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Um salto qualitativo?

No documento Os Municípios na Modernização Educativa (páginas 121-125)

Com a entrada em cena de uma nova maioria política em meados da década de 90, verificou-se uma certa alteração da situação, tendo havido algumas iniciativas legislativas acentuando a intervenção autárquica, no meio de declarações políticas favoráveis à descentralização e ao que se designou então por “territorialização das políticas educativas”. Uma nova Lei-Quadro da Educação Pré-Escolar (Lei n.º 5/97, de 10 de Fevereiro) alargou as responsabilidades próprias dos municípios neste domínio, em aspectos de organização e apoio ao sistema; o novo regime de administração e gestão dos estabelecimentos públicos de educação e ensino (anexo ao Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio) previu novamente a intervenção autárquica na gestão das escolas públicas (nas Assembleias de Escola, que vieram substituir os anteriores Conselhos de Escola) e, melhor ou pior, essa intervenção teve alguma efectividade; um novo “pacote autárquico” veio atribuir novas e interessantes competências educacionais aos municípios, como, por exemplo, a criação dos Conselhos Locais de Educação (já falados no Decreto-Lei n.º 115-A/98) e a elaboração das cartas escolares concelhias, para além de ter aberto a porta a uma actualização das competências instrumentais que já vinham de 1984 (Leis n.ºs 159/99 e 169/99, de 14 e 18 de Setembro, respectivamente).

Este conjunto de iniciativas legislativas teve origem no designado Pacto Educativo

para o Futuro, o programa educacional do Governo Guterres, apresentado e

inicialmente lançado pelo ministro Eduardo Marçal Grilo. Embora este programa insistisse na “centralidade da escola” como paradigma da criação de políticas educativas, e não tenha explicitamente optado pela centralidade dos territórios, a verdade é que o conjunto de medidas que propunha dava um carácter mais político à descentralização. Saliento aqui apenas duas:

− a atribuição aos municípios da responsabilidade pela elaboração das cartas escolares concelhias (e mais tarde das cartas educativas, um conceito mais largo) dava-lhes a possibilidade de pensarem o sistema educativo local no seu conjunto e de planearem o seu desenvolvimento, assim podendo influenciar decisivamente o curso da educação nos seus territórios (Lei n.º 159/99, de 14 de Setembro);

− a constituição dos Conselhos Locais de Educação (mais tarde designados por Conselhos Municipais) juntou diversos intervenientes do sistema educativo local num órgão de parceria destinado a articular programas e projectos, visando-se a promoção de uma política integrada de educação ao nível local (Decreto-Lei n.º 115-A/98, de 4 de Maio, e Lei n.º 159/99, de 24 de Setembro).

Estas medidas legislativas mudavam um pouco a natureza dos poderes municipais na área da Educação, por, à partida e segundo pareceu do seu processo de criação, não serem medidas estritamente administrativas, ou seja, de mera execução local das políticas centrais. Mas elas tinham que ser regulamentadas para se tornarem de cumprimento obrigatório, e foi dessa regulamentação que se ficou à espera até 2003.

Diga-se que também estas medidas tiveram antecedentes de iniciativa estritamente municipal. Com efeito, vários municípios tinham já criado Conselhos ou Comissões Locais de Educação antes de 1998, correspondendo a uma ideia surgida durante os trabalhos da reforma do sistema educativo do final da década de 80 e que não tinha sido aproveitada pelo governo de então. O quadro seguinte mostra qual era a situação de criação autónoma destes órgãos em 1997 (quando ainda nenhum diploma legal se lhes tinha referido) e em 2000 (quando a sua criação já estava prevista por lei, mas ainda não estava regulamentada), apurada por questionários.

Os dados permitem constatar que já em 1997 existiam ou estavam em criação muitos Conselhos em todo o país, apesar de não ter havido até então qualquer norma legal que os referisse. Até ao final do ano lectivo de 1999/2000, estavam constituídos 46 Conselhos Locais de Educação (ou organismos similares) nos 155 municípios cujas respostas ao questionário foram consideradas, ou seja, em 30% desses municípios. Em 21 casos (14%), os Conselhos foram constituídos já depois da publicação do Decreto-Lei n.º 115-A/98, mas não necessariamente por causa dele. Em fase de constituição, encontravam-se mais 64, o que representa 41% dos municípios da amostra deste estudo.

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Os Municípios na Modernização Educativa

Quadro n.º 1: Existência de Conselho Local de Educação (por regiões do continente)

Regiões 1997 2000

Respostas Sim % Em criação % Respostas Sim % Em criação %

Norte 22 2 9 7 32 41 9 22 22 54 Centro 21 6 29 2 10 40 14 35 12 30 Lisboa e Vale do Tejo 19 4 21 6 32 39 17 44 15 38 Alentejo 19 3 16 0 0 26 3 12 11 42 Algarve 8 1 13 1 13 9 3 33 4 44 Total 89 16 18 16 18 155 46 30 64 41

Fonte: Pinhal, 2012a, p. 493.

Desta forma, em relação à amostra, os municípios onde não existiam Conselhos Locais de Educação, nem estava prevista a sua criação para breve, constituíam já uma minoria, o que mostra como os municípios reconheceram a importância destes órgãos e autonomamente decidiram criá-los.

Por outro lado, diversos municípios também ensaiaram a elaboração de cartas escolares ou de cartas de equipamentos educativos antes que isso fosse obrigatório, inserindo naturalmente esse planeamento no quadro dos respectivos planos directores municipais.

Quadro n.º 2: Existência de Carta Escolar – Continente (2000)

Regiões Número de respostas Tinham carta % Estava em elaboração %

Norte 41 6 14.6 14 34.1 Centro 40 1 2.5 17 42.5 Lisboa e Vale do Tejo 39 9 23.1 19 48.7 Alentejo 24 2 8.3 6 25.0 Algarve 9 1 11.1 6 25.0 Total 153 19 12.4 62 40.5

Fonte: Pinhal, 2012a, p. 450.

No ano 2000, quando já estava legislada a competência municipal para a elaboração da carta mas ainda não havia regulamentação dessa competência, a situação nos 153 municípios do continente que responderam a um questionário sobre o assunto era a que consta no Quadro acima.

A elaboração de cartas escolares é uma tarefa tecnicamente complexa e relativamente cara, pelo que não foram tantos os municípios que avançaram para a sua elaboração antes que o Estado tivesse vindo dar os seus contributos metodológicos e que ficasse claro a quem caberia pagar os estudos necessários. Mesmo assim, no ano 2000, 62 dos 153 municípios que responderam ao questionário já tinham carta escolar ou estavam a elaborá-la, e isso também tem o seu significado quando se trata de analisar o nível de autonomia municipal nesta matéria.

Mas, como se disse atrás, havia uma regulamentação para sair, necessária para que se tornassem efectivas as obrigações municipais com a elaboração da carta educativa e com a criação de Conselhos Municipais de Educação. Essa regulamentação só sairia em 2003, em decreto-lei do Ministério das Cidades, do Ambiente e do Ordenamento do Território (Decreto-Lei n.º 7/2003, de 15 de Janeiro).

A regulamentação da elaboração da carta educativa veio clarificar o processo de elaboração e o conteúdo da carta e revelar-se-ia muito útil aos municípios, mas a aplicação das cartas ver-se-ia prejudicada por outras políticas entretanto lançadas pela Administração central (como a política de reordenamento da rede escolar, baseada na constituição administrativa de agrupamentos). Por seu turno, a regulamentação dos Conselhos Municipais de Educação lançou a confusão sobre a natureza do órgão e sobre as suas competências, e acabaria com a possibilidade

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Os Municípios na Modernização Educativa

de se definir localmente a sua composição e o seu modo de funcionamento, como chegara a admitir-se. Também aqui, o que poderia ser uma oportunidade de valorizar politicamente as comunidades locais fora transformado em mais um exercício a favor da centralização, pela via da excessiva regulamentação pelo poder central e por uma composição definida pelo governo.

Eis como avançava a descentralização, aos repelões e sujeita a constantes contradições entre princípios enunciados na lei e nos discursos e as medidas concretas adoptadas, e entre estas medidas e as iniciativas autónomas dos municípios e das organizações locais. A falta de coerência global aumentava, naturalmente, a desconfiança nos processos descentralizadores vindos do centro e roubava energia criadora aos protagonistas locais.

No documento Os Municípios na Modernização Educativa (páginas 121-125)