• Nenhum resultado encontrado

Art. 168. Praticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar a recuperação extrajudicial, ato fraudulento de que resulte ou possa resultar prejuízo aos credores, com o fim de obter ou assegurar vantagem indevida para si ou para outrem.

Pena — reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa. Aumento de pena

§ 1.° A pena aumenta-se de 1/6 (um sexto) a 1/3 (um terço), se o agente:

218

PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes. Velhos Fantasmas, In: Boletim do Instituto Brasileiro de

I – elabora escrituração contábil ou balanço com dados inexatos; II – omite, na escrituração contábil ou no balanço, lançamento que neles deveria constar, ou altera escrituração ou balanço verdadeiros;

III – destrói, apaga ou corrompe dados contábeis ou negociais armazenados em computador ou sistema informatizado;

IV – simula a composição do capital social;

V – destrói, oculta ou inutiliza, total ou parcialmente, os documentos de escrituração contábil obrigatórios.

Contabilidade paralela

§ 2.° A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até metade se o devedor manteve ou movimentou recursos ou valores paralelamente à contabilidade exigida pela legislação

§ 3.° nas mesmas penas incidem os contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais que, de qualquer modo, concorrerem para as condutas criminosas descritas neste artigo, na medida de sua culpabilidade.

Redução ou substituição de pena

§ 4.° Tratando-se de falência de microempresa ou de empresa de pequeno porte, e não se constatando prática habitual de condutas fraudulentas por parte do falido, poderá o juiz reduzir a pena de reclusão de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) ou substituí-la pelas penas restritivas de direitos, pelas de perda de bens e valores e pelas de prestação de serviços à comunidade ou a entidades públicas.

O art. 168 é, na verdade, a quase repetição do art. 187 da revogada Lei de Falências (Decreto-Lei n.° 7.661/45), tipo penal em que descansava a expressiva estatística de incidências, corolário, certamente, da amplitude do

enunciado que genericamente previa a prática de qualquer sorte de fraude em prejuízo dos credores da massa falida.

O artigo em comento não repete, ipsis literis, a redação empregada na legislação anterior, de conteúdo inegavelmente mais enxuto. De fato, foi expandido não apenas em função da criação dos novos institutos da recuperação, mas também pela inserção de causas de aumento (§s 1.° e 2.°) e de diminuição de pena (§ 4.°), bem como de disposições relativas ao concurso de agentes (§ 3.°).

A idéia central do caput, contudo, permanece focada na previsão genérica da fraude — daí Batista denominar o delito de “estelionato falencial”219 — assumindo, por outro lado, incidência residual, porquanto terá aplicação quando a manobra fraudulenta não vier descrita de maneira específica em algum dos incisos ou até em outro artigo do mesmo diploma legal, técnica que o legislador houve por bem adotar em relação às fraudes mais evidentes no meio empresarial.

O núcleo do tipo penal descreve conduta comissiva, traduzida pelo verbo praticar que significa fazer, cometer, realizar, executar, levar a efeito ato fraudulento capaz de comprometer o patrimônio dos credores da empresa.

Sendo a prática da fraude a conduta nuclear do delito em questão, e não estando definidos os seus contornos nem no tipo penal em apreço, nem em outro de nossa legislação220, deve ser havida, conforme genericamente exposta na doutrina, como o artifício, o logro ou a manobra ardilosa, voltada, em

219

Nilo Batista, Lições de Direito Penal Falimentar, p. 111.

220

A expressão fraude já era encontrada em diversos outros tipos penais como, verbi gratia, os dos arts. 179 (fraude à execução), 335 (Impedimento, perturbação ou fraude de concorrência) e 358 (violência ou fraude em arrematação judicial), todos do Código Penal, sem, no entanto, ter definidos os seus elementos.

qualquer caso, a alcançar uma vantagem indevida ao agente; ou, conforme a definição de Garraud, muito apropriada à dinâmica da fraude falimentar:

A fraude é um processo de execução de delitos contra a propriedade que consiste em obter, por uma manobra mentirosa a entrega de um valor (dolo), ou em frustrar, por apropriação fraudulenta, a confiança de um credor (fraude propriamente dita) .221

Na análise da parcela objetiva do tipo penal vê-se, ainda, que, na esteira da legislação anterior, a fraude falimentar não se aperfeiçoa enquanto delito, mediante a simples prática de manobra fraudulenta. Há, ainda, a exigência de que a fraude resulte ou possa resultar prejuízo aos credores.

Ao abordar a questão do resultado nesses termos, o legislador acabou por elevar a fraude a credores à condição de crime de perigo, na medida em que entendeu bastante a simples exposição a risco do bem jurídico protegido — in casu, o patrimônio dos credores. Embora haja previsto também o efetivo prejuízo aos credores, é bem de ver-se que equiparou, para fins de resultado, o prejuízo real à simples ameaça.

No que tange ao elemento subjetivo, vê-se que o delito é punido exclusivamente a título de dolo, agregando-se, no entanto, ao dolo genérico, o dolo específico, introduzido no tipo penal pela expressão com o fim de obter ou

assegurar vantagem indevida para si ou para outrem. A vantagem referida é

aquela de natureza econômica, o que fica subentendido notadamente em função

221

René Garraud, Traité Theorique et Pratique du Droit Penal Français, t. VI, p. 305, “tradução livre do autor”. Cf., ainda, o magistério de Guilherme de Souza Nucci, “fraudar significa lesar ou enganar com o fito de obter

proveito.” (Código Penal Comentado, p. 717.). Mais pontual em relação ao tema é a definição de NOSTRE, ao

comentar o artigo em tela: “A fraude, seja no âmbito penal, seja no âmbito civil, caracteriza-se pelo vício do ato

jurídico, consistente tanto na manipulação de seus requisitos e pressupostos quanto no desvirtuamento dos efeitos previstos pelo ordenamento. Nesse contexto, o ato fraudulento somente se perfaz se sua realização tiver sido conseqüência de engodo, simulação, falsidade ou induzimento em erro, bem assim, se seus efeitos forem deliberadamente distintos daqueles normalmente previstos no ordenamento.” (Guilherme Alfredo de Moraes

Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (Coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 538).

da objetividade jurídica do delito que descansa na proteção do patrimônio dos credores da empresa.

O tipo penal cuidou de prever tanto o fim de obter quanto o fim de

assegurar a vantagem indevida visada pelo agente. Embora muito próximas, as

duas situações mereceram distinção a fim de concederem ao tipo penal maior alcance. As duas hipóteses se distinguem notadamente no que importa à seqüência das ações do agente que visa à vantagem indevida em prejuízo dos credores. No primeiro caso pratica a fraude para alcançar a vantagem indevida previamente visada. No segundo, já obteve a vantagem indevida, por meios não fraudulentos, mas mesmo assim ilícitos, e ao depois se utiliza da fraude para garantir-lhes a posse.

O § 1.° contempla hipóteses das chamadas causas de aumento de pena, ou seja, circunstâncias que eventualmente podem vir a se agregar à conduta do caput, obrigando o aplicador da norma, na terceira etapa do sistema trifásico (art. 68 do Código Penal), a exasperar a sanção.De maneira geral, vê-se que o parágrafo agrupa hipóteses que determinam o agravamento da pena em função do meio que o agente venha a empregar para obter ou assegurar a vantagem indevida.

As circunstâncias descritas nos cinco incisos dão conta de que, na consecução da fraude, o agente empregou meios que ou se relacionam com alguma forma de falsidade (incisos I, II e IV), ou de que o agente atuou no sentido de comprometer o acesso a dados e informações da empresa (incisos III e V), circunstâncias que, é certo, importam em evidentes dificuldades na equalização dos débitos da empresa.

O § 2.° traz mais uma hipótese de causa de aumento de pena, esta voltada à questão da contabilidade paralela, no jargão popular conhecida como “caixa dois”. A contabilidade paralela consiste, em síntese, na omissão de lançamentos de ativos e passivos na escrituração contábil da empresa, de sorte que formalmente esta irá expressar falsamente a movimentação financeira que transitou no caixa.

O §3.° trata do concurso de agentes na fraude falimentar, disposição que se trata da quase repetição do quanto disposto no art. 29 do Código Penal, que estabelece a regra geral em sede de concurso de agentes. No entanto, ao invés da previsão genérica, traduzida no dispositivo do Código pelo pronome relativo quem, preferiu o legislador falimentar enfatizar as figuras dos

contadores, técnicos contábeis, auditores e outros profissionais, providência

evidentemente inútil.

O § 4.° contempla hipótese de causa de diminuição de pena, ou seja, circunstâncias em que o agente, que haja praticado qualquer uma das fraudes descritas ao longo do mesmo artigo, possa ser beneficiado com a aplicação de causa de diminuição de pena ou com a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

Certamente calçado na presunção da menor extensão dos danos, impôs o legislador, como pressuposto objetivo elementar para a concessão de qualquer dessas duas modalidades de benefício, que a fraude praticada envolva a falência de microempresa (ME) ou de empresa de pequeno porte (EPP), ficando, portanto, as empresas de maior porte desde logo excluídas da possibilidade de alcançarem qualquer dos benefícios.

Feitas essas considerações preliminares de conteúdo absolutamente perfunctório e genérico, já que o escopo do presente estudo não é a análise minudente dos tipos penais, importa considerar a questão da natureza jurídica da sentença de quebra ou concessiva de recuperação, diante do delito do artigo 168.

Por primeiro, importa considerar duas situações distintas que, via de efeito, demandam considerações também separadas. A primeira em relação à hipótese da fraude ser perpetrada após a declaração de quebra ou à concessão de recuperação. A segunda no caso de fraude pré-falimentar.

Na primeira situação, a sentença falimentar ou concessiva de recuperação são elementares do tipo penal porque, conforme observado (subitem 7.3 retro), e este é um aspecto em que a doutrina apresenta pouca discórdia, as condições objetivas de punibilidade só podem se configurar como evento concomitante ou posterior à prática da conduta típica.

A uma, porque a punibilidade surge como conseqüência da prática do crime, de sorte que as condições de que dependa assumem, por via de efeito lógico, a mesma relação de posterioridade; a duas, porque os eventos que se encontrem como antecedentes da conduta típica, acabam por ingressar no conjunto de elementos preexistentes obrigatoriamente cobertos pela vontade do agente, vínculo psicológico que contraria o próprio caráter objetivo que é a essência das condições em questão.

Sobre a descaracterização da sentença de quebra ou concessiva de recuperação como eventos condicionantes, quando a conduta lhes seja sucessiva, também está Nucci, para quem “Nessa hipótese, não se está cuidando de

condição objetiva de punibilidade, mas de mera fraude cometida contra os

credores durante o processo de falência ou recuperação.”222

Assim, na fraude pós-falimentar a sentença de quebra ou concessiva de recuperação tem natureza de elemento do tipo penal e não de condição objetiva de punibilidade.

No que se refere à segunda hipótese, quando a Fraude a credores vier a ser perpetrada antes do decreto de falência ou da concessão de recuperação à empresa, a questão assume outro enfoque na medida em que pelo menos a característica de posterioridade do evento condicionante em relação à conduta estaria preenchida.

No entanto, a questão deve ser considerada por outros ângulos, notadamente aquele relativo ao conteúdo subjetivo do delito, que na espécie parece não se acomodar, satisfatoriamente, com a categoria das condições objetivas de punibilidade.

Nesse sentido, releva notar, por primeiro, que os supostos eventos condicionantes encontram-se inseridos taxativamente no enunciado típico, aspecto que, conforme antes salientado (subitem 7.4 retro), não se admite em relação às condições objetivas de punibilidade, visto que todos os elementos típicos devem estar necessariamente alcançados pela vontade do agente.

Esse aspecto, por outro lado, prenuncia o contexto da necessidade de uma indispensável relação entre o agente e os ditos eventos condicionantes, o

222

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis Penais e Processuais Penais Comentadas, p. 553. Assim Também Manoel Pedro Pimentel, Legislação Penal Especial, p. 120.

que afasta qualquer possibilidade de admiti-los como condições objetivas de punibilidade.

Essa necessidade assume contornos práticos porque, conforme pacificamente sustentado na doutrina, as manobras fraudulentas de que trata o artigo em tela, só adquirem relevância quando levadas a efeito dentro da chamada “zona de risco penal”, ou seja, naquele período que antecede a quebra ou a recuperação, quando a empresa já apresente sintomas evidentes da possibilidade de ocorrência dos referidos eventos, conforme sintetiza Nostre:

A fraude a credores de que ora se trata é aquela praticada já em momento de desequilíbrio financeiro do devedor. Na recuperação judicial, desde seu requerimento (art. 48). Na recuperação extrajudicial, desde o início das tratativas com os credores para o estabelecimento do plano de recuperação a ser homologado judicialmente. Já na falência o momento de início da crise é de mais difícil determinação, podendo retroceder aos momentos iniciais do período de endividamento temerário que acaba por ensejar a falência [...] 223

De fato, as manobras que se distanciam da “zona de risco penal” não são reconhecidas como configuradoras de Fraude a credores, justamente porque neste período tem-se a certeza de que a ocorrência dos supostos eventos condicionantes se não são diretamente buscados pelo agente, são ao menos previsíveis em função da crise financeira.224 É certamente por isso que a sentença de quebra ou concessiva de recuperação foi inserida no enunciado do tipo penal.

Se o agente atua no sentido de esvaziar fraudulentamente os ativos da empresa e levá-la ao estado falimentar ou de recuperação em prejuízo de seus credores, fica evidente que tais eventos foram visados e até causados pelo

223

Guilherme Alfredo de Moraes Nostre, Art. 172. In: SOUZA JÚNIOR, Francisco Satiro de; PITOMBO, Antônio Sérgio Altieri de Moraes (coords.). Comentários à Lei de Recuperação de Empresas e Falência, p. 538

224

Nesse mesmo entendimento está SILVA “Não tem sentido, realmente, falar-se em fraude falimentar se a

manobra artificiosa teve lugar, por exemplo, anos antes da quebra e não contribuiu, por si só, para agravar situação dos credores que àquela viera a acorrer.” (Antonio Paulo C. O. Silva, Comentários às disposições penais da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, p. 74).

agente, situação que não guarda qualquer semelhança com a categoria das condições objetivas de punibilidade.

Se, por outro lado, a vontade do agente não é diretamente voltada à quebra ou à recuperação, porém o estado financeiro crítico que caracteriza a “zona de risco penal” as torna previsíveis, ao atuar fraudulentamente, antecipando-se na tentativa de resguardar patrimônio em prejuízo de seus credores, é evidente que estará assumindo o risco da ocorrência dos eventos que em tese condicionam a punibilidade, razão por que lhe devem ser creditados, ainda que a título eventual.

Em ambas as situações, a quebra e a recuperação não assumem o caráter objetivo que exige a categoria das condições objetivas de punibilidade.

Em síntese, o caráter objetivo não se acomoda com uma fraude, de sorte que a falência não pode nesta modalidade delituosa ser havida como evento estranho à vontade do agente. É o que bem proclamam Chauveau e Hélie:

Assim, em matéria de falência fraudulenta, a fraude ou, em outros termos, a culpabilidade do agente deve ser expressamente declarada: ela não pode implicitamente resultar de qualquer fato, porque este fato, qualquer que seja, não a supõe necessariamente, porque a pena não pode ter por base uma indução extraída de um fato: é preciso que a culpabilidade seja completamente estabelecida pelo júri. 225

Por esses argumentos conclui-se que, da forma com que foi redigido, o artigo 168 não permite reconhecer a sentença de falência ou concessiva de recuperação como condições objetivas de punibilidade.

225