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1.3 Numa estrada paralela

2.1.1 Fortaleza sob controle

Fortaleza cresceu de maneira controlada até os anos 1920.212 A expansão urbana

seguia dentro das previsões estabelecidas pelas plantas de 1863, 1875 e 1888, produzidas pelo engenheiro Adolfo Herbster.213 Em tais projetos, Herbster deu continuidade à proposta de

traçado xadrez, já sugerida pelo engenheiro Silva Paulet em 1812, acompanhando uma tendência de intervenções ou propostas de transformação de outras capitais do Norte, tais como Belém, Manaus, Natal, João Pessoa, Teresina e Aracaju.214

A planta mais emblemática, a de 1875, propunha uma expansão que seguia do litoral em direção ao interior da cidade, sendo delimitada pelas ruas Aldeota no lado leste até o Boulevard do Jacarecanga, no sentido oeste, chegando ao fim na rua dos Coelhos, na direção sul (observar traçado na cor preta na Figura 6).215 Essa ampliação era uma tentativa de

diluir a área urbana que ainda estava bastante concentrada das proximidades da então Praça Dom Pedro II (hoje Ferreira).216

As vias que ligavam a capital ao interior (em roxo, na Figura 6) – Estrada de rodagem do Arronches, Messejana, Pacatuba e Soure – também foram incorporadas a proposta de expansão urbana.217 Nesse caso, no entanto, Herbster conservou o traçado

original das estradas, não seguindo o fixo traçado xadrez que se impunha na cidade.

211 CAIAFA, 2001, p. 189.

212 JUCÁ, 2003, p. 37; ANDRADE, Margarida Julia Farias Salles. Fortaleza em perspectiva histórica: poder e

iniciativa privada na apropriação e produção material da cidade (1810-1933). 2012. Tese (Doutorado em Arquitetura) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012, p. 251.

213 Adolfo Herbster nasceu em Recife em 1826. Foi contratado como engenheiro civil pelo governo provincial de

Pernambuco e posto à disposição da Presidência cearense. Transferiu-se para o Ceará em medos dos anos de 1850 quando se tornou o engenheiro da Província e arquiteto da Câmara Municipal de Fortaleza. Vale ressaltar que a planta de 1888 foi produzida por iniciativa do próprio Herbster já aposentado, visando à expansão programada da cidade. CASTRO, José Liberal de. Contribuição de Adolfo Herbster à forma urbana da cidade da Fortaleza. In: Revista do Instituto do Ceará. Fortaleza: tomo CVIII, 1994, p. 55-56-70.

214 ANDRADE, op. cit., p. 19-21-22.

215 Rua Aldeota (hoje Nogueira Acioly), Boulevard do Jacarecanga (corresponde às atuais Avenidas Filomeno

Gomes e Padre Ibiapina) e rua dos Coelhos (atual avenida Domingos Olímpio).

216 Segundo a Décima Urbana de 1872, naquele momento a área urbanizada continha 39 ruas, 6 travessas, 11

praças, 4 estradas e dois povoados que estavam fora do perímetro urbano (Meireles e Mucuripe). No entanto, quase metade dos imóveis da zona urbanizada – 510 de um total de 1.347 – estavam localizadas em apenas três ruas: Amélia (hoje Senador Pompeu), 194 imóveis; Formosa (atual Barão do Rio Branco), 168; rua da Palma (hoje Major Facundo) com 148 domicílios. ANDRADE, 2012, p. 144-146.

217 Estrada de rodagem do Arronches (hoje Avenidas da Universidade e João Pessoa), Messejana (Avenida

Com possível inspiração nas reformas realizadas em Paris pelo Barão de Haussmann, em meados do século XIX, Adolf Herbster propôs a implementação, como veio a ocorrer posteriormente, de três boulevards no entorno da área central: do Imperador, do Livramento e da Conceição.218 No sentindo Oeste, ele propôs a construção

do Boulevard do Jacarecanga. A intenção com os boulevards, sendo vias mais largas, era facilitar os fluxos urbanos que se intensificavam neste período em Fortaleza. É a partir de meados da década de 1870, inclusive, que o transporte de bondes de tração animal passou a circular pela cidade,219 bem como aconteceu a instalação da linha férrea, ligando a capital a

Baturité.220

Em 1890, as Estradas do Arronches e da Mecejana também foram transformadas em boulevards, passando a se chamar Visconde do Cauípe e Visconde do Rio Branco, respectivamente.221 Enquanto isso, Pacatuba e Soure permaneceram como estradas. Desse

modo, o perímetro urbano de Fortaleza passaria a ter “um total de seis Boulevards [...], 50 ruas [...] seis travessas [...] 19 praças, duas estradas [...] uma povoação denominada Mucuripe e um arraial Moura Brasil”.222

Já no decorrer dos anos de 1920, a ocupação nessas vias intensificou-se, resultando na formação de novos bairros. A “área urbanizada espalha-se até as margens do riacho Jacarecanga”, ao longo do antigo Boulevard Jacarecanga. “Outros pontos da cidade foram também ocupados, como, por exemplo, o bairro do Benfica, fruto do parcelamento da chácara do empresário coronel João Gentil Alves de Carvalho”.223 O mesmo aconteceu nos

bairros do Matadouro, no entorno da Praça Fernandes Vieira, e Outeiro, locais considerados mais distantes da área da Praça do Ferreira, mas que, mesmo assim, já estavam inseridos no perímetro urbano.224 Nesse período, também os distritos de Porangaba e Mecejana foram

incorporados ao município de Fortaleza, acrescendo, assim, o espaço territorial e o número de habitantes da cidade.225

218 Boulevard do Imperador (atualmente mantém o mesmo nome), do Livramento (hoje Avenida Duque de

Caxias) e da Conceição (atual Avenida Dom Manuel).

219 Lembrando que o ponto de partida dos bondes era sempre o Centro da cidade, as primeiras linhas à tração

animal foram: Estação de bondes (onde se localizava uma espécie de garagem para os veículos na Estrada de Mecejana – Visconde do Rio Branco); Praia, Mororó (cemitério), Matadouro, Pelotas, Via-Férrea de Baturité e Fernandes Vieira (praça do Colégio Liceu). SAMPAIO, 2010, p. 25.

220 PONTE, Sebastião Rogério. Fortaleza belle époque: reformas urbanas e controle social (1860-1930).

Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1993, p. 27-28-32-33; FORTALEZA. Administração Lúcio Alcântara Março 79 / Maio, Fortaleza: 1982, p.25-66-74.

221ANDRADE, 2012, p. 155. 222 Ibid.,p. 155.

223 Ibid., p. 252-253.

224 Praça Fernandes Vieira (atual Praça Gustavo Barroso) e bairro Outeiro (hoje situado na área da Aldeota). 225 JUCÁ, 2003, p. 37; ANDRADE. op. cit., p. 37.

Segundo Andrade, “ao contrário das décadas precedentes, em que as diversas atividades se misturavam num mesmo espaço, a partir de 1920, delineia-se em Fortaleza uma estrutura com áreas mais definidas para cada grupo social e uso”. Obras importantes de “aformoseamento” urbano também aconteceram nesse momento: construção do Parque da Liberdade (1921/1922), reforma da Praça do Ferreira (1925), conclusão de um sistema de avenidas (1927), que estava prescrita na Planta de 1875, ligando o Centro à Praia.226

Anos após a elaboração dos planos de Adolf Herbster, a administração do prefeito Tibúrcio Cavalcante tratou de fazer um levantamento sobre a situação espacial da cidade. A planta produzida em 1931 permitiu a constatação de que, mesmo não preenchendo de maneira uniforme todos os espaços, Fortaleza havia ultrapassado os limites dos planos do século XIX.227

226 PONTE, 1993, p. 59-60.

Fig. 7 – Planta da cidade de Fortaleza, 1931/1932. Fonte: Relatório apresentado ao Presidente da República pelo Interventor Carneiro de Mendonça/1931-1934, p. s/n.

A planta evidencia uma série de novos bairros na capital. Por exemplo, a expansão dos bairros Alagadiço, Benfica e Joaquim Távora ao longo das antigas estradas de rodagem Soure, Porangaba e Messejana, respectivamente,228 e também localizar regiões que

estavam se configurando como Loteamento Floresta, Arraial Moura Brasil e a Praia de Iracema. Chama atenção ainda as ausências de Porangaba e Messejana, áreas localizadas ao sul, que foram incorporadas à capital na década anterior, bem como o grande adensamento no sentido leste, englobando os bairros como Prainha, Pageú, Outeiro e Aldeota. Por isso, “há de se lembrar que as plantas cartográficas são lugares de poder; nelas se estabelecem hierarquias entre os lugares – e seus moradores –, exclusões e silenciamentos”.229

A Aldeota passava por uma intensa ocupação. Para se ter uma ideia, passou de 18 imóveis arrolados em 1922 para 110 em 1936, nos arredores da atual Avenida Santos Dumont.230 Tornou-se, entre as décadas de 1940 e 1950, um importante núcleo urbano de

concentração de famílias abastadas, juntamente com a Praia de Iracema. Devido às obras de implementação do Porto do Mucuripe, porém, muitas residências localizadas no bairro praieiro foram destruídas ou abandonadas por conta do avanço das marés. Sendo assim, a Aldeota ganhou ainda mais destaque.231

Enquanto isso, o Arraial Moura Brasil e outras localidades vão se configurando como áreas pobres da cidade. Conforme Gisafran Jucá,

De 1930 a 1950, além das favelas do Pirambu e do Mucuripe, havia o Cercado do Zé Padre, o Lagamar, o Morro do Ouro, situado entre o açude João Lopes e o atual Monte Castelo, além da Varjota, Meireles, Papoquinho e a da Estrada do Ferro. Também era ocupado pela população carente o Morro do Moinho, entre a estação ferroviária e o Cemitério São João Batista,

228 Nesse período, as estradas já eram chamadas de Avenida Bezerra de Menezes (Soure), Avenida Visconde de

Cauípe e a sua continuação Avenida João Pessoa (Porangaba) e Avenida Visconde do Rio Branco (Messejana).

229 MAIA NETO, 2015, p. 22. 230 ANDRADE, 2012, p. 252-253. 231 JUCÁ, 2003, p. 43.

o bairro Seminário, o do São João do Tauape, que se estendia à área mais baixa do Lagamar. À margem da [então] BR-116 ficava o Alto da Balança e, antes de Mecejana, havia a localidade de Cajazeiras.232

Em meio a esses desenhos de Fortaleza entre as décadas de 1930 e 1950, expandindo-se para o sul, leste e oeste, é importante perceber como o serviço de transporte de ônibus se inseriu nessa dinâmica de diluição espacial.