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A configuração proposta pela Constituição Federal de 1988, no tocante à capacidade postulatória do Ministério Público, entre as diversas áreas de atribuição, pode se distinguir entre duas naturezas na relação processual, na condição de “dominus litis” ou “custos legis”.

Esclarece Garcia (2017, p. 282), que o termo “dominus litis” tem por significado “senhor da lide”, e refere-se à atuação do Ministério Público junto ao processo quando postulam no polo ativo da demanda, em especial na Ação Penal Pública, da qual é titular.

A figura do “dominus litis” está arraigada de preconceitos históricos, visto que o Ministério Público, desde o seu surgimento até as suas mais diversas facetas desenvolvidas na sociedade, tem por atribuição a acusação nos processos penais, seja qual for o modelo adotado (BARAZAL, 2013).

Esta titularidade privativa da Instituição, que inicia o ius puniendi estatal, passa a estar separado aquele que acusa e o que julga, todavia, ambos são braços do Estado, e estão disciplinados desta forma por estarem amplamente ligados à segurança.

O início da atividade ministerial é resultado da conclusão da investigação criminal, realizado majoritariamente pelas Polícias Judiciárias, e daí também decorrem a legitimidade para requerer junto ao Poder Judiciário medidas acautelatórias e outros incidentes processuais (MARTINS JUNIOR, 2015).

Relembra o Advogado Criminalista Carlos Felipe de F. Guimares (2019):

Durante as investigações o Parquet pode participar efetivamente, seja presidindo a investigação – por meio dos Procedimentos Investigatórios Criminais – ou mesmo atuando nos Inquéritos Policiais. A atuação vai desde a requisição de diligências até representação por medidas cautelares, como interceptação telefônica, quebra de sigilo fiscal e prisões cautelares.

Na Condição de “dominus litis”, o Superior Tribunal de Justiça reconhece a capacidade postulatória do Ministério Público juntamente com a discricionariedade do Órgão de execução em ingressar com a competente ação, se entender possível e cabível, como consequência a vedação, ao magistrado, de determinar o arquivamento de inquérito, veja-se:

PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. ARQUIVAMENTO DE INQUÉRITO DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. INADMISSIBILIDADE. PRECEDENTES. AGRAVO DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte Superior de Justiça é no sentido de que compete ao Ministério Público, na condição de dominus litis, promover a ação penal pública, avaliando se as provas obtidas na fase pré-processual são suficientes para sua propositura, por ser ele o detentor do 'jus persequendi'. Portanto, não cabe ao magistrado assumir o papel constitucionalmente assegurado ao órgão de acusação e, de ofício, determinar o arquivamento de inquérito ou peças de informação. 2. Agravo regimental desprovido. (BRASIL, 2017) (Grifo nosso)

De outro norte, o que define o termo “custos legis” é a atuação do Ministério Público como “guardião da lei”, que exerce nas ações judiciais de forma interveniente, nem sempre figurando em algum polo da lide, mas sim, fiscalizando a aplicação do ordenamento jurídico e do regime democrático (GARCIA, 2017, p. 283).

Emerson Garcia (2017, p. 283) leciona:

A atuação do MinistérioPúblico deve ser direcionada à consecução das regras e dos princípios inerentes ao sistema, sendo legitimo que, em dado momento, insurja-se contra preceito legal incompatível com as normas de estamento superior em que deveria auferir seu fundamento de validade (v. g.: incompatibilidade entre a lei e a Constituição).

Barazal (2013) sustenta ser necessário deixar de tratar o Ministério Público única e exclusivamente como parte, pois antes mesmo da atividade acusatória, tem a Instituição por dever a proteção do Estado Democrático de Direito, frisando:

[...] já que antes de autor exerce a função de custos legis. Isso demonstra que o Ministério Público ao verificar a incorreção de elementos nos quais se baseou para a

promoção da ação penal, deve buscar a absolvição do réu, inclusive se necessário, apelando para a Instância Superior.

Câmara (2006 apud Tapety, 2012), aponta que, diferentemente da função “dominus

litis”, o Ministério Público como fiscal da lei estabelece relação imparcial na lide,

desvinculado de qualquer das partes:

De acordo com tal hipótese, o Parquet não está vinculado anenhum interesse das partes, devendo limitar-se apenas à corretaaplicação do Direito.

Câmara (2006, p. 223) enfatiza:

Ao atuar como fiscal da lei, e como indica a própria nomenclatura tradicionalmente empregada, o Ministério Público exercerá afunção de órgão responsável por velar pela justiça e legalidade dadecisão judicial, fiscalizando assim a atuação da vontade da lei peloEstado-juiz. Atua, pois, como órgão imparcial. Note-se que estaimparcialidade está presente em todas as hipóteses de intervenção, podendo o MP, por exemplo, recorrer de uma sentença injusta ouilegal que tenha sido proferida e que se revele favorável ao incapaz.

O MP não atua no processo, nesta hipótese, como assistente doincapaz, mas como fiscal da atuação da vontade do Direito.

Ressalte-se que, conforme decidido pelo Pretório Excelso, o Ministério Público pode atuar, ao mesmo tempo como “dominus litis” e “custos legis”, sem que isto ofenda os princípios do devido processo legal e do contraditório:

CONSTITUCIONAL. HABEAS CORPUS. FUNÇÕES ESSENCIAIS E INSTITUCIONAIS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (ARTIGOS 127 E 129 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). NÍTIDA DISTINÇÃO ENTRE A ATUAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO COMO DOMINUS LITIS, AO OFERECER CONTRARRAZÕES À APELAÇÃO DA DEFESA E, COMO CUSTOS LEGIS, AO OFERTAR PARECER NOS AUTOS DO RECURSO. AUSÊNCIA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E DO CONTRADITÓRIO. 1. O Procurador de Justiça, ao ofertar parecer em recurso de apelação no qual o Promotor de Justiça oferecera contrarrazões, não viola os princípios do devido processo legal e do contraditório. 2. O Ministério Público tem como uma de suas funções essenciais à garantia da ordem jurídica, atuando em prol dela como custos legis (Constituição Federal, art. 127), mercê do exercício de uma das funções institucionais que é a de promover, privativamente, a ação penal pública (Constituição Federal, art. 129, I), situações que não se confundem. 3. Precedentes: HC n. 81.436/MG, Rel. o Ministro Néri da Silveira, Segunda Turma, j. em 11/12/2001, e RE n. 99.116-6/MT, Rel. o Ministro Alfredo Buzaid, Primeira Turma, DJ de 16/03/84. 4. Recurso em habeas corpus não provido (BRASIL, 2011).

Estas duas configurações fazem com que o Ministério Público tenha se tornado um modelo institucional de referência, podendo exercer ambas as funções num mesmo procedimento, garantindo a legalidade da persecução, seja penal seja civil, ganhando cada vez mais novas imagens perante a sociedade, afirma Barazal (2013).

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