstico sobre a relação problemática entre verdade e saber; entretanto, apresenta algumas diferenças em relação a Hacking. Trata-se da compreensão de que haveria uma recusa, no projeto científico moderno, em lidar com categorias como verdade e sujeito. O modo como esse diagnóstico é realizado inclui uma consideração central da questão da verdade para a psicanálise, o que faz com que alguns desenvolvimentos provenientes da clínica sejam mobilizados. Primeiramente, apresentaremos como essa questão da recusa pode ser reconhecida em discussões sobre filosofia da ciência, para então analisarmos a maneira como a psicanálise trata essa questão, a qual consistiria na cristalização de um novo tipo de objeto e novas modalidades de verdade ou falsidade.

A ciência ideal da psicanálise

A recusa de categorias como verdade e sujeito pela ciência moderna é uma ideia que Lacan depreendeu da obra de Koyré, especialmente de sua consideração de que a matematização, enquanto traço fundamental da ciência moderna, seria um modo de autonomização do conhecimento para além da subjetividade. Essa ideia, que aparece em alguns momentos na obra de Lacan, é afirmada em “A ciência e a verdade” (1966a/1998), junto a uma alusão sobre aquilo que se poderia tomar enquanto um ideal cientificista de Freud. Um ideal multifacetado, que leva Paul Laurent Assoun a chamá-lo de um “barroco epistemológico” (Assoun, 1983), mas ainda assim um ideal. E algo, na leitura de Lacan, inseparável da emergência da psicanálise:

Dizemos, ao contrário do que se inventa sobre um pretenso rompimento de Freud com o cientificismo de sua época, que foi esse mesmo cientificismo — se quisermos apontá-lo em sua fidelidade aos ideais de um Brücke, por sua vez transmitidos pelo pacto através do qual um Helmholtz e um Du Bois-

Reymond se haviam comprometido a introduzir a fisiologia e as funções de pensamento, consideradas como incluídas neles, nos termos matematicamente determinados da termodinâmica, quase chegada a seu acabamento em sua época — que conduziu Freud, como nos demonstram seus escritos, a abrir a via que para sempre levará seu nome. Dizemos que essa via nunca se desvinculou dos ideais desse cientificismo, já que ele é assim chamado, e que a marca que traz deste não é contingente, mas lhe é essencial. (Lacan, 1966/1998, p. 871)

Em seu texto “La vérité, toute la vérité, rien que la vérité” [A verdade, toda a verdade, nada a não ser a verdade] (2007/2012), Françoise Balibar se debruça sobre essa afirmação lacaniana, de que a ciência nada quereria saber da verdade como causa. Faz isso tomando como caso de estudo justamente a obra de Hermann von Helmholtz. Tal escolha não se dá por acaso: por um lado, ele é uma das referências de Freud, como pudemos ver na citação de Lacan; por outro, ela justifica a escolha particular de Helmholtz — e não de outros autores que também se enquadram nessa posição — por sua proximidade com temas que ela domina, já que Helmholtz tinha a física como campo de estudo, entre outros.

De saída, a autora faz uma pequena precisão em relação à palavra utilizada por Lacan para situar o lugar que o físico e fisiologista alemão ocupava para Freud: segundo ela, o termo cientificismo indicava, ainda no momento de publicação de “A ciência e a verdade” (1966a/1998), a ideia de que a ciência possibilitaria um tipo de relação especial com a verdade; tal precisão é importante já que, passados alguns anos após as críticas mais diretas a posições racionalistas em filosofia da ciência, essa posição privilegiada passou a ser criticada. O termo “cientificismo” começou a ser empregado de forma pejorativa, já que justamente essa presunção de superioridade em relação à verdade passou a ser o principal alvo de debates. Ressaltamos, como indicado, que essa precisão da autora se propõe simplesmente a evitar um anacronismo, pois mesmo que a ciência tenha perdido essa posição privilegiada, não é essa ideia presente na referência de Lacan a Helmholtz, e muito menos o horizonte do próprio cientista alemão. Por outro lado, a consideração dessa precisão nos parece importante justamente para não imputarmos, nós mesmos, um sentido ausente nas palavras do psicanalista: por mais que sustentasse um posicionamento crítico sobre a relação entre verdade e ciência — especialmente no texto em questão —, ele não o fazia, ao menos esse caso, empregando termos pejorativos.

Balibar afirma que Helmholtz trabalhava com uma ideia de unidade de todos os campos do conhecimento, o que levaria, por sua vez, à ideia de que um único método de formalização seria adequado para todas as disciplinas. Mais do que isso, tal ideia de unidade implicava que os conceitos de uma disciplina deveriam ser relacionáveis às outras: “O essencial é que

Helmholtz ‘descobriu’ uma grandeza invariante. Se ele a descobriu, é porque ele a procurava; e se ele a procurava, é porque estava intimamente convencido da unidade da natureza e, então, da unidade última de todos os campos do conhecimento” (Balibar, 2007/2012, p.90, tradução nossa). Nesse escopo, seu grande sucesso teria sido, em um estudo sobre a variação de calor de corpos de animais, não somente fazer contribuições importantes à física, mas demonstrar que um conceito fisiológico poderia ter o mesmo estatuto de um conceito físico. Isso não significa a elevação da física a uma disciplina superior; mas que, assim como a física, a fisiologia seria matematizável. O que tem uma posição privilegiada é, portanto, a matemática:

A filosofia científica encontra assim seu fundamento: o princípio de conservação da energia. Como a física, ela repousa sobre princípios matematizáveis. Vê-se no que o proceder de Helmholtz não é reducionista. Não se trata de fazer funcionar os conceitos da física no campo da fisiologia e então de reduzir, efetivamente, a fisiologia a esses conceitos, e por aí também à física. A ambição de Helmholtz é completamente outra: tendo estabelecido que a fisiologia pode gozar do mesmo estatuto que a física, trata-se para a fisiologia de desenvolver novos conceitos, sob a égide do princípio de conservação de energia; nada impõe que os conceitos sejam os mesmos que aqueles da física; é suficiente que eles sejam ligados, de maneira necessariamente matemática, ao conceito comum de energia (definido como isso que se conserva). Daí a tese epistemológica (desenvolvida mais tarde por Helmholtz, no correr dos anos 1870) segundo a qual encontrar uma relação que permanece inalterada entre grandezas que variam (o que nós chamamos uma “lei”) constitui a forma suprema do conhecimento. (Balibar, 2012, p.92, tradução nossa).

Essa mesma afirmação apresenta algumas sutilezas que já constituem um ponto importante para nossa consideração. De fato, quando Helmholtz fala de “relação” inalterada, há aí uma diferenciação entre “relação” e “substância”. Segundo Balibar, o fisiologista alemão considerava que “isso” que sempre permanece inalterado diz respeito a uma substância; entretanto, não é possível conhecer substâncias, mas somente as relações que se estabelecem entre elas, sendo justamente a “lei” aquilo que poderia ser recolhido da invariância de uma relação entre grandezas que variam. Dessa maneira, todas as relações estariam acessíveis ao pensamento, e assim, seriam todas compreensíveis.

Entretanto, é necessário notar que Helmholtz trabalha a ideia de compreensão como algo ligado à representação, ao pensamento ou à intuição, algo solidário à afirmação de que aquilo que se conhece são as relações, e não as substâncias. Colocado de outra forma, o fisiologista parece trabalhar com um horizonte de adequação da coisa ao intelecto, de modo que a verdade deixa de ser uma questão, uma vez que ela ficaria velada atrás dos modos de captação da verdade (pensamento, intuição, percepção). Dessa forma, ao comentar uma conferência dada

sob o título “Die Tatsachen in der Wahrnehmung”, traduzida para o inglês como “The facts in perception” [Os fatos na percepção], Balibar afirma que “pode-se dizer, sem exagerar, me parece, que Wahrnehmung [percepção] é o verniz sob o qual Helmholtz esconde a verdade” (Balibar, 2007/2012, p. 96, tradução nossa). Mais que isso, Helmholtz escreve que a ciência da natureza separa aquilo que é da ordem da definição daquilo que é da ordem da realidade, do estado puro. Desse modo, isso que aparece do “outro lado” dos enunciados científicos, isto é, isso ao que os enunciados se referem, é a realidade, e não a verdade.

Temos, portanto, o seguinte esquema: o “império” do real é compreensível, mas não por ser possível saber a verdade de suas substâncias; o que é possível de ser compreendido são leis decorrentes daquilo que permanece inalterado na relação entre grandezas, algo somente acessível a partir da consideração de uma realidade. Real e realidade não são a mesma coisa; entretanto, as leis da realidade são adequadas ao real. Para tanto, é necessário um passo a mais, uma vez que a relação entre as leis da realidade e o real só faz sentido se essas leis forem estáveis, ou, ainda mais: absolutas. Desse modo, aponta Balibar, Helmholtz apresenta uma noção de causalidade necessária a essa “colagem” entre as leis da realidade e o real: se o fisiologista delimita seu saber deixando a verdade escondida por trás da noção de realidade, a noção de realidade em si traz consigo algo de causal:

Somos aqui confrontados com Helmholtz a um “erudito” [savant] que, respeitoso dos interditos que fundam sua casta, recusa-se a falar de verdade, para melhor falar, diz ele, da realidade. Mas a realidade se apresenta como

Wirklichkeit (realidade efetiva, atualizada) e figura no título de sua

conferência sob a bandeira das Tatsachen, onde a palavra Sache não pode não ressoar; ora, Sache, em alemão, é, como em latim, ao mesmo tempo coisa e causa — de modo que o título dessa conferência aparece finalmente ainda mais codificado do que parecia: ele exibe, lado a lado, a causa e a verdade, mas não em suas formas puras, sob a forma de aliança com outros termos, e mantendo-os cuidadosamente distantes um do outro. (Balibar, 2012, p. 98, tradução nossa)

O mais surpreendente, escreve Balibar, não é somente a complexa operação necessária para fazer com que não só a verdade se esconda, mas também como se distancie da causa; pois Helmholtz continua a apresentar uma fragilidade em sua epistemologia, no que diz respeito à passagem da realidade às coisas, mesmo que seja pela via causal: o que faria com que houvesse, de fato, essa correlação entre as leis da realidade que são matematizáveis e as coisas em si, cuja substância e verdade são retiradas contornadas no processo de construção de saber? A resposta do cientista é furtiva, não resolvendo a questão, apenas afirmando algo como “confie e faça”.

Ou seja, nesse ponto de ligação, o que se propõe é uma espécie de ato de fé, com o qual não somente essa questão pode ser deixada em aberto (“confie”), mas, principalmente, que demanda que a ação não seja atrapalhada por esse tipo de questionamento (“faça”). Tal proposição, aparentemente tão frágil, só é possível, diz Balibar, pelo velamento da questão da verdade, que permite que, ao se tratar “somente” de realidade, a impotência presente nesse ato de fé que dá consistência à lei causal possa passar despercebida, ou, ainda melhor, possa ser ativamente esquecida:

Em suma, e para dizer as coisas em termos simplistas, o erudito [savant] (identificado nessa ocasião àquele que faz ciência) não pode dizer “eu” no exercício de sua atividade de sábio, pois não é esse eu quem então fala de verdade, mas um Outro do qual ele é o intermediário graças à matemática — ele mesmo tendo voluntariamente “esquecido” a existência, nele, de uma divisão, e então deixado de lado toda uma parte de seu eu: isso que Lacan designa como o sujeito sofredor que, se compreendo bem, é essa parte do sujeito da ciência que não fala na ciência (mas fala na análise). Desse basculamento do domínio da verdade naquele da realidade, acabamos de analisar longamente um exemplo que pode se classificar como paradigmático. Todos os esforços de Helmholtz em Die Tatsachen in der Wahrnehmung visam construir um objeto que lhe seja exterior, esquecendo deliberadamente essa parte do “eu” da qual ele não quer saber nada, a não ser para poder subtrai- la de nossas representações, como um escavador de ouro que, passando na peneira as areias auríferas que recolheu, descarta a areia para guardar somente o ouro. (Balibar, 2007/2012, p.100, tradução nossa)

Assim, a autora afirma que essa evasão da questão que faz a ligação entre pensamento e existência é justamente o que permite esse esquecimento do “eu” demandado pelo procedimento científico, uma vez que o saber aí produzido só se sustenta a partir da retirada desse tipo de questão que traria grande instabilidade às operações que permitem o estabelecimento da correlação entre leis simbólicas e substâncias reais impossíveis de serem conhecidas.

Nesse sentido, a matemática surgiria como possibilidade de estabelecimento de tais operações por possibilitar o estabelecimento desse saber, respeitando a invariância demandada pela ciência. Se o real (ou a substância) é o invariável, a matemática ocuparia um lugar de verdade, pois possibilitaria a construção de sistemas eficazes (que tocam o real) a partir de uma linguagem que permita a depuração das individualidades dos pesquisadores.

Contudo, pergunta a autora, será que é possível fazer ciência somente nesses termos? Sua resposta é decididamente negativa: se a matematização é uma operação que pode estar presente na ciência, ela não abrange todo o procedimento científico. Afinal, falar em termos puramente formais, segundo Balibar, é o mesmo que não falar nada. Segundo ela, uma ciência só tem sentido e eficácia quando existe também uma parte sua que é realizada em linguagem

vernacular, e não somente formal, o que indica que essa concepção lógica e consensual de verdade não é suficiente para dar conta da prática científica. E, posto isso, faz-se necessário que a verdade seja também abordada de outro lugar:

Essas passagens em língua comum, com efeito, não servem para traduzir isso que está escrito em termos simbólicos (isso que é totalmente inútil porque, de todo modo, o simbolismo é compreendido universalmente). Elas têm uma função de colocar em cena, no sentido em que um colocar em cena é alcançado ou fracassado conforme o texto que os atores-personagens prenunciam se enderece (ou não) ao espectador, fale com eles, como se diz (ou não fale com eles). Sem esse “eu” (que também faz parte do sujeito da ciência) que se exprime em língua ordinária, o sujeito da ciência, reduzido ao “eu” diluído do princípio de relatividade, não fala com ninguém. (Balibar, 2007/2012, p. 104, tradução nossa).

É possível, a partir dessa apresentação, colocar duas questões sobre a consideração da verdade na produção de conhecimento: primeiramente, a questão da verdade enquanto garantidora do conhecimento, que se desdobra em como sustentar a validade do conhecimento a partir dessa crítica; segundo, a pergunta sobre o papel e os efeitos que esse processo produz no sujeito.

A verdade separada do conhecimento

Em relação à primeira questão, é possível, a partir de Balibar, localizar alguns pontos de proximidade com o diagnóstico de Hacking sobre o problema inerente à aplicação de teorias da verdade (no sentido de Kirkham) às ciências, uma vez que a prática científica não parece ser bem explicada por uma teoria da verdade como adequação, ou por uma teoria pragmática, tampouco por uma teoria semântica. Lembremos que o filósofo afirma (Hacking, 2003) que o problema estaria na passagem da teoria para o mundo, nisso em que parece não ser possível justificar, epistemologicamente, o porquê de aquilo que é formalizado de fato funcionar com os objetos empíricos. Algo bastante compatível, portanto, com a afirmação de Balibar sobre a necessidade de encarnação dos enunciados lógicos para que uma ciência aconteça. Entretanto, o que é feito com esse diagnóstico marca uma diferença relativa à segunda questão.

Como indicado no Capítulo 1, Hacking irá encaminhar essa questão pela afirmação de que não há um encaixe garantido, mas que existe uma série de práticas que dariam algum tipo de contorno a essa lacuna. É o que ele indica enquanto modos de estabilização, os quais seriam responsáveis pela acomodação do conhecimento aos problemas empíricos encontrados e àquilo

que se espera da produção de saber. E, junto a isso, o entendimento de que a própria estabilidade do conhecimento é autorreferente: fruto da reunião de diversos fatores que inclui desde restrições colocadas pelos objetos a negociações impostas pelo social. Trata-se, portanto, de uma solução que, ao deslocar a questão da verdade para a veracidade, substitui um saber absoluto por um saber historicizado, não garantido por nenhum elemento externo e aberto a algum tipo de negociação. Essa seria a resposta para a primeira questão.

Em relação à segunda questão, vimos, no capítulo 2, o extenso trabalho de Hacking sobre o efeito retroativo das práticas e dos discursos científicos sobre os indivíduos. É um modo “positivado” de se tratar a questão, pensando na influência direta que discursos e práticas estabelecidas têm na definição da expressão sintomática e nos modos de sofrimento. Há, portanto, a afirmação de efeitos ontológicos a partir do estabelecimento de práticas e discursos, mas isso é trabalhado a partir da relação entre conteúdo dos discursos e possibilidades de experiências.

Trata-se, desse modo, de um ponto de inseparabilidade entre os efeitos ontológicos da produção de saber, reunindo epistemologia e ontologia. O modo geral como o sujeito é localizado dentro do empreendimento científico produz efeitos ontológicos: como veremos a seguir, isso diz respeito, para Lacan, à rejeição da verdade enquanto uma questão. Segundo o psicanalista, essa rejeição estaria ligada à fecundidade da ciência moderna, nisso em que ela

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