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FRACASSO: NOTAS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

CAPÍTULO III. REFLEXÕES ACERCA DA PRÁTICA DOCENTE HUMANIZADORA

3.2 FRACASSO: NOTAS PARA UMA REFLEXÃO SOBRE O PROCESSO DE ENSINO E APRENDIZAGEM

O termo “fracasso”, segundo o dicionário Houaiss30, entrou para o vocabulário oficial em 1707 e teria origem imediata no termo italiano homólogo, significando “baque, ruína, desgraça”, ou, atualmente “som estrepitoso pela queda ou destroçamento de algo”. Do italiano, porém, se deve retomar o latim: do étimo quasso, do infinitivo quassare ou quatere.

O prefixo “fra” lhe vem do italiano31

e este, por sua vez, do francês antigo32 (verbo fraindre, do qual derivam fract, fracteur, fraction, fragment, rompimento, ou frace, resíduo), por sua vez com origem nos verbetes gregos. (PEREIRA, 1957). Fragma (cerca, paliçada) e frasso (apertar um contra o outro, obstruir).

O termo deve ser interpretado por analogia. Se admitirmos “escola” como “projeto de vida”, ou um meio de “humanização”, ou “ascensão social”, o termo “fracasso” pode bem significar o “fracasso de um empreendimento” pessoal, familiar, coletivo ou público, evasão ou exclusão, o que cabe na acepção de Leonardo, Leal e Rossato (2015), ao repensarem a educação quando consideram os percentuais mencionados como “excluídos”, que é o mesmo que dizer que o processo educativo “seleciona/descarta, elege, escolhe”. O entendimento dos autores vai ao encontro da nossa reflexão de que o aumento de número de vagas à escola, a universalização do ensino representa uma possibilidade de democratização (falsa proposta de possibilidade de se vir a assumir responsabilidades públicas). Afirmamos isso porque se o aluno não tiver as condições (materiais, físicas e psicológicas) de permanecer na escola, estudando e aprendendo, não se concretiza o caráter democrático. Importa destacar que a obrigatoriedade do ensino público exigiu e ainda exige pensar na escola, no currículo, na formação docente e até nos alunos dessa escola. Isso porque novos integrantes de diferentes níveis sociais e econômicos fazem parte dela. Permanecer no modelo de escola tradicional e voltada para o interesse de uma elite dominante com forte tendência da educação bancária já não satisfaz e não proporcionaria o status de cidadão livre e comprometido.

A questão do investimento público em programas governamentais que se concretizam por meio das políticas públicas, e tem reflexo na formação docente, organização curricular, materiais didáticos e outros nos leva a pensar na educação humanizadora e no modo como é negada ou negligenciada. É importante destacar que a escola, na visão de Freire (quando fala

30Dic. Houaiss eletrôn. da Língua Portuguesa 3.0.

31DIZIONARIO ETIMOLOGICO ONLINE – italiano http://www.etimo.it/fracassare. 32http://www.lexilogos.com/etymologie.htm (ancienfrançais).

em “sociedade”, “humanização”, “cultura”, “opressão”), está trabalhando com esse fundo, que, ao menos implicitamente, se insere no desenvolvimento do tema desta tese e no encaminhamento que resulte do diagnóstico da situação que exploramos.

Voltando à questão do homem e do processo de humanização, evocamos Heller (1991, p. 4, grifos da autora), para quem a essência humana não é o que “esteve sempre presente na humanidade, mas a realização gradual e contínua das possibilidades imanentes à humanidade, ao gênero humano”. Assim, ao contrário do que se possa pensar, a humanização é uma construção social. Dessa forma, não só não é possível, como não é admissível que o homem, ser social, viva solitário ou isolado.

A História nos mostra que, ao longo da caminhada humana, sempre houve segregação dos menos dotados ou menos capazes. Ela revela as muitas razões pelas quais os grupos humanos foram dispostos em camadas, ou classes, desde as mais altas às mais baixas, ou “populares”. Em grupos ou sociedades assim constituídos, o trabalho33

não era considerado “libertação”, mas obrigação para uns a serviço de outros.

Os apontamentos que apresentamos aqui nos parecem necessários para entender a posição de Freire e suficientes aos propósitos e ao escopo de nossa pesquisa. Assim, para o sistema econômico conhecido como capitalista, com predomínio do capital, que prega a individualidade e a competitividade, a realidade não pode ser mudada; entretanto nada comprova o determinismo social, já que o ser humano é um ser em evolução, em mutação permanente. Cabe-lhe, pois, como dirá Freire, “[...] o trabalhador social, como homem, tem que fazer uma opção. Ou adere à mudança que ocorre no sentido da verdadeira humanização do homem, de seu ser mais, ou fica a favor da permanência”. (FREIRE, 2011b, p.26, grifo nosso).

A capacidade do ser humano de ser mais, de modificar, aperfeiçoar, aprender e ensinar é algo específico de sua natureza. Isso sempre contagiou Freire, que, na busca de desenvolver, nos homens e mulheres da camada popular, o sentimento de que eles poderiam ser mais, foi perseguido e, à época, tido como subversor, agitador e representava um perigo para o sistema político – opressor – vigente. Entretanto, nem o exílio de 16 anos o silenciou. Pelo contrário, reuniu forças e se apropriou criticamente do contexto histórico para problematizá-lo e mostrar que o homem pode sair da condição de oprimido. Essa marca está presente em vários – senão

33Trabalho, etimologicamente, provém de *tripaliare, do lat. tripalìum 'instrumento de tortura'; da mesma

forma, o termo “serviço” provém do lat. servitìum,ìi 'condição de escravo (servo), escravidão, jugo, obediência'. Cf. verbetes “trabalho” e “serviço” emDic. Houaiss eletrôn. da Língua Portuguesa 3.0.

em todos – os livros por ele escritos. Como exemplo, no livro Pedagogia do Oprimido, o autor reforça a importância de lutar sempre pelo processo de humanização dos homens:

Constatar essa preocupação implica, indiscutivelmente, em reconhecer a desumanização, não apenas como viabilidade ontológica, mas como realidade histórica. É também, e talvez sobretudo, a partir desta dolorosa constatação, que os homens se perguntam sobre a outra viabilidade – a de sua humanização. Ambas, na raiz de sua inconclusão, que os inscreve num permanente movimento de busca. Humanização e desumanização, dentro da história, num contexto real, concreto, objetivo, são possibilidades dos homens como seres inconclusos e conscientes de sua inconclusão. (FREIRE, 1987, p.16).

Humanização e desumanização representam uma luta de contrários; uma luta desleal, se pensarmos nas condições a que são submetidos diariamente crianças, jovens e adultos pertencentes à camada popular. De acordo com Freire, no livro Pedagogia do Oprimido, o homem que sofre, o homem que é oprimido e que tem seus direitos violados é sabedor de sua condição; ele a percebe com nitidez; entretanto ele não tem consciência das causas desse sofrimento, pois só o conhecimento lhe possibilitaria a consciência que não tem. Por isso, o “[...] problema de sua humanização, apesar de sempre dever haver sido seu problema central, assume hoje caráter de preocupação iniludível”. (FREIRE, 1987, p.16).

Freire (op cit) enfatiza que o processo de desumanização, ou de não possibilitar ao homem ser humanizado social também ocorre nas camadas abastadas, junto aos que ditam as regras do jogo. Trata-se de uma “distorção possível na história, mas não vocação histórica”. Destaca, disso, que admitir esse movimento como natural e ficar inerte a isso é negar a própria condição ontológica do homem de ser mais; é compactuar com a afirmação de que a “luta pela humanização, pelo trabalho livre [portanto consciente], pela desalienação, pela afirmação dos homens como pessoas, como „seres para si‟, não teria [tem] significação”. Outrossim, a história não é obra acabada; cabe aos homens – em comunidade – determinar- lhe os rumos. (FREIRE, 1987, p. 16)

O pensamento de Freire traduz-se em teses, tais como “É preciso lutar sempre pelo processo de humanização dos homens, para que estes se libertem das amarras do poder opressor". Para que isso ocorra ou a exequibilidade dessa empreitada apoia-se na premissa de o homem esteja disposto a lutar contra a “opressão que o esmaga” e, portanto, lutar por sua própria libertação.