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97 Foto 97: Véio Mangaba Fonte: CDROM Antologia do Pastoril Profano,

Pout pourrit de Chamadas do Velho

(canção de domínio público) Trai zais, Trai zais, Trai zais, O Velho chegou agora (bis) Com seu charuto na boca, ai,ai,ai Seu cabelo à espanhola (bis) O Velho diz que tem

Dinheiro que nem farinha (bis) Para comprar cravo branco, ai, ai, ai Para dar as pastorinhas (bis) Chamada do Velho Faceta Para abrilhantar nosso pastoril Chamada do Velho Barroso Para abrilhantar nosso pastoril Maroto é chefe-platéia Que vem hoje aqui Fazer os senhores sorrir Pitôta é chefe-platéia Que vem hoje aqui Fazer os senhores sorrir O meu Véio é Mangaba Ele já chegou

Com suas cançonetas e suas piadas Xaveco hoje aqui é campeão Não nego não

Traz o povo em gargalhada O meu Velho é Dengoso Ele já chegou

Com suas cançonetas e suas piadas Cebola hoje aqui é campeão Não nego não

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O Velho do Pastoril, assim como o palhaço de circo, faz parte do universo da cultura popular brasileira. Estão presentes no inconsciente coletivo, não só dos brasileiros, mas também nos registros imagéticos das referencias cômicas que toda sociedade. Estas personagens, por suas características, estão ligadas às raízes das festas profanas e públicas principalmente as carnavalescas. Utilizam-se de canções, brincadeiras, jocosidade, paródia, vocabulário grosseiro, atos obscenos, caracterizações exageradas, ou seja, são representantes daqueles que dificilmente se enquadrariam como o “certinho” ou o “bom exemplo”.

Estas personagens transcendem a moral e as virtudes, ultrapassam o real, permitem a ficção, o “faz-de-conta”, a inconseqüência. Por isso seu espaço de atuação é a representação debaixo da lua, com o céu estrelado, ou a transposição desta imagem para o interior da lona do circo.

Ao observar a relação entre o sagrado e o cômico profano, encontram-se diversos exemplos desta união ou ramificação religiosa tais como as festas religiosas dos Loucos, onde o clérigo era o próprio provocador do riso

(...) nas igrejas e catedrais se elegia um bispo ou um arcebispo de loucos, cuja consagração se solenizava com mil bufonarias. Depois oficializavam o pontífice dos elegidos e davam a benção pública, com a mitra na cabeça e o báculo na cruz e nas mãos. E ainda nas igrejas que dependiam da Santa Sede, se nomeava um papa dos loucos, como se elegia um abade dos loucos (abbas fatuorum o stultorum) em muitas abadias. Ao lado do bispo, do papa e de um abade, um clérigo pernicioso, com máscara e trajes de mulher ou de teatro, dançava com o coro, cantava canções mais que livres, comiam morcilla95

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espécie de chouriço, um embutido feito de sangue de cervo cozido e misturado com especiarias e cebola. e salsichão no mesmo altar ao lado do celebrante, jogavam os dados no baralho, ou enchiam o incensário com pedaços de sapatos velhos para produzir mal odor. Depois da missa, o clérigo profano, corria e saltava na igreja, se despojava inteiramente de suas vestes, e logo arrastava-as pelas ruas e praças em carros cheios de sujeiras, satisfazia em arremessar imundices na população que rodeava. Com freqüência os mundanos mais libertinos se uniam aos clérigos para representar alguns personagens de loucos, vestidos com trajes de monges ou de freiras... e alguns sacerdotes não desdenhavam em buscar em seu tratamento alguma distração para as severas disciplinas eclesiásticas. Este fato resulta dos documentos reunidos no século XVIII pelo juriscônsul alemão Heinecke e pelo beneditino Martène. Heinecke cita uma ordem de 789 proibindo aos eclesiásticos terem farsantes, como também cachorros caseiros, falcões e gaviões.

Martène menciona a proibição feita aos eclesiásticos, de exercerem eles mesmos, no qual é mais notável ainda, o oficio de farsante e bufões. (GAZEAU, 1995, p.30).

Ao imaginar esta cena hilária, partindo de um clérigo, vê-se o quanto o religioso foi pernicioso para o profano e quais fontes foram passando pela história para a formação dos folguedos brasileiros. Um religioso em degradações grotescas transportadas para o plano material e corporal: guloteria e embriaguez sobre o próprio altar, gestos obscenos, desnudamento etc. (BAKHTIN, 1989), não estamos distantes do que é presenciado nos carnavais e folguedos atuais. Claro que não pelos clérigos (não oficialmente), mas, por exemplo, pelos brincantes de Pastoril Profano, que satirizam os hinos religiosos e a própria autoridade do catolicismo, ou os palhaços das Folias de Reis, festa sacra, mas a eles é permitido profanar, e ainda nas figuras de Cazumbás, Mateus, Bastiões e Catirinas que, travestidos, podem surrar os demais, podem chacotear e parodiar os religiosos que, por sua vez, são representados, principalmente no Cavalo-marinho, como um ser decadente, que não exerce mais poder, é corrompido e subornado e delega a cura (ressurreição) ao doutor (à medicina), ou finalmente ao Pajé (Caboclo), voltando assim à origem primitiva do homem. O que antes eram “indispensáveis a fim de que a tolice (a bufonaria), que é a nossa segunda natureza e parece inata ao homem, possa ao menos uma vez por ano manifestar-se livremente” (BAKHTIN, 1989, p.65). Lembram também os bufões, Gazeau descreve este universo de personagens cômicos como

(...) um bufão que salta e pula como um macaco, que tocava instrumentos diversos, que fala como um papagaio, que sabe décor orações, versos, enigmas, contos alegres, vem a ser um personagem importante e necessário. Ele é o único que faz ressoar as risadas nas salas dos castelos. ‘Um louco de boa casa’, disse um bibliófilo Jacob96

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Jacob, bibliófilo, 1739-1814

em sua dissertação sobre os loucos dos reis da França, era educado com tanta solicitude, trabalho e gasto, como um asno sábio, Teria um mestre e estudava os fracassos e as brincadeiras, os saltos, as réplicas, as agudezas, as canções etc. (GAZEAU, 1995, p.25-26).

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Estes bufões, bobos e clérigos em êxtase foram antecessores dos nossos Velhos de Pastoril Profano, brincantes de Bumbas e Cavalo-marinho e foliões de Reis que mantêm esta mesma necessidade presente nas festas dos Loucos, dos Asnos97

Alguns Velhos do Pastoril Profano estão ligados também ao comércio, com a venda das flores (laços ou outros objetos) das pastoras, até a própria ‘venda’ das Pastoras. O palhaço vende seu truque, seu número, sua habilidade para a platéia ou para o produtor (geralmente dono do circo). Este comércio e toda a caracterização do Velho do Pastoril Profano faz lembrar em muitos aspectos os personagens da categoria dos magníficos, vecchios, da commedia dell’arte e suas relações. Destaca-se aqui a relação comercial, mercantil que a

máscara de Pantalone representava. Em cena, ele comercializava tudo, era ganancioso e sovina, assim também é o Velho e o Capitão do Cavalo-marinho, ambos querem tirar vantagens de tudo e todos. Pantalone era

e no carnaval europeu, para não citar tantos outros exemplos.

(...) atrevido, em modos e fala, e muito resmungão. Sua figura é toda angulosa - nariz adunco, barba pontuda, sapatos com ponta levantada. Mas nem por isso devemos pensar que não fosse ágil, portanto, mas um tanto atrapalhado, provocando assim o riso dos espectadores e das outras personagens” (BARNI, 2003, p.23).

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Segundo Bakhtin “a festa do asno, evoca a fuga de Maria levando o menino Jesus para o Egito. Mas o centro dessa desta não é Maria nem Jesus ( embora se vejam ali uma jovem e menino), ma só asno e seu “hinham!” Celebravam-se “missas do asno”. Possuímos um oficio desse gênero rígido pelo austero eclesiástico Pierre de Corbeil. Cada uma das partes acompanhava-se de um cômico “Him Ham!”. No final da cerimônia, em vez de responderem “amem”, zurravam outras três.”(Bakhtin, 1990, p.67).

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