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As formas de controle incidentes sobre a livre conformação tributária dos países Membros

A SOBERANIA TRIBUTÁRIA DOS PAÍSES MEMBROS DA OMC: CONTROLE SOBRE POLÍTICAS INDUSTRIAIS EM UM AMBIENTE

A. As formas de controle incidentes sobre a livre conformação tributária dos países Membros

Localizamos – neste sentido – ao menos três mecanismos de controle diretamente oriundos dos compromissos contratados multilateralmente que podem reduzir a autonomia

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dos países Membros no que se refere à elaboração e implementação de políticas industriais instrumentalizadas a partir da concessão de incentivos fiscais.

Em primeiro lugar, deve-se destacar a existência de uma atuação preventiva por parte da OMC, especialmente destinada a conferir aplicabilidade a um dos princípios estruturantes do comércio internacional, o princípio da transparência. Em tal contexto, os países Membros instituíram um Mecanismo de Exame de Políticas Comerciais (TPRM), com caráter evidentemente preventivo, relacionado à imposição de que todos os membros da OMC enviem relatórios periódicos para análise da política comercial aplicada no plano doméstico, o que evidentemente inclui as medidas tributárias eventualmente pertinentes. Um exame anual das principais questões atinentes às políticas comerciais dos países Membros é publicado pela organização. Além disso, saliente-se que ao aderir aos acordos da OMC, os países Membros têm de submeter suas normas internas à análise de conformidade com relação às regras contratas multilateralmente, sendo necessária a adequação das políticas comerciais eventualmente incongruentes (Michels 2009).

Mais importante, porém, é considerar a existência de mecanismos corretivos e

sancionatórios, que podem significar logicamente maiores restrições ao exercício da

soberania tributária por parte dos países Membros. Em tal contexto, vale destacar inicialmente a existência de um mecanismo de solução de controvérsias estruturado para a implementação das regras contratadas.

Para que qualquer demanda seja analisada no âmbito do sistema de solução de controvérsias, é necessário que haja um questionamento realizado por algum país Membro (particulares não são legitimados para participar do procedimento). Em tal sentido, inicialmente devem ser elaborados pedidos de consulta posteriormente notificados ao Órgão de Solução de Controvérsias (OSC) e aos respectivos Comitês, sendo que apenas caso não seja possível resolver a controvérsia a partir de uma solução conciliatória, será possível o estabelecimento de um painel, dando início à segunda fase do procedimento (art. IV-7 do Entendimento relativo às normas e procedimentos sobre solução de controvérsias).

Somente não será estabelecido um painel se o OSC entender por consenso a respeito de sua desnecessidade, o que obviamente parece muito improvável em face da necessidade de negativa mesmo da parte reclamante. Trata-se de um procedimento quase automático, portanto, nitidamente diverso do previsto no âmbito do GATT (Amaral Júnior 2008; Cretella Netto 2003; Thorstensen 2001).

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Elaborado e publicado o relatório final dos painelistas, os países interessados podem notificar o OSC a respeito de seu interesse em apelar, sendo que apenas questões de direito e de interpretação jurídica podem ser formuladas nesta fase. A decisão exarada pelo Órgão de Apelação não comporta recursos, sendo que de nenhuma forma poderá ser bloqueada por qualquer das partes interessadas, a menos que haja improvável consenso a respeito de sua não adoção por parte do OSC.

Após a adoção do relatório elaborado pelo painel responsável ou da decisão exarada pelo OA, o país Membro respondente tem o prazo de trinta dias para informar ao OSC como pretende implementar as decisões e recomendações exaradas. Dá-se início, aqui, à fase de implementação e supervisão das decisões adotadas pelo OSC, cujo principal objetivo é corrigir as inconsistências de políticas domésticas e reequilibrar as relações comerciais de acordo com as regras acordadas no âmbito da OMC (Amaral Júnior 2008). Note-se que a fase de implementação está orientada ao voluntário cumprimento das medidas necessárias por parte do país respondente, havendo, porém, verdadeiras sanções ao Estado que não tome as adequadas providências de cumprimento, tais como a possibilidade de suspensão de concessões ou outras obrigações, em conformidade com o art. XXII-1 do ESC.

As contramedidas, em tal sentido, são autorizadas apenas quando o país Membro respondente é incapaz de suprimir as medidas incompatíveis com as obrigações contratadas, tendo caráter nitidamente temporário e dependendo da autorização do OSC.

A contramedida mais relevante prevista pelo ESC é claramente a possibilidade de retaliação por meio da suspensão de concessões ou de outras obrigações pelo país demandante, prevista no art. XXII-2. Trata-se, segundo Alberto do Amaral Júnior, de mecanismo sancionatório, vez que permitida a utilização de instrumento coercitivo capaz de privar temporariamente os direitos concedidos e resguardados pelos acordos contratados no âmbito da OMC (Amaral Júnior 2008). Para aplicar a referida retaliação, o país demandante deverá solicitar autorização ao OSC, que apenas não chancelará a sua adoção se houver consenso que rejeite o pedido. Após a aprovação pelo OSC, logicamente a aplicação da medida retaliatória independerá de qualquer consentimento por parte do Membro respondente, o que deixa evidenciado o caráter de obrigatoriedade e vinculação das decisões exaradas em âmbito multilateral (Amaral 2012).

Parece relevante destacar que o mecanismo sancionatório previsto no ESC não se estrutura a partir de uma imposição direta de adequação das políticas domésticas, já que a autonomia dos Estados Membros deve ser respeitada. O que se busca com a possibilidade de retaliação é erigir mecanismos coercitivos que pressupõem a perda de direitos já conquistados

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e estabelecidos pelos tratados da OMC (Amaral Júnior 2008). Em outras palavras, o OSC logicamente não tem legitimidade para determinar unilateralmente a alteração de determinadas políticas comerciais domésticas que eventualmente sejam incompatíveis com as regras da OMC, não intervindo de forma imediata na autonomia dos países Membros. A solução encontrada para conferir obrigatoriedade aos acordos contratados multilateralmente foi possibilitar a suspensão de determinadas vantagens e direitos, o que pode significar um instrumento efetivo de indução ao cumprimento das decisões exaradas pelo OSC e de punição do Membro respondente.

Para além da existência do mecanismo de solução de controvérsias inerente ao sistema multilateral de comércio (que, reitere-se, somente pode ser acionado por países Membros, e não por particulares eventualmente prejudicados), não se pode deixar de mencionar que os acordos contratados no âmbito da OMC possuem clara e direta aplicabilidade no direito interno, sendo inclusive passíveis de apreciação pelos tribunais nacionais. Neste sentido, note- se que os resultados da Rodada Uruguai foram devidamente internalizados no ordenamento jurídico brasileiro pelo Decreto n.º 1.355/94, conferindo o direito de acesso ao Poder Judiciário a qualquer indivíduo que alegue inconsistência de medidas tributárias domésticas em relação ao regramento da OMC.

Em tal sentido, é nítido que os próprios tribunais nacionais podem utilizar as regras contratadas no âmbito da OMC para afastar medidas tributárias com elas eventualmente incompatíveis ou estender determinados benefícios a sujeitos e produtos inicialmente não atingidos pela norma de beneficiamento. Assim, as políticas domésticas de cunho tributário podem ser efetivamente controladas pelo Poder Judiciário, sendo que medidas que instituam tratamento incompatível com as regras contratadas no ambiente multilateral podem ser afastadas a pedido de particulares prejudicados, ou mesmo pode ser imediatamente ampliada a extensão do tratamento mais benéfico, tudo com vistas a conferir eficácia às normas da OMC.