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3 A SITUAÇÃO DO TRABALHO E A NATUREZA DE SUA TUTELA

4.3 As relações de consumo

4.3.2 Fornecedor

Estabelece o art. 3º do CDC

Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

O foco inicial distintivo, portanto, deve estar na ideia de “desenvolvimento de atividade”. Desenvolver atividade pressupõe uma sucessão de atos coordenados para atingir determinada finalidade.141 A partir desta noção, excluem-se da incidência do CDC aqueles que, apesar de estarem praticando alguma atividade que

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BRASIL. Lei 8.078/90: Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

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LOBÔ, Paulo Luiz Netto. Responsabilidade por vício do produto ou do serviço. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 1996. p. 41.

poderia ser denominada fornecimento, não o fazem de forma sistemática. Vender ou assumir alguma obrigação de fazer, mesmo que de forma remunerada, sem que caracterize uma atividade nesse sentido, não caracteriza relação de consumo.

Outro dado relevante do referido artigo que o legislador procurou ser o mais abrangente possível. Inicialmente, incluiu como fornecedor todo e qualquer sujeito de Direito. Não restringiu a tipo de atividade, nem a finalidade lucrativa no desenvolvimento da atividade. Tal abrangência é útil, visto que há em nosso ordenamento sujeitos de direito que não são pessoas, desenvolvendo atividade no mercado de consumo, bem como pessoas jurídicas sem fins lucrativos, o que significa dizer que há relações de consumo, em que pese serem relações que envolvem o mercado, não estão restritas às relações entre o consumidor e sujeitos que desenvolvem atividade de empresa. Nesse sentido, esclarece José Geral Brito Filomento que “[...] são considerados todos quantos propiciem a oferta de produtos e serviços no mercado de consumo, de maneira a atender às necessidades dos consumidores, sendo despiciendo indagar-se a que título,[...]”.142

Quanto ao conceito de fornecedor, Newton de Lucca critica a doutrina consumerista ao pouco tratamento dado à matéria. O autor ressalta que José Geraldo Brito Filomeno dedicou apenas duas páginas para tratar do fornecedor, Cláudia Lima Marques e Fábio Ulhoa Coêlho apenas uma página, Alberto do Amaral Júnior não tratou do tema, entre outros autores citados.143 Tal observação é relevante ao nosso estudo, visto que diante do conflito entre relação de trabalho e relação de consumo, uma das soluções possíveis é considerar o trabalhador não empregado como fornecedor de serviços.

Sabe-se que, no Código Civil em vigor, a ideia de empresa como atividade econômica organizada com o objetivo de obter lucro está no centro das atividades antes regidas pelo Código Comercial. Por sua vez, existem sujeitos que podem oferecer seus produtos e serviços no mercado, mesmo não sendo, regular ou irregularmente, empresas. Nesse sentido

É a atividade que qualifica o outorgante como fornecedor, para os fins legais, e converte a relação negocial em relação de consumo. Se o bem ou serviço foram entregues mediante ato que não compõe a atividade de quem entregou, a relação negocial é regida pelo direito comum, não se

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GRINOVER, Ada Pellegrini et al. Código brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense universitária, 1991.

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configurando o modelo de fornecedor previsto na lei (art. 3o. do Código do Consumidor).144

Nesse ponto reside o avanço e o nó górdio que foi desvelado com a mudança de competência da Justiça do Trabalho. Conforme se observa acima, qualquer prestação de serviço oferecida no “mercado de consumo mediante remuneração” que não possua “caráter trabalhista” é relação de consumo. Então, se alguém desenvolve atividade de prestação de serviço de forma remunerada possui os elementos subjetivos necessários para ser considerado fornecedor.

Voltando à ideia de fato jurídico: só haverá relação de consumo quando, de um lado, houver o destinatário final de produto ou serviço e, do outro, aquele que desenvolve atividade (conforme art. 3º.) no mercado de consumo, mediante remuneração (direta ou indireta), no que diz respeito à relação de consumo padrão (consumidor standard). Nas outras situações de equiparação a consumidor, da mesma forma, o fornecedor deve apresentar essas qualidades indicadas no Código de Defesa do Consumidor; Caso contrário, não haverá incidência dessa norma e, por consequência, não surgir uma relação jurídica de consumo.

Imagine-se a diarista que, de forma sistemática e organizada, oferece seus serviços para quem deles precise, de forma eventual, mediante remuneração a alguém que é o destinatário final de seu serviço, fazendo semanalmente publicidade em jornal de circulação local, nos classificados. Diante de uma relação jurídica desse porte, o contratante dos serviços seria considerado consumidor e, portanto, presumivelmente vulnerável, recebendo toda incidência do Código de Defesa do Consumidor. É verdade que, sendo considerado autônomo, exclui-se a responsabilidade objetiva, devendo haver prova da culpa, contudo, no mais, resta aplicável a legislação consumerista.

Não há como não voltar à ideia de relação jurídica e o fundamento da proteção de determinados sujeitos. A presunção, no ordenamento, é o da igualdade. A própria Constituição, por sua vez, demonstra que vislumbra a isonomia, não apenas a igualdade formal e, ela própria, aponta vários sujeitos que merecem proteção especial: a mulher, a criança e o adolescente, o idoso, o índio, a microempresa, para citar alguns. Assim, temos a presunção de igualdade como

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LOBÔ, Paulo Luiz Netto. Responsabilidade por vício do produto ou do serviço. Brasília, DF: Brasília Jurídica, 1996. p. 41.

regra, sendo a desigualdade exceção, e tomada a partir de dados específicos que justifiquem o tratamento desigual.

Decorrente disto mesmo, temos um tratamento diferençado destinado ao consumidor e ao trabalhador, fato que nos leva à necessidade de distinguir os momentos em que cada um desses sujeitos merece proteção especial e, ainda, os elementos essenciais para estabelecer tal distinção.

4.4 Da necessidade de distinção entre Relação de Trabalho e Relação de