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Função social da propriedade e da cidade

2.4. Como funciona a TDC

2.4.2. O solo criado

2.4.2.2. Função social da propriedade e da cidade

A continuidade da discussão nos revela o quão importante é tratar a função social da propriedade, condicionante no plano urbano do solo criado, passando pelo interesse social que a cidade assume até chegar ao olhar das perspectivas que o planejamento urbano regional busca alcançar.

O direito de propriedade tende a ser tratado em múltiplas abordagens. Ainda que se busque pesquisar tão somente a incidência da função social em relação a sua noção e alcance, estaremos sempre diante da hipótese de uma diversidade de critérios, que podem ser analisados sob um viés urbanístico. Essa forma de repensar nos estimula a verificar as situações em que a propriedade estaria sujeita à função social, possibilitando o enfoque:

[...] pela legislação sobre minas (no subsolo), pela legislação sobre energia elétrica (na superfície), pela legislação sobre a distribuição de energia elétrica e circulação de aeronaves (no espaço aéreo) – outra é condicionada – pela legislação urbanística – outra, ainda, é ameaçada, deixando ser ela inviolável – pela legislação referida às desapropriações (SILVA, 2010, p. 63).

A própria palavra “propriedade” não tem uma unicidade em seu termo, a partir da variação da função social. Assim, impõe-se analisar, no contexto dos critérios urbanísticos a compreensão da função social da propriedade e da cidade.

50 É exatamente a ideia de que o direito de propriedade privada é limitado. Pelo quê? Pelo interesse coletivo. Todos nós pagamos pra construir a estrutura das cidades – asfalto, drenagem, esgoto, iluminação pública, transporte – tudo isso foi pago por todo mundo. E vai um sujeito e deixa um lote vazio. Esse lote está cumprindo a função social que tem que ter numa cidade? Não! A propriedade privada não é absoluta na Constituição, é subordinada à função social (MARICATO, 2005, p. 2).

Os costumes traziam como resultado que o princípio da função social da propriedade já limitava o exercício de direito de propriedade. Não seria equivocado afirmar que o princípio gera deveres negativos e positivos ao comportamento do proprietário. Por isso, a função social impõe obrigações para que o proprietário, no exercício do direito de propriedade, esteja de modo compatível com os interesses sociais, isto é, a propriedade não deve ser utilizada de maneira danosa à sociedade.

Os instrumentos urbanísticos previstos no Estatuto da Cidade, e outros refletidos em Planos Diretores, são considerados em sua maioria uma resposta à função social. Do outro modo, a carta política de 1988 trouxe nova roupagem ao afirmar que a propriedade deve atender a sua função social, assegurando-a como direito fundamental (BRASIL, 1988).

O regime da propriedade urbana, enquanto destinado à sua função social, tem evoluído na necessidade de incorporar funções urbanísticas, diante do interesse social que a cidade assume desde as mais primitivas, passando pelos costumes aos regramentos jurídicos. Essa constante necessidade não é da propriedade em si, mas da importância do titular em se adequar aos interesses da sociedade. Poderíamos questionar quais seriam tais interesses?

Para dirimir tal dúvida, isso remeteria à problemática de que o sentido da função social está fundamentado numa complexidade de ideias, sendo possível tratá-la sob um viés econômico, tributário, territorial e político. E não se limitando a tais situações. Também podemos encontrar fundamento bastante razoável na ótica urbanística.

Sob o olhar urbanístico, podemos visualizar a função social da propriedade através dos instrumentos de regulação para a intervenção do solo urbano, como o Plano Diretor de Porto Alegre/RS, Lei Complementar nº 434/99 atualizada e compilada até a L.C. nº 667/11, incluindo a L.C. nº 646/10, no artigo 49, cuidou em estabelecer as situações que visa ao cumprimento daquele princípio. Vejamos:

Art. 49. Na aplicação dos planos, programas e projetos, o Município utilizará os seguintes instrumentos urbanísticos de intervenção no solo para o cumprimento da função social da propriedade:

I - Normas de Uso e Ocupação do Solo; II - Transferência de Potencial Construtivo; III - Solo Criado;

51 V - Projetos Especiais;

VI - Monitoramento da Densificação;

VII - Áreas Especiais (PREFEITURA MUNICIPAL DE PORTO ALEGRE, 1999).

Buscando dar cumprimento através do pensamento urbanístico, no princípio função social da propriedade, justificável pela fundamental importância do fenômeno da urbanização, há relação de um processo de causas e efeitos que se confundem com a segunda corrente denominada de função social da cidade.

De acordo com Luiz Ribeiro (2004, p. 44), esses princípios oferecem: “[...] uma oportunidade para que os governos locais possam retirar a dinâmica de organização urbana dos circuitos da acumulação privada de renda e riqueza geradas pela ação do poder público”. A função social da cidade, segundo o autor, fundamenta-se na importância em reconhecer que os mecanismos de espoliação urbana, como a segregação e exclusão habitacional, associados à vulnerabilização do cidadão, devem ser combatidos em busca do direito à cidade.

O autor retrata bem o pensamento crítico, segundo o qual a propriedade não é um direito natural, é um instituto socialmente construído. Se a sociedade é desigual, a propriedade responde por essa desigualdade, e se queremos uma sociedade menos desigual, a propriedade deve contribuir para isso.

Posta a afirmação de que a propriedade pela função social deve guardar um equilíbrio com os interesses da sociedade, aliada às funções urbanísticas em tendência a desenvolver cidades inclusivas, participativas e socialmente justas, poderíamos chegar à tese de que os princípios da função social da propriedade e da cidade manifestam deveres negativos – sendo o principal deles as limitações ao direito de construir – em busca de resultados positivos (HARVEY, 1980, p. 80). Considerando a forte autonomia do direito de construir na TDC, poderíamos declarar a existência de um terceiro princípio denominado de função social do direito de construir.