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Frequência e rendimento escolares

No documento Os Municípios na Modernização Educativa (páginas 174-177)

No que respeita aos aspectos pedagógicos, comecemos por analisar a frequência das alunas e alunos da Cidade de Lisboa. Em média, as meninas mostram melhor assiduidade (74%) do que os rapazes (61%), ficando ambas muito acima da média nacional (58%). A justificação maior para as ausências está no “descuido dos pais” e na “falta de arranjos”, isto é, impossibilidade de adquirir vestuário e calçado suficientes para as crianças se apresentarem numa aula. No que concerne ao “descuido dos

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pais”, o Comissário dos Estudos de Lisboa desculpa-o, em parte, pois considera-o “às vezes involuntário; porque forçados a sair de casa ao amanhecer, e, não raro, para distância, ou a entregar-se a trabalho, que lhes absorve todo o dia, e cuidado, descuram completamente o ensino, e educação dos filhos” (Lacerda, 1856, p. 103). E reconhece que é nas camadas mais baixas da sociedade que maior resistência se encontra: “Os pais carecem do serviço, que seus filhos podem prestar-lhes, e segundo lhos podem prestar, logo desde a puerícia, e, não duvidam deixar os filhos na total carência de instrução, contanto que, por tal motivo, não padeçam mínimo incómodo”. Acrescentando: “Esta causa poderosíssima nas povoações rurais, não é menos eficaz na capital” (Idem, p. 102).

Quanto à “falta de arranjos”, as autoridades locais responsáveis pela Instrução Pública referiam-na muitas vezes como uma das causas maiores do absentismo escolar. Por exemplo, o Comissário dos Estudos de Lisboa dá a conhecer:

Encontrei muitas escolas pouco frequentadas, e as praças inçadas de rapaziada inquieta, como é próprio de tal idade, e totalmente inaplicada. Inquirindo por que motivo não se achava aquele considerável número de crianças (…) cursando a próxima escola pública, respondeu-se-me, e confirmaram as autoridades locais (…) por os pais não terem meios de comprar calçado aos filhos, e o professor público os não admitir descalços. (Lacerda, 1858, p. 223)

Na Capital, o trabalho infantil não é apontado como uma das causas de absentismo. Somente em 1863-1864, para a Escola feminina de S. Sebastião da Pedreira25 o

visitador se refere às meninas que se ocupam no “emprego no campo” e na “lavagem de roupa no rio”, decerto, em Campolide no riacho que corria sob o Aqueduto.

Relativamente ao rendimento escolar, a inspecção realizada em 1875 não nos parece muito rigorosa, se compararmos com as informações fornecidas dez anos antes, quando era dito ser muito reduzido na maior parte das escolas. Para o começo do ano lectivo de 1874-1875 era considerado como “pouco” apenas em quatro escolas mistas e três masculinas e como completamente nulo na Escola masculina da Freguesia de S. Sebastião da Pedreira regida por um professor com 66 anos de

25 Localizada no Bairro de Belém servia as crianças moradoras na parte da Freguesia que pertencia ao Município de Lisboa.

idade e 37 de serviço e com a saúde debilitada como alerta o visitador: “O Professor, pelo seu estado físico e pela negligência com que desempenha as funções do magistério é incapaz de dirigir uma escola”. Por estas razões, pede para que ele seja submetido a um “exame de sanidade”.

Contudo, alguns anos antes o Comissário dos Estudos de Lisboa avaliara como satisfatório o “adiantamento” dos alunos das escolas públicas da Capital e cuja frequência era, segundo ele, mais regular, ao contrário do que se passava no resto do Distrito, onde o progresso seria mais lento devido, em grande parte, à irregularidade da frequência, à qual “não é possível aplicar remédio de bastante eficácia, porque a tudo resiste a tenacidade dos pais, (…) preferindo que lhes prestem toda a sorte de serviços de que a idade os vai tornando próprios” (Lacerda, 1858, p. 208).

Na época, não podemos analisar o rendimento escolar dissociado de outras variáveis como sejam a frequência irregular, as condições da sala de aula e do seu equipamento, a formação dos docentes e o seu perfil profissional. Para isso nos alerta o visitador da Escola mista da Freguesia de Santa Justa:

Apesar da Professora ser sofrivelmente inteligente e mostrar vontade de exercer regularmente o seu lugar, a escola produz resultados pouco satisfatórios. A Professora diz-se obrigada a adoptar no ensino o modo individual, porque as alunas entram a horas muito diferentes – cada uma à hora que mais lhe convém. A falta de mobília, a pouca frequência, as acanhadas dimensões da casa da aula, a falta de regularidade na distribuição do tempo pelos diferentes exercícios escolares – falta devida em parte à Professora, mas principalmente à irregularidade de entrada das alunas – põem esta escola muito longe das condições em que deve estar uma escola da Capital.

A assiduidade e o zelo dos professores eram bastante mais desiguais do que os das suas colegas a quem não são apontadas essas faltas. As informações escritas pelo visitador da Escola masculina de S. Paulo traduzem algumas das situações vividas na Cidade de Lisboa:

O Professor não tem zelo algum pelo serviço. Uma escola situada num local populoso e que apenas tem meia dúzia de alunos (…),

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quando quatro escolas, a alguns passos de distância, chegam a não ter capacidade para os alunos que as frequentam, prova que o Professor não merece confiança aos pais das crianças, trata de afastar os alunos e descura completamente o ensino.

Como também o caso do professor da Escola masculina das Mercês:

O Professor é inteligente e ilustrado, mas é muito pouco assíduo e não tem zelo pelo adiantamento dos alunos. Falta às aulas regularmente 3 vezes por semana à lição da manhã, porque vai leccionar ao Recolhimento do Calvário; deixa no seu lugar seu filho, que é assim substituto em vez de ajudante. (…) Enfim podendo este Professor ser o primeiro da Capital pela sua inteligência e ilustração é dos que pior desempenha as funções do magistério oficial.

Sem um apoio especial da Câmara Municipal, em inícios da segunda metade do século XIX, as escolas da Capital não teriam um funcionamento diferente das do restante país. Como diz Maria José Canuto, professora na Escola feminina da Freguesia das Mercês, em conferência proferida no Liceu Nacional de Lisboa, “o que torna espinhosa a missão do professor primário não é a aridez do ensino; é a luta contínua entre os ditames da boa educação, e a turbulenta e viciosa relutância das crianças do povo; entre o dialecto da escola e o dialecto familiar das crianças populares (1869, pp. 5-6).

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