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O que dizem os professores sobre formação

CAPÍTULO IV. O DISCURSO DOCENTE ACERCA DE DIFICULDADESE DISTÚRBIOS DE APRENDIZAGEM: para além do (pré)conceito, o investimento em

3. Percepções sobre competência profissional para enfrentamento dos problemas 4 Percepções sobre a caracterização e solução do problema

4.3 COM A PALAVRA, OS SUJEITOS

4.3.2 O que dizem os professores sobre formação

A leitura global do quadro a seguir permite-nos inferir que sua constituição profissional como sujeito-professor é representada negativamente sob o signo da falta ou incompletude, compensada, porém, pelo esforço constante no âmbito da prática.

Quadro 9. Significados de “formação” na percepção dos sujeitos

Categoria Subcategoria Unidades de registro

(recortes) Unidades de conteúdo Percepçõe s sobre Ineficiência/inefic ácia Incompletude ou insuficiência/Descompasso entre teoria e prática

P1: O curso de pedagogia tem uma metodologia que abrange o geral sem especificação, deixando a

desejar muitos assuntos que envolvem o

desenvolvimento da aprendizagem no contexto escolar.

P2: A formação inicial não propiciou base para

trabalhar, em sala de aula, com alunos que apresentam problemas de aprendizagem [...].

formação conteúdos específicos.

P6: Na minha formação foi trabalhada apenas um

pouco os problemas de aprendizagem de forma teórica, mas creio que deveria haver um contato com esses alunos pois aprenderemos muito mais por meio da teórica e prática.

P7: [...] só se fizer psicopedagogia, educação

especial...

P9: [...] despreparo profissional

P10: [...] a graduação é pouca para dar conta dos

alunos que tem problemas.

P11: Uma das disciplinas de grade curricular deu

ênfase a esses problemas, mas não dá todo embasamento que o professor necessita. [...] Em Psicologia estudamos um pouco [...]

P12: Aprendi muita teoria, não tive prática com

aluno com dificuldade de aprendizagem.

P13: tem casos que não aprende [...] a gente

geralmente não sabe o que fazer. [Na formação inicial] parecia que ia tudo dar certo.

P14: Em Psicologia estudamos um pouco, mas a

Educação Especial é muito difícil porque acabam sendo alunos especiais, tem algum nó na aprendizagem que a gente não sabe o que é. O professor deve ensinar, falar diversas vezes a mesma coisa e ter paciência.

“T t m nto”: estratégias para

suprimento do problema

Responsabilidade (do

professor versus de outrem)

P1: Mesmo com tanta informação alguns

professores, por falta de tempo ou estimulo próprio não buscam se capacitar para estar preparado para enfrentar as singularidades frente a sala de aula. [...] Falta de tempo ou interesse.

O professor deve [...] buscar inovar e pesquisar como solucionar tais dificuldades.

P2: a experiência em sala de aula como educadora. P4: O professor [...] sempre estudando [...] é

necessário realizar/buscar formação continuada. Dentro da sala de aula é preciso utilizar metodologias e sempre ter o plano A e B. [...] buscar novas práticas

P9: [...] exercício de uma melhor prática pedagógica. P11: [...] requerem uma equipe multidisciplinar [...]

ou acompanhamento psicopedagógico.

P12: Sem profissionais especialistas, o que fazer? P13: [...] necessita da intervenção de especialistas. P14: Busco atender individualmente, mas tem

muitos outros alunos e se o professor não ficar atento, a bagunça é certa. [...]o atendimento fica limitado mesmo, por mais que o professor deseje fazer algo, é bem difícil e também é normal ter alunos assim, que não aprendem mesmo, que ficam para trás.

Fonte: dados da pesquisa (BISPO, 2016).

Percebemos que os discursos parecem apresentar-se como uma réplica a outros que circulam na sociedade e que representam o professor como incapaz ou dependente: mesmo que a formação tenha sido falha, “Dentro da sala de aula é preciso utilizar metodologias e sempre ter o plano A e B”, como verbaliza P4.

São, portanto, raros os sujeitos que se autorresponsabilizam pelo mau desempenho do aluno; a tendência é ao silenciamento ou à denegação quanto a uma possível culpabilização do professor, prevalecendo referências a falhas na formação: formação incompleta ou

insuficiente ou incompatibilidade entre teoria e prática. Além disso, podem-se inferir críticas ao não cumprimento da obrigatoriedade legal de oferta de condições de trabalho, como insinuam os dizeres de P11, P12 e P13 na unidade de registro “Responsabilidade”, na categoria “Tratamento”; estratégias para suprimento do problema.

No todo, infere-se a desresponsabilização do professor, naturalizando-se a ineficiência e a ineficácia da formação. Tanto que apenas P4 aponta a necessidade de o professor estar “sempre estudando” e de “realizar/buscar formação continuada”. Sobre esse dizer podemos ousar outra interpretação: o sujeito como que institucionaliza (ou confirma) os papeis de dominantes e dominados: o Estado, responsável pela formação do professor, impõe um formato incompleto de formação inicial, cuja complementação é de responsabilidade do sujeito assim formado, cabendo-lhe a obediência.

No que concerne especificamente à unidade de registro “Responsabilidade”, merecem destaque os dizeres de P1 e P4, que parecem não satisfeitos com a realidade vivida e passam a representar-se como sujeitos mais atuantes, em busca da realização de um novo ideal de educação, dialogando com o discurso freiriano da mudança e verbalizando aquela insatisfação que funciona como fator de propulsão para a busca do “ser mais” de que falava Freire (1993). Novamente, porém, o discurso dos sujeitos é atravessado pelo discurso do Estado: ao enunciarem “deve” (P1), “é preciso” e é “necessário” (P4), o sujeito imprime forte sentido de obrigação ao seu dizer, representando-se como comprometido com a mudança social a partir da educação básica. Assim, ao mesmo tempo em que parecem questionar a formação inicial oferecida pelo Estado (poder público), reforçam o que se lê nos documentos oficiais.

Importa acrescentar que as verbalizações também insinuam, ainda que timidamente, os saberes profissionais pedagógicos e experienciais mencionados por Tardif (2002), com destaque a P14, que explicita: “Em Psicologia estudamos um pouco [...]”.

Merecem comentários também os posicionamentos de P1. Em seu primeiro pronunciamento sobre o curso de Pedagogia, P1 considera-o generalista (“sem especificação”) e essencialmente teórico, “deixando a desejar muitos assuntos que envolvem o desenvolvimento da aprendizagem no contexto escolar”. Quando seu foco desloca-se para a prática e enfrentamento do problema, o sujeito representa-se como um profissional bem informado (“com tanta informação”), permitindo-nos inferir, mesmo contrários a isso, que essas informações (“conteúdos”) de que fala pode ser uma referência aos conhecimentos filosóficos, históricos, antropológicos, ambientais-ecológicos, psicológicos, linguísticos, sociológicos, políticos, econômicos e culturais previstos nas diretrizes do curso de formação docente ou ao “domínio e manejo de conteúdos e metodologias, diversas linguagens,

tecnologias e inovações” (BRASIL, 2006, p. 1), que P1 entende faltarem a muitos outros professores.

Assim, o dizer de P1 inscreve-se na ordem do discurso oficial, deixando entrever um confronto de imagens: de um lado, a imagem de um Estado generoso e inclusivo, que oferece formação e informação a todos; de outro, profissionais que, diferentes dele, P1, “por falta de tempo ou estimulo próprio”, ou por falta de interesse, “não buscam se capacitar para estar preparado para enfrentar as singularidades frente a sala de aula”.