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Fumus Comissi Delicti e Periculum Libertatis na Prisão Temporária

3.2 Prisões Cautelares em Espécie

3.2.3 Prisão Temporária

3.2.3.2 Fumus Comissi Delicti e Periculum Libertatis na Prisão Temporária

A cautelaridade da prisão temporária é dirigida à investigação preliminar, não para o processo. Desse modo, não cabe a decretação ou a permanência da prisão temporária quando já

249 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 250 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 251 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

se tiver encerrado a investigação. Uma vez oferecida a denúncia, desaparece o fundamento para a temporária, devendo, se ainda no curso do prazo fixado para a segregação, o investigado ser imediatamente posto em liberdade, caso não haja conversão, por decisão fundamentada nos limites dos arts. 312 e 313 do CPP, em prisão preventiva.252

Sendo uma espécie de prisão cautelar, evidentemente a temporária exige a demonstração de fumus comissi delicti e de periculum libertaitis para ser imposta ao investigado.

A exigência do fumus comissi delicti está insculpida no inciso III do art. 1º da lei, quando versa sobre as “fundadas razões, de acordo com qualquer prova admitida na legislação penal, de autoria ou participação do indiciado nos seguintes crimes”, listando, o dispositivo legal, um rol de quinze delitos nos quais se admite a prisão temporária. Vale ressaltar que esse rol é taxativo, reputando-se absolutamente ilegal a decretação de prisão temporária em investigação que apure a prática de delitos não previstos no rol do inciso III.253

Ainda sobre a fumaça de crime, em que pese a origem inquisitorial e autoritária, derivada das anacrônicas prisões para averiguação, a aplicação da prisão temporária hoje deve obedecer aos ditames do devido processo democrático e constitucional. Nesse sentido, não se admite a prisão para buscar elementos de autoria a materialidade. Conforme a redação do inciso III, as fundadas razões, de acordo como a prova (entendidos como elementos de informação), da provável ocorrência de um dos delitos do rol taxativo do inciso, e da autoria ou participação do investigado, devem embasar a representação pela prisão temporária, e não ser a sua busca o objetivo da cautelar.254

Nesse passo, se o objetivo da prisão temporária não pode ser justificado na busca dos elementos de autoria e materialidade (já que esses são requisitos e não fundamentos), a necessidade da medida reside na sua imprescindibilidade para as investigações, nos termos do inciso I, do art. 1º, da Lei nº 7.960/89.

Lopes Jr. sustenta que na sistemática da temporária, o periculum libertatis resta distorcido, entendendo que o fundamento da custódia cautelar não se encontra num perigo (situação a ser acautelada) causado pela liberdade do investigado, senão que na incompatibilidade da liberdade com a necessidade da investigação. Disso tece relevante crítica acerca de o ordenamento jurídico ainda admitir que a prisão seja, em si, necessária para a

252 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 253 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 254 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

atividade investigatória. Lembrando que não se trata de essa prisão proteger uma situação de perigo, mas de a liberdade mesma do investigado ser considerada incompatível com a investigação. Lopes Jr. considera que a polícia deve ter condições técnicas para investigar sem depender da privação da liberdade do imputado.255

O autor ainda frisa ser um absurdo a resistente prática de decretação da prisão temporária sob o argumento de que o investigado não está colaborando com as investigações, ante a recusa desse de prestar interrogatório, participar de reconhecimentos, acareações, reconstituições ou qualquer outra diligência da persecução. Há que se lembrar que o investigado está protegido pela presunção de inocência, que compreende o direito de não produzir provas contra si mesmo, bem como de não colaborar com as agências persecutórias, sendo ilegal a imposição de prisão temporária com o objetivo de disponibilizar o corpo do suspeito à autoridade policial.256

Há que abandonar o ranço inquisitório, em que o juiz (inquisidor) dispunha do corpo do herege, para dele extrair a verdade real ... O suspeito (e o acusado) tem o direito de silêncio e de não participar de qualquer ato probatório, logo, está logicamente autorizado a não comparecer (e, obviamente, a ‘não colaborar com as investigações’...).257

Por fim, ante a nebulosa redação legal, cabe pontuar que não cabe prisão temporária com base nos incisos I, II e III de forma isolada, como pode deixar transparecer a péssima técnica legislativa empregada nos dispositivos. A decretação dessa espécie de segregação cautelar exige a demonstração da ocorrência simultânea das situações previstas nos incisos I e III, sendo o inciso II absorvido pela imprescindibilidade para as investigações, servindo, quando presente, de mero reforço no fundamento da prisão pretendida.258

255 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 256 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 257 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017. p. 181. 258 LOPES JR, Aury. Prisões cautelares. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2017.

4 A AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA

A audiência de custódia é um instituto jurídico processual previsto, originalmente, em tratados internacionais de Direitos Humanos e, conforme se extrai das múltiplas e quase idênticas disposições normativas internacionais em que é definida, consciente em ato formal no qual o preso é conduzido, sem demora, à presença de uma autoridade judicial, que, a partir de breve e restrito contraditório entre acusação e defesa, deverá exercer o controle imediato da legalidade e necessidade da prisão cautelar do conduzido; e, ainda, apreciar questões referentes à pessoas do preso, notadamente a verificação de maus tratos e/ou tortura.259

Conforme pontuam Lopes Jr. e Paiva, a audiência de custódia promove importante espaço democrático de debate sobre a legalidade e a necessidade da prisão cautelar, consistindo o imediato controle judicial em meio idôneo para evitar prisões arbitrárias e ilegais. Opera para assegurar ao cidadão que tem a sua liberdade restringida o tratamento condizente com a presunção de inocência, bem como para proteger sua integridade física.260

Em que pese a relevância do instituto processual penal em comento, já há muito conhecido pelo direito nacional – ao menos desde a internalização do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH), em 1992 – ainda não encontra regulamentação legal ordinária no ordenamento pátrio, vigendo entre nós apenas (como se não fosse suficiente) a partir das previsões dos citados diplomas internacionais sobre direitos humanos.

Destarte, face a resistente omissão legislativa brasileira em regular, por lei ordinária, a audiência de custódia, seu exame deve ainda se iniciar pelo estudo dos tratados internacionais onde se encontra insculpida, bem como, pela ainda necessária afirmação da validade e plena vigência desses no direito brasileiro, ou seja, pela compreensão acerca do papel do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e do estudo do controle de convencionalidade.

259 PAIVA, Caio. Audiência de custódia e o processo penal brasileiro. 2. ed. Florianópolis: Empório do Direito,

2017.

260 LOPES JR., Aury; PAIVA, Caio. Audiência de custódia e a imediata apresentação do preso ao juiz: rumo à

evolução civilizatória do processo penal. Revista liberdades, São Paulo, n. 17, p. 11-23, 2014. Disponível em: <http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon _id=209>. Acesso em: 12 out 2015.