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SUBSÍDIOS TRIBUTÁRIOS E O PROGRAMA INOVAR-AUTO: ANÁLISE COM BASE NO ASMC E NA JURISPRUDÊNCIA DA OMC

II. Subsídios Tributários

A concessão de subsídios no sistema multilateral do comércio é regulamentada pelo Acordo sobre Subsídios e Medidas Compensatórias (ASMC), que no seu art. 1º estabelece uma definição do instituto que, junto com a definição de especificidade, é requisito para o enquadramento do benefício governamental nas disposições daquele Acordo2.

Para o ASMC há subsídio pela via tributária quando caracterizada uma contribuição financeira governamental concretizada por uma medida fiscal que implica perdão ou não recolhimento de receitas públicas, que de outro modo seriam devidas, conferindo-se, assim, vantagem ao contribuinte.

Percebem-se, então, dois elementos essenciais para a configuração de um subsídio pela via tributária: a) indicar quando há “perdão de receitas públicas que de outro modo seriam devidas” (foregone of revenue otherwise due) e b) quando se configura uma vantagem (benefit).

O leading case para a interpretação do dispositivo supra é o caso US – FSC e seus desdobramentos3, quando o Órgão de Solução de Controvérsias analisou os incentivos

tributários concedidos pelos Estados Unidos em relação à tributação sobre a renda obtida pelas empresas americanas no exterior.

O Painel daquele caso inicialmente estabeleceu um teste de exclusão para constatar quando a receita pública que seria normalmente devida o deixou de ser em razão do subsídio. É o chamado but for test, que consiste em analisar a relação tributária que existiria em

2 O art. 1º do ASMC estabelece a definição de subsídio:

1. Para os fins deste Acordo, considerar-se-á a ocorrência de subsídio quando:

(a) (1) haja contribuição financeira por um governo ou órgão público no interior do território de um Membro (denominado a partir daqui “governo”), i.e.: (...)

(ii) quando receitas públicas devidas são perdoadas ou deixam de ser recolhidas (por exemplo, incentivos fiscais tais como bonificações fiscais); (...)

e (b) com isso se confira uma vantagem

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situações normais, mas que (but for) em razão da medida tributária em questão deixa de concretizar-se4.

O referido teste de exclusão consiste em analisar a regra geral de tributação (normative benchmark) de um ordenamento tributário e a respectiva exceção introduzida pela medida tributária apontada como subsídio. Confrontando-se a regra geral com a exceção, consegue-se aferir qual a receita que normalmente seria devida, mas que foi perdoada, configurando a contribuição financeira governamental para o contribuinte.

A regra geral de tributação (normative benchmark), contra a qual a exceção introduzida pela medida tributária contestada é avaliada, deve ser buscada com cautela em cada caso concreto, principalmente ao interpretar as palavras foregone (perdão) e otherwise (de outro modo), que sugerem que o Fisco abriu mão de uma receita pública que normalmente seria devida, já que, teoricamente, os governos podem tributar (ou não tributar) qualquer receita5.

Por tais razões, o but for test não é possível de ser aplicado em todas as situações, pois poderá haver casos em que a medida tributária contestada não será exceção à regra geral e, mesmo assim, poderá ser identificada como subsídio6,

Em tais situações em que não é possível classificar a medida tributária contestada como exceção à regra geral, o Órgão de Apelação, ao analisar a legislação americana Extraterritorial Income Exclusion Act (ETI), que sucedeu a legislação FSC, decidiu que deve haver uma comparação das formas como os signos econômicos equivalentes são tributados no mesmo ordenamento jurídico. Institui-se, assim, um teste de comparabilidade para fins de caracterizar a definição de subsídios.

Pelo teste de comparabilidade, deve-se confrontar o tratamento tributário incidente sobre materialidades equivalentes para aferir se a medida contestada implica perdão de receita pública normalmente devida. Nesse sentido, o Órgão de Apelação expressou que

(...) a tributação padrão [normative benchmark] para determinar se receitas públicas perdoadas seriam normalmente devidas deve permitir a comparação do tratamento tributário de receitas [income] comparáveis, titularizadas por contribuintes em situações semelhantes (tradução livre)7.

4 Ibidem, parágrafo 7.45, p. 258.

5 Cf. Relatório do Órgão de Apelação em United States – Tax Treatment of Foreign Sales Corporations,

WT/DS108/AB/R, parágrafo 90, p. 30.

6 Ibidem, parágrafos 90 e 91, p. 30.

7 No original: “The normative benchmark for determining whether revenue foregone is otherwise due must allow

a comparison of the fiscal treatment of comparable income, in the hands of taxpayers in similar situations.” Relatório do Órgão de Apelação em United States – Tax Treatment for “Foreign Sales Corporations” (Recourse to Article 21.5 of the DSU by the European Communities), WT/DS108/AB/RW,parágrafo 98, p. 30.

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Consequentemente hoje, quando da análise se uma medida tributária se enquadra na definição de subsídio do ASMC, estabelece-se, primeiro, a regra geral de tributação (normative benchmark) e se a mesma é excepcionada pela medida contestada (but for test). Havendo insucesso nessa tentativa, a medida deve ser comparada ao tratamento tributário dispensado a receitas comparáveis, titularizadas por contribuintes em situações equivalentes na jurisdição em questão (teste de comparabilidade)8.

A diferença entre o but for test, instituído pelo Painel, e o teste de comparabilidade, acrescentado pelo Órgão de Apelação no caso US-FSC, é que aquele focaliza o tratamento tributário sobre determinada riqueza na ausência da medida contestada. Já no teste de comparabilidade a análise é feita pela comparação das duas medidas existentes, isto é, em vez de excluir a medida tributária apontada como subsídio, faz-se a comparação dela com o padrão geral de tributação do ordenamento para verificar a diferença de tratamentos tributários existentes naquela jurisdição para riquezas e contribuintes em situações equivalentes.

Ambos os testes necessariamente possuem como pressuposto as regras gerais de tributação do país que concede a medida contestada. É justamente na necessidade da identificação de uma regra geral de tributação ou parâmetro de tributação (normative benchmark), para ambos os testes, que se situam as principais críticas à definição de subsídios tributários como construída pelo caso US – FSC, que se estaria baseando no conceito de subvenção tributária (tax expenditures) para definir o que seria subsídio.

Conforme definição de Vettori (2011:6-7), (...) tax expenditures são concessões desenhadas para prover um benefício a uma atividade específica ou a um grupo de contribuintes, podendo assumir diversas formas, como isenções, deduções, reduções de alíquotas e diferimentos.

Confrontando o precedente US – FSC com a teoria das tax expenditures, a regra geral de tributação (normative benchmark) seria a forma normal de tributação; e seus desvios, apurados pelo teste de comparabilidade ou pelo but for test, indicariam a existência de uma tax expenditure que seria um subsídio para fins do ASMC.

Com base na teoria das taxes expenditures, Paul McDaniel chegou a defender uma segmentação entre as medidas tributárias que ficariam ao alcance das regras do sistema multilateral do comércio, que seriam as tax expenditures/subsídios, e as demais regras do

8 Cf. Relatório do Painel em United States – Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft (Second

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Direito Tributário, que resguardariam independência em relação ao ASMC (McDaniel 2002:166-71; 2004).

Tal ideia é fortemente combatida por Yariv Brauner (2005) e Gustavo Vettori (2011), que entendem ser extremamente difícil identificar, para cada país, uma tributação normal (normative benchmark) e, mais complexo ainda, os desvios, que revelariam as tax expenditures a ser equiparadas aos subsídios.

Críticas à parte, o fato é que o teste de comparabilidade e o but for test introduzidos pelo caso US – FSC se sedimentaram na jurisprudência da OMC e são utilizados sempre que um subsídio é concedido pela via tributária9.

Por fim, prevista na definição de subsídio do ASMC está a necessidade de que a contribuição financeira concedida por meio de medidas tributárias confira vantagem (benefit) para a empresa que a recebe.

O critério de comparação para definir se o destinatário da medida está auferindo vantagem é o mercado. A vantagem configura-se quando o produtor recebe contribuição financeira em termos mais favoráveis do que aquelas disponíveis para o destinatário no mercado10.

A jurisprudência da OMC indica de forma reiterada que quando o subsídio é concedido pela via tributária a vantagem é facilmente aferível, já que o contribuinte sempre fica numa situação mais vantajosa pelo fato de ser dispensado da obrigação tributária que existiria não fosse a medida contestada11.

Constatada a existência de subsídio, este apenas está sujeito às demais disposições do ASMC se for considerado específico (art. 1, § 2º). Um subsídio é específico quando não está disponível para todos os agentes do mercado, ou, nas palavras da alínea “a”, § 1º do art. 2 do ASMC, (...) quando a autoridade outorgante, ou a legislação pela qual essa autoridade deve reger-se, explicitamente limitar o acesso ao subsídio a apenas determinadas empresas (tradução livre)12.

9 Cf. Relatório do Painel em United States – Measures Affecting Trade in Large Civil Aircraft (Second

Complaint), WT/DS353/R parágrafo 7.120, p. 221

10Cf. Relatório do Órgão de Apelação em Canada – Measures Affecting the Export of Civilian Aircraft,

WT/DS70/AB/R, parágrafo 158, p. 40.

11 Cf. Relatório do Órgão de Apelação em Canada – Certain Measures Affecting the Automotive Industry,

WT/DS139/AB/R, WT/DS142/AB/R parágrafo 10.165, pp. 388; Cf. US – Large Civil Aircraft (2nd complaint), parágrafo 7.170, p. 235; Cf. Relatório do Painel em United States – Tax Treatment for “Foreign Sales Corporations” (Recourse to Article 21.5 of the DSU by the European Communities, WT/DS108/RW, parágrafo 8.46, p. 29.

12 Na versão oficial em inglês: “Where the granting authority, or the legislation pursuant to which the granting

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